Na última feira Arte Lisboa foi uma das obras que atraíam a atenção e que tentei fotografar. Hoje inaugura uma exposição individual onde essa e outras peças próximas de Catarina Branco (Catarina Castelo Branco, n. 1974, Ponta Delgada /São Miguel) se apresentam como um corpo de trabalho coerente e em desenvolvimento. A surpresa resiste ao primeiro encontro e sustenta-se como um aliciante nó de referências, sugestões e expectativas. Longe, em Ponta Delgada, Açores, Galeria Fonseca Macedo.
"Formas endémicas 1", 2009, papel recortado, 175 x 110 cm
Fenais da Luz é (também) o nome de uma povoação, uma freguesia do concelho de Ponta Delgada (fenais parece vir de feno, fenal, lugar de muito feno).
O papel recortado a preto e branco que se viu em Lisboa dá agora também lugar a composições de cor e em relevo, mais complexas - as referências figurativas parecem desaparecer na acumulação das formas que se dirão decorativas. É a classificação como Desenho que se propõe.
"Lugar contrário ao mundo real", 2009, Papel recortado, 100 x 70 cm (carregar na imagem para ampliar)
"Relíquia 2", 2009, papel recortado, 100 x 70 cm
Em Fenais da Luz fazem-se tapetes de flores nas ruas, por ocasião da festa religiosa. (As pétalas são às vezes substituídas por aparas de madeira pintadas). É uma referência possível. Também lembram as obras em plástico recortado de José Escada, mas aí a presença da figuração teria outra origem.
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Seria talvez possível referir os desenhos recortados da afro-americana Kara Walker (a relação é improvável, o sentido das obras é outro), mas é seguramente mais proveitoso conhecer a tradição dos papéis recortados, seguindo para começar as fontes referidas em Benjamim Pereira, “Bibliografia Analítica de Etnografia Portuguesa“, de 1965, reed. do Instituto dos Museus e da Conservação em versão fac-similada, que pode ser baixada gratuitamente, em formato pdf, no site do IMC.
"1.7. TRABALHOS EM PAPEL
690 CORREIA, Vergílio — Papéis recortados ornamentais. ATP, 1, Lisboa, 1916, p. 151.
Breve nota sobre os papéis recortados, de cores, que nos concelhos de Montemor, Mora e Coruche, colam directamente sobre a cal da parede, como grafito. Menção da velha tradição dos papéis recortados conventuais e seculares dos séculos XVIII e XIX, e, principalmente, indicação de costume idêntico e mais perfeito, no povo da Ucrânia e da Polónia.
691 FREITAS, Eugénio Andrea da Cunha e — A arte do papel recortado. APP, 1, pp. 235-263, 26 figs.
O trabalho apoia-se no estudo de Emanuel Ribeiro «A arte do papel recortado» e em artigos dispersas de João Rosa, Abel Viana, Luís Bernardo Ataíde, Luís Chaves, Virgílio Correia e Augusto C. Pires de Lima, dos quais faz extensas transcrições. Foca o contributo das freiras neste capítulo, descrevendo a riqueza e fantasia dos papéis recortados, usados geralmente como enfeite de caixas de doces, adornos de castiçais, etc. Descreve os papéis recortados usados como ornamentos das prateleiras, de paredes, de balões, lanternas para as luminárias em festas religiosas, etc. Descreve também certos brinquedos infantis, como por exemplo os papagaios ou estrelas, barcos, etc., e ainda cartas de amor, arcos de festa e flores artificiais.
692 M., C. — À margem de gulodices. FL, I, Lisboa, 1929, pp. 159-162.
Pequena notícia de papéis recortados que servem para polvilhar de canela os pires de arroz-doce e aletria." (...)
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