Para quem se envolveu na luta pela reabertura do museu e a classificação patrimonial do seu edifício, essa referência destacada ao MAP, cuja reabertura foi já anunciada para 2010, é especialmente auspiciosa. Agora são as instalações do MAP, há muito encerradas ao público, o lugar escolhido para a apresentação oficial do programa de renovação dos museus dependentes do MC, que compreenderá, aliás, novas orientações quanto à sua gestão futura, mais descentralizada, operacional e participada. É a seguinte a nota informativa divulgada pelas relações públicas do MC:
MINISTÉRIO DA CULTURA APRESENTA PLANO ESTRATÉGICO PARA OS MUSEUS: “MUSEUS PARA O SÉC. XXI”
20 de Janeiro, 16H00 - Museu de Arte Popular
"O Ministério da Cultura promove na 4ª. Feira, dia 20 de Janeiro, pelas 16H00, nas instalações do Museu de Arte Popular, em Belém, a apresentação do Plano Estratégico dos Museus – “Museus para o Século XXI”.
A apresentação contará com as presenças da Ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, do Secretário de Estado da Cultura, Elísio Summavielle, e do Director do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC), João Brigola, além de entidades dirigentes de museus e palácios tutelados pelo Ministério da Cultura.
O documento “Museus para o Século XXI” está estruturado em seis Eixos Estratégicos que incluem o Reenquadramento do sistema de gestão e Inovação de modelos de gestão para os museus e palácios do Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) do Ministério da Cultura, tendo como desígnio a implementação de boas práticas de gestão, inovadoras, como importante instrumento para o desenvolvimento cultural dos portugueses e para a atractividade turística do país."
O documento anunciado e os seus seis eixos estratégicos visam em especial a revisão dos modelos de gestão dos museus e palácios, permitindo desconcentrar a rede de museus tutelados pelo IMC, com a afectação de algumas unidades de dimensão local às autarquias e às direcções regionais de cultura, bem como a adopção de processos gestionários modernos e participados, em tempos que continuarão a ser de grande penúria orçamental. É o que já ficara sugerido na intervenção da ministra referida acima:
"Haverá que continuar algum trabalho já iniciado na anterior legislatura, no sentido de romper com modelos obsoletos de gestão patrimonial, no quadro de um sistema de interacção entre os diversos organismos, e pela abertura a novas formas de contratualização e co-responsabilização.
Desde logo, afirmo a intenção do Ministério da Cultura de estabilizar, entre os serviços que referi (IMC, IGESPAR e DRC`s), um sistema de monitorização e avaliação do estado de conservação dos imóveis classificados do Estado, afectos ao Ministério, fundamental para o conhecimento e para a intervenção rigorosa e eficaz.
Numa lógica complementar a este sistema de informação, é fundamental avançar para a criação de um Observatório do Património, que funcionará como um centro de estudo, de inovação, de experimentação de técnicas de intervenção e como centro de monitorização do património cultural.
Em referência às competências específicas do IMC, é incontornável a reavaliação dos modelos de gestão dos museus e palácios, tendo em vista o redimensionamento da rede de museus tutelados pelo IMC, com a afectação de algumas unidades museológicas de dimensão local às autarquias, e às direcções regionais de cultura.
Também se impõe como medida de reflexão e planeamento a elaboração de um Plano Estratégico para os Museus e Palácios Nacionais, que permita uma melhor eficácia no cumprimento dos seus objectivos, uma maior autonomia e uma mais capaz intervenção social junto dos seus públicos.
A gestão dos museus nacionais exige perfis consentâneos com o tempo em que vivemos, aliando o conhecimento científico à prática de modelos gestionários modernos e participados.
