Se o ano foi negro em muitas áreas, por via da crise, ele foi catastrófico na área das artes visuais, embora (ainda?) não o bastante para a pôr radicalmente em causa. Acontece que a cultura em geral e as artes visuais em particular quase não ocupam atenção crítica na imprensa e no terreno dos blogs, e basta para o comprovar a ausência de tags como cultura, arte, museu, etc em respeitáveis espaços de opinião como A Regra do Jogo ou Jugular - sendo estes exemplos indicativos da escolha de um campo político. Para além do profundo e certamente justificado desinteresse, ou desprezo, que um tal silêncio significa (a favor de futebol, economia, política, benfica, sporting; ou religião, política, etc), há outras razões que têm a ver com a opacidade do sector, a falta de autoridade das instâncias de legitimação e o insondável desconcerto das políticas públicas. Entretanto, os discursos críticos encerram-se sobre os seus objectos parcelares e os espaços de diálogo (por exemplo O Infinito ao Espelho , um blog de artistas) escasseiam ou esmorecem ou acautelam-se... A viragem de ano é, porém, uma oportunidade, ou até uma responsabilidade, para levantar algumas pontas do véu.
Nenhuma outra área terá sofrido tão directamente as consequências da crise económica. É que, mais do que ser arrastado nos seus efeitos, veio à superfície com escândalo público o entrosamento do mercado da arte e dos seus agentes institucionais (os críticos, os comissários, os museus) com os aspectos mais obscuros e corruptos do sistema financeiro. Não são ligações acidentais, são vínculos estruturais, ou estruturantes, da realidade actual do mercado de arte. Com o BPP de João Rendeiro caiu a Fundação Ellipse que aparecera como a mais internacionalmente elegante das colecções - e a mais institucionalmente comprometida, por via do assessor cultural de Sócrates, que continua, e do director do Museu do Chiado, a quem parece que darão uma prateleira dourada, mas os comprometimentos ficam por sancionar (e haveria que falar das tropelias das avaliações, etc). Com o BPN de Oliveira Costa revelaram-se aspectos mais soezes do sistema, com circuitos de branqueamento de capitais através da arte, e absurdos acervos de dezenas de mirós, falsas antiguidades egípcias, contentores de moedas comemorativas e muitos quadros avulsos para todos os gostos. Por ambos passavam relações com galerias, artistas cooptados, etc. São casos de polícia que ficam por deslindar.