É sintomático que se erga uma barragem à apreciação da obra de Joana Vasconcelos interpondo a respectiva notoriedade como questão prévia. A circulação, a projecção mediática, os valores pagos pelas obras, a dinâmica da consagração, são usados, no caso da Joana, como tema obrigatório a debater, confrontando alegadas opiniões divergentes - e em parte anónimas (invocam-se vagamente opiniões hostis). É uma rasteira que é difícil evitar, tanto por ela (no caso da entrevista na Time Out) como por quem segue com apreço o seu trabalho (e é o meu caso, que resolvi não me furtar ao tema, e a ele volto).
A mediania é bem vista e protegida, porque coloca os escreventes e os leitores numa prateleira acima, lugar de benevolência ou favor (é uma inversão de posições: o artista é quem deve). A banalidade ou mesmo a mediocridade são toleradas com complacência, em especial se aparecem tuteladas pelo poder fáctico de algum director ou comissário empreendedor. Nesses casos, o suposto êxito, em que não se crê e também não importa contestar, inclui os assistentes numa roda de cumplicidades, em que todos se reconhecem próximos. E em geral (quase sempre; com raríssimas excepções) nada se passa senão uma fugaz notoriedade, voltando-se à rotina dos destinos perdidos. Tomando-se o estrelato internacional como ambição e modelo provincianos, diz-se depois que o país não sustenta tais carreiras, e a ordem refaz-se.
De facto, há admiráveis artistas secretos (antes de serem reconhecidos, ou à margem dos padrões habituais de reconhecimento, sejam oficiais ou anti-oficiais). Há notáveis artistas discretos. E há grandes artistas sobremediatizados (como Picasso, para dar um exemplo). Ou também artistas mediáticos, populares e reconhecidos que pouco importam - me importam. Por aí se farão apenas abordagens sociológicas, não sobre as obras, mas sobre os mecanismos da circulação, da mediatização e da consagração.
No caso da entrevista da Time Out - com um título manifestamente desajustado (sucata?, junk art?, ou o seu contrário?) -, a aproximação à artista faz-se desde uma posição de aparentemente ingénua surpresa por ela chegar tão nova ao espaço do Museu, e a Joana lá vai cedendo a tal abordagem, que além de escamotear a obra para a substituir por preços de leilão, tem por base alguns erros. Há vários anos que os muito jovens artistas se expõem nos museus (museus "laboratórios", diz-se), envolvidos na lógica das descobertas e das promoções, quando não das cumplicidades galerísticas ou coleccionistas. Estão em jogo notoriedades de directores e não de artistas, baixos custos de produção ou aquisição, e outra razões menos dignas. Há vários anos que a individual de museu vem articular-se com a sequência das exposições de galeria, variando apenas o lugar onde, não a importância do trabalho. Há vários anos também que museus se esvaziam para apresentar antologias de artistas de ainda muito escassa ou pouco relevante obra - por exemplo de artistas ditos da geração da J.V. ou muito próxima (e agora confunde-se geração com promoção, e com mais ou menos cinco anos já se fala por facilidade em geração). Por exemplo nos casos de João Onofre ou Alexandre Estrela no Museu do Chiado. Não vi manifestações de surpresa à época, e seriam acertadas. São, como se observa, pequenos estranhos casos que passam ser ficar na memória.
O que causa escândalo é o facto óbvio de a imprensa ou a crítica ter de acompanhar a notoriedade alcançada por um(a) artista sem poder julgar que a fabrica ou "promove". O que surpreende é que se tenha a ambição de que uma obra, um trabalho, uma carreira ocupem o espaço público com obras de escala pública, ou urbana, ou ganhem uma ampla visibilidade social, quando esse espaço, essa escala, essa visibilidade são condições de eficácia das obras, ou determinam as condições da sua encomenda e produção. Os mecanismos de protecção da mediocridade ambiente são contagiosos.
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