O Museu de Arte Popular poderá ser um estimulante ensaio de modernidade na gestão." (Gabriela Canavilhas, 6 de Janeiro. Na integra em www.portaldacultura.gov.pt)
Não foi um discurso mediático (ou facilmente mediatizável) o que proferiu a ministra, e daí certamente a sua exígua divulgação. Terá sido certamente um discurso para o interior do MC, no contexto de uma extensa renovação de dirigentes. E se as vésperas do debate do Orçamento, e deste em especial, não são tempos que favoreçam as promessas, a opção parece ser mais a de assegurar as condições de funcionamento do que já existe no terreno, de avaliar as suas condições de eficácia e de rever articulações deficientes entre administrações e estruturas. Pode ser isso o que se sugere quanto à intervenção das Direcções Regionais de Cultura na sua relação com as autarquias e os agentes culturais, e à missão pouco conhecida da Inspecção-Geral das Actividades Culturais, que tem competências internas em matéria de auditoria técnica e responsabilidades como parceiro dos agentes culturais. É aliás o tema da avaliação das estratégias e da respectiva eficácia que se destaca nas referências ao ICA (Cinema e Audiovisual) e à DGArtes.
À distância dos discursos tecnocráticos em vigor sobre a revolução das indústrias culturais e o sector cultural e criativo, que devem ter como intérpretes principais outros responsáveis políticos (os da Economia, Emprego, Turismo, etc), assegurando a diversidade dos lugares, a ministra afirmou uma outra leitura da originalidade específica da missão do MC: "A principal missão do Ministério da Cultura é afirmar a Cultura como factor distintivo da construção da cidadania e como o meio mais eficaz para o desenvolvimento social, para a evolução das mentalidades e para a consolidação da consciência cívica dos cidadãos. Todos os factores que constituem a sua linha de actuação – a preservação da memória histórica e patrimonial, a renovação contínua da criação, o respeito pelos valores éticos, a aquisição e transmissão de saber, em suma, o conhecimento e a capacidade criativa – confluem para este objectivo último: fazer de todos nós portugueses pessoas melhores, cidadãos mais esclarecidos e passo a passo, gerações mais qualificadas e mais capazes de ultrapassarem os desafios do futuro." Não é uma pista de abordagem fácil, mas tem o mérito de procurar o que resiste à caducidade rápida das fórmulas da política cultural: a democratização da cultura, o "elitismo para todos" (?), o desenvolvimento cultural, etc.
Herdando um Programa de Governo de grande indefinição instrumental nesta área, a ministra disse: "as linhas estratégicas delineadas pelo Governo para a área da Cultura passam pela afirmação do seu carácter transversal e identitário nas políticas de desenvolvimento sócio-económico do país, através da promoção de redes com parceiros (formais ou informais) da sociedade civil, com a administração local e com actores não governamentais. Queremos um Ministério da Cultura à medida deste novo século, mais aberto, mais interactivo, e mais projectado para o futuro e para a qualidade de vida dos cidadãos. Num mundo globalizado é a cultura que irá oferecer a sustentabilidade necessária ao desenvolvimento futuro do nosso país." A referência ao carácter "identitário" não significará aqui uma orientação nacionalista ou regional, e pode ter antes o sentido de sustentabilidade ou de solidez estrutural da evolução, contrariando rotações de modas teóricas.
Pode talvez ser essa a interpretação a dar a outro passo significativo do discurso, que faz uma importante extensão do interesse pela defesa do património ("é fundamental avançar para a criação de um Observatório do Património, que funcionará como um centro de estudo, de inovação, de experimentação de técnicas de intervenção e como centro de monitorização do património cultural") aos terrenos do património imaterial: "Será também enfatizada a prioridade da recolha, tratamento e divulgação do Património Imaterial Português. Este património imaterial, transmitido de geração em geração, é constantemente recriado pelas comunidades, na sua interacção com a natureza e a história, incutido de um sentimento de identidade e de continuidade, principal gerador da diversidade cultural e profundamente interdependente com o património cultural material e natural. Entendo esta matéria como uma das mais importantes entre os desafios que se colocam à cultura no século XXI, pois é a expressão da identidade de um povo no que ele tem de mais autêntico e espontâneo – e que, de uma forma ou doutra, todas as outras formas de expressão patrimonial lhe são subsidiárias." ( E aí a insistência na "identidade de um povo no que ele tem de mais autêntico e espontâneo" é uma ideia que se presta a largo debate... O mais relevante é que a atenção ao património imaterial não é uma mera construção ideológica destituída de impacto material e económico.)
