"Fotografia: ver e dizer"
DUANE MICHALS
Centro de Arte Moderna
O Museu do CAM abre-se pela primeira vez à fotografia e acolhe uma exposição que apresenta com a extensão necessária e adequadas condições de visibilidade uma das grandes obras fotográficas das últimas décadas. Trata-se, para mais, de uma antologia seleccionada pelo autor, produzida especialmente para a oportunidade, na sequência de uma primeira mostra de reduzidas dimensões apresentada nos Encontros de Fotografia de 1987 (e deve referir-se que a iniciativa traduz a implantação internacional de redes de contactos lançadas a partir de Coimbra, por Albano Silva Pereira, e que ao mesmo tempo permite esperar que a entrada do fotógrafo Jorge Molder para o lugar de assessor da direcção do CAM venha atribuir à fotografia um novo lugar entre as actividades da instituição).
Do início expõem-se os retratos frontais de personagens anónimos que hoje, com o que sabemos de D.M., podemos entender como provas da opacidade definitiva de qualquer projecto realista: o que esses rostos nos «dizem» é que a fotografia nada nos permite saber do que cada um é, deseja ou pensa no acto de ser fotografado. Documentos aparentes, as imagens reservam um segredo inviolado que D.M. tentará depois desvendar (ou melhor, ficcionar) com os recursos da fotografia, mas excedendo cada vez mais os seus limites tradicionais.
Se outros fotógrafos vêem, mostram, denunciam, exaltam, ou exibem, D.M. será um fotógrafo que diz: que as aparências escondem outra realidade mais decisiva. E para isso cada vez mais recorre directamente à palavra, inscrita em cada foto ou anunciada nas palestras que acompanham as suas exposições, para ultrapassar o que entende ser a insuficiência radical da fotografia. «Porque a fotografia falha, dou comigo a escrever poesia» (in The Nature of Desire).
«O que mais importa numa pessoa que dorme é o que ela sonha», disse D.M. na Gulbenkian. «A fotografia acredita em factos, eu acredito na imaginação» - «trabalho contra a natureza da fotografia». O que lhe interessa é «o que não se pode ver na fotografia», «o que não é fotografável»: contra o «aqui» e «agora» da aparência fotográfica, a dimensão metafísica, o sonho, o desejo, a ilusão, o enigma, o medo, a mudança. «Gosto que a fotografia mostre que a realidade é falsa» (fake).
Nesse mesmo ano de 1958, Robert Frank, fotografando os americanos, provaria que «os factos» fotográficos não são momentos decisivos em que se cristaliza um qualquer significado, mas indícios de uma existência cuja suspensão permanece aberta a todos os sentidos, e até à inexistência de sentido. Frank situa o essencial da fotografia na extrema objectividade de um olhar pessoal, subjectivo, que importa preservar da explicação e da palavra. D.M. está, pelo contrario, do lado de Minor White, de uma atitude visionária para a qual a realidade da fotografia é produto da imaginação. Do período até 1966, durante o qual vai também construindo uma sólida carreira de fotógrafo profissional, a antologia recoIhe uma série de grandes retratos: Warhol (1958), Duchamp (62), Magritte (65). Com eles (e depois com Cornell ou com o Auto-retrato com Andre Kertesz à maneira de David Hockney) se confirma uma relação privilegiada com o universo da criação plástica, mas a que serão alheios os códigos da pintura. D.M. toma uma atitude inquieta em torno do acto fotográfico mas rejeitando o percurso das interrogações formalistas (enquanto trabalho sobre a natureza e condições específicas do «medium») para definir uma prática exterior às suas fronteiras supostamente essenciais.
O rosto de Warhol, frontalmente enquadrado, desvanece-se numa sequência de três imagens; noutro retrato é ocultado pelas duas mãos abertas; Duchamp é um reflexo num vidro de janela ou uma aparição sobre o espelho da cidade; Magritte, um duplo vulto inscrito como uma sombra na matéria táctil de um ecrã, ou um fantasma que emerge de uma das suas telas. 0 tema do duplo, ou a duplicidade da presença-ausência dos corpos num espaço neutro, as estratégias da encenação como criação de uma realidade mais verdadeira e da sequência como registo narrativo da mudança (vida-morte), deixam-se já sinalizar nesses trabalhos ainda iniciais.
É em 1966 que surgem as primeiras séries sob a forma de foto-histórias, sequências de seis imagens com um conteúdo ficcional sublinhado pelos títulos manuscritos. Depois, em 1974, algumas fotografias isoladas são invadidas por textos onde uma proposta narrativa (ou, noutros casos, a referência explicitamente autobiográfica) determina o sentido, a eficácia, a verdade da imagem. Esta fotografia é a minha prova (de 71/74), é acompanhada pelo texto «Era naquela tarde, em que as coisas ainda estavam bem entre nós. E abraçavam-nos e éramos tão felizes. Ela amava-me mesmo, acontecera. Olhem e vejam vocês próprios», e ao mesmo tempo que condensa uma estratégia criativa é também o questionamento de todas as outras atitudes fotográficas.
Mais recentemente a imagem passa a ser integralmente fabricada, alia-se a pintura e a colagem, os textos ganham uma ainda mais explícita dimensão poética: provisória conclusão de uma obra, este é o seu lugar mais radical, mesmo que não pareça surgir como o mais produtivo. D.M. escreve agora as suas «canções de fadas». (Até 27)
Olá Alexandre, descobri seu site hoje e fiquei muito feliz...é ótimo! sou fotógrafa e aqui estou podendo conhecer o trabalho de alguns fotógrafos que até então não conhecia...Obrigada.
Posted by: ivana debértolis | 02/02/2010 at 03:26