Mais coisa menos coisa as exposições vão sendo iguais umas às outras, substituem-se sem novidade ou diferença de maior, visitam-se e esquecem-se, todas com muitas estrelas de quem assim mãos largas justifica o seu papel social, avalizando a produção escolar que anualmente se vai substituindo e permite às instituições fazer colecções baratas - e descartáveis. Outras há mais singulares, mais inesperadas ou estranhas, vistas daqui, onde o gosto e a informação são demasiado preguiçosos, e faltam então as chaves para despachar a opinião, a notícia ou a crítica. São essas que podem valer a pena, deixadas quase ocultas, por abrirem a outros horizontes, por impedirem a autocomplacência, o auto-reconhecimento satisfeito, de quem só se interessa pelo que já viu antes.
Zangan (2000) de Cyprien Tokoudagba, n. 1939, pintor do Benin que a Culturgest apresentara nos "Encontros Africanos", em 1995, numa 1ª aproximação colectiva à Àfrica contemporânea não lusófona
À esquerda, "Bom Samaritano" (auto-retrato), 2005, de Almighty God, um pintor popular do Gana (n. 1950), e 'Abstract I' 2007, de Esther Mahlangu (n.1935), África do Sul. Tokoudagba e E. Mahlangu são duas "descobertas" dos "Magiciens de la Terre" (Paris, 1989)
Espanta-me o silêncio (mas não folheio tudo, pelo contrário) em torno de uma exposição por aqui inédita, iniciativa de uma galeria com um projecto e um trajecto singulares, onde se propõe como desafio uma daquelas questões que por aqui se diz que "já" não se fazem, para não desarrumar a ordem assente. "Existe uma 'arte africana contemporânea?'" não é uma pergunta ociosa (e quem o diz acha que a resposta é não, mas não acha bem dizê-lo), porque ela significa desde logo outra coisa mais fácil e imediata: sim, existe em Lisboa uma galeria de arte que propõe uma pergunta diferente e que expõe a respectiva resposta. A galeria, a Influx Contemporary, comemora o 1º ano de actividade nas instalações que ocupa e também o 1º ano do projecto que veio substituir-se a uma anterior galeria que existiu na Rua da Rosa com o nome African Contemporary Gallery - e que aliás continua na net com esse http://www.africancontemporary.com/.
No título acrescentou-se "África 2.0" e explica-se que 2.0 vem da informática e se usa agora como sinónimo de evolução: algo que evoluiu a partir de uma versão anterior (1.0). É que por arte africana se entendem (desentendem) os objectos ditos tradicionais a que se chama arte primitiva ou tribal, "negra", associada a rituais e de circulação antiquária. Mas muito foi mudando entretanto, desde meados dos anos 50 (buscava-se sobre renovados suportes a espontaneidade primitivista, afro-germânico-expressionista?), e teve novas circulações e visibilidades desde há pouco mais de 20 anos, depois dos "Magiciens" de Jean-Hubert Martin, onde se juntaram "magos" e exotismos do terceiro e do primeiro, ocidentais e não, numa decisiva mutação da ordem das coisas modernas. As mostras da Colecção Jean Pigozzi - CAAC (com André Magnin - 100 % Africa, por exemplo ) continuaram a procura dos artistas de África menos dependentes da escolaridade e do modernismo ocidentais, em geral autodidactas ou formados por tradições locais ou, em especial, construtores de novas tradições, singulares e/ou marginais às normas dos estilos modernistas - mas também dos novos "estilos africanos" prontos a academizarem-se localmente, etc. Grande parte dos artistas apresentados pela Influx passaram por essa promoção Pigozzi/Magnin, como Chéri Samba e Chéri Cherin, Moke, Bodu Pambu, pintores do Congo, os já atrás ilustrados Tokoudagba e E. Mahlangu, e Richard Onyango do Quénia, George Lilanga da Tanzânia.
Da esq. para a direita, George "Afedzi" Hughes, Gana/EUA (n. 1962), que há um ano inaugurou a gal.; semi-escondido, um registo vídeo de LucFosther Diop, dos Camarões/Dakar-Senegal (n. 1980); pintura de Soly Cissé, do Senegal (n. 1969), que a Arte Periférica já expôs em 2005 (por ocasião do Lisboa-Dakar); em baixo, Jorge Dias, de Moçambique (n. 1972), e por fim Franck Lundangi (n. 1958), Angola/França.
À pista Pigozzi,um trânsito pioneiro que tem sustentado uma importante circulação internacional de artistas que continuam a residir em África, acrescenta-se nesta selecção a referência "Africa Remix", grande exp. itinerante de 2004 a 2007, onde estiveram Owusu-Ankomah (Gana/Alemanha, n. 1956), Cissé e Lundangi, além de Cherin, Samba, Onyango e Tokoudagba. Já mais recente, 2008, a "Angaza Africa - African Art Now", Londres, incluiu o mesmo Owusu-Ankomah e também Jorge Dias, que expôs em Lagos-Algarve também em 2005 e foi um dos animadores do Muvart que veio à Arte Lisboa de 2008.
Chéri Samba 'Bana Moziki' 1996 (o pintor ele mesmo com as elegantes congolesas)
'DNA I' , 2008, de Jorge Dias (capulana, animais de arame do artesanato de Maputo, etc)
O panorama é qualificado e também diverso: há uma arte africana contemporânea e há até várias, com uma "escola" local, no caso dos pintores populares do Congo, e outros artistas que se podem "explicar" como idiossincráticos e ligados a linguagens tradicionais-locais, enquanto outros casos ainda são já de promoções escolarizadas e "cosmopolitas", com actualizada informação internacional, nos casos de Jorge Dias (formado como escultor no Brasil), da fotógrafa Mourad Gharrach, da Tunísia (n. 1982) - Paris Photo 2009, "African Women" NY 2010, aqui com um trabalho tão discreto como desafiador -, dos vídeos de LucFosther Diop. Muitas Áfricas
Lilanga, "Shetani's" , madeira pintada, 2002
Mourad Gharrach, 'Femme Mauresque II' 2008 - tríptico
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ÁFRICA 2.0 > existe uma ‘arte africana contemporânea'?
30 Janeiro > 27 Março 2010 ---------- Qua > Sáb | 14 h > 19 h
pintura, escultura, fotografia, vídeo e instalação
George ‘Afedzi’ Hughes | Almighty God | Owusu-Ankomah | Bodo Pambu | Chéri Cherin | Soly Cissé | Jorge Dias | Mourad Gharrach | Kakudji | George Lilanga | Franck Lundangi | LucFosther Diop | Esther Mahlangu | Misheck Masamvu | Moke | Cyprien Tokoudagba | Dominique Zinkpé
INFLUX CONTEMPORARY ART
Rua Fernando Vaz, 20 B (Alam. Linhas de Torres / Hosp. Pulido Valente
1750-108 Lisboa
+ 351 91 850 1234
www.influxcontemporary.com
ver aqui a "categoria" Influx
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