Se é cedo para identificar consistentes modificações de estratégias políticas no MC, a renovação de titulares de cargos tem tido uma dimensão inédita, o que deve ser visto como um indicador positivo da existência de propósitos de reforma. As continuidades das equipas em diferentes situações de direcção política ou partidária tem significado inoperância e clientelismo burocráticos. E neste contexto é particularmente notória a mudança de direcção no GPEARI, Gabinete de Planeamento, Estratégia, Avaliação e Relações Internacionais do Ministério da Cultura (ex-GRI, Gabinete de Relações Internacionais).
E que dizer, para além da declaração de intenções, do insólito facto consumado que é a não recondução de Paulo Henriques na direcção do MNAA? E que dizer das declarações de Elisio Summaville sobre o perfil de Paulo Henriques?
A mim não me parece bom augúrio em vésperas da apresentação de um plano estratégico.
Posted by: Roteia. | 01/19/2010 at 23:28
Já encontrei as declarações de Elísio Summavielle, que não conhecia (Google..., Antena 1, 23h01; TSF, 20h34), e parecem-me precisas e claras: a substituição tem a ver com opções estratégicas - e para isso é que há governo. Não entendo o que haja de "insólito" no caso, mas tenho, de facto, andado um pouco afastado da casa. ("O cargo de director do MNAA está equiparado ao lugar de Subdirector geral, pelo que, de acordo com a legislação vigente, os cargos de directores gerais e de subdirectores gerais cessam automaticamente com a tomada de posse de um novo Governo, colocando-se então dois cenários possíveis: a recondução ou a não recondução no cargo." - informação disponível no "Portal da Cultura")
Espero agora, com inquietação, que o substituto seja credível e defensável, ou só que sustente uma curiosa expectativa, e também que a questão das pessoas (sejam elas quais forem) não desvie a chamada comunicação social do que aqui importa: os planos para "Museus para o Século XXI". Aliás, ainda a propósito de directores, já me tinha preocupado com a demissão voluntária do Joaquim Caetano, e, afinal, os motivos pessoais invocados eram inteiramente legítimos.
Posted by: AP | 01/20/2010 at 00:01
Insólito, não por questões de legalidade (reconduzir ou não reconduzir) mas por questões de legitimidade política. Porque considero que nos últimos três anos Paulo Henriques desenvolveu um trabalho notável em condições particularmente difíceis. Basta visitar as salas do renovado MNAA e verificar quão longe estamos das "opções" museológicas de Dalila Rodrigues. Além disso sabemos que um cargo como este não pode estar sujeito a ciclos políticos de quatro anos, nem a decisões da tutela escudadas num plano estratégico, a menos que haja motivos bem fortes que descredibilizem a pessoa do director em questão ou a sua capacidade de resposta/concordância face ao referido plano.
Também penso que lançar um plano estratégico para os museus é um acto de governação e que esse plano faz falta. Também penso que é acertada a escolha do Museu de Arte Popular para apresentar esse plano. Mas não compreendo que um director com a visão e a competência de Paulo Henriques não possa concluir o bom trabalho que já iniciou.
Posted by: Roteia. | 01/20/2010 at 00:58
Já nos disseram que não há "motivos bem fortes que descredibilizem a pessoa do director em questão". Porquê inventar esse espantalho, se as explicações foram prestadas na hora e parecem ser correctas, preservando a competência e a honorabilidade do anterior director? A legalidade e a legitimidade política estão aqui do mesmo lado - para quê tentar separá-las invocando razões de gosto? Eu direi que gostava das salas da DR e do José Alberto Seabra Carvalho e que não gostei das salas do PH, mas não é disso que agora se trata. Parece que desta vez não há "caso", felizmente para todos. Mas obrigado pela colaboração dialogada.
Posted by: AP | 01/20/2010 at 01:41