ARQUIVO EXPRESSO Actual 11 Março 2000
«(Os) 4 na encruzilhada»
«1900 – Art at the Crossroad», Royal Academy
Quatro artistas portugueses estão representados na exposição «1900 – Art at the Crossroad», actualmente exibida pela Royal Academy de Londres (até 3 de Abril). São eles António Carneiro (1872-1930), com o tríptico A Vida: Esperança, Amor, Saudade, de 1989-1901, pertencente à Fundação Cupertino de Miranda, de Vila Nova de Famalicão; Aurélia de Souza (1866-1922), com o seu justamente famoso auto-retrato de cerca de 1900, do Museu Soares dos Reis; Columbano Bordalo Pinheiro (1857-1929), com A Chávena de Chá, de 1898, e Luciano Freire (1864-1935), com Perfume dos Campos, de 1899, estas duas últimas obras cedidas pelo Museu do Chiado.
Luciano Freire (1864-1935), Perfume
dos Campos, 1899, do Museu
do Chiado
A mostra é mais uma das iniciativas que em todo o mundo (excepto em Portugal...) assinalam a viragem do século e foi organizada, sob a direcção de Norman Rosenthal, Ann Dummas, Robert Rosenblum MaryAnne Stevens, em colaboração com o Museu Guggenheim de Nova Iorque, onde será exibida entre 18 de Maio e 13 de Setembro. Debruça-se sobre a situação das artes visuais há cem anos atrás e observa a data como um momento particularmento vivo de encruzilhada de gerações, tendências e escolas nacionais, tomando por referência principal a gigantesca mostra de arte contemporânea internacional que fez parte da Exposição Universal de 1900, em Paris. Através de um panorama de perto de 300 obras (eram 5000 as que integraram a «Exposition Décennale», representando toda a década de 1890), a mostra da Royal Academy propõe ao espectador um olhar liberto dos juízos de valor formulados pelo século XX, numa perspectiva que se pretende «radical e inovadora», contrária à «convenção de uma história da arte moderna única e linear» - diz o prefácio do catálogo.
Ao procurar restabelecer um panorama plural da arte que era então vista pelas audiências contemporâneas, a mostra integra os nomes que hoje são famosos no seu contexto académico, tradicional ou experimental do tempo, pondo em confronto os representantes da arte oficial da época - Bouguereau, Lenbach, Leighton, etc – com os artistas que tinham sido os agitadores modernos e já eram então velhos mestres, como Monet, Degas, Cézanne ou Whistler, e também com os princípios das carreiras de outros que iriam marcar o séc. XX, como Picasso, Matisse, Klint, Kupka, Mondrian, Balla ou Kandinsky. Mas o panorama geral é de facto muito mais complexo e diversificado, uma vez que se proporciona a reapreciação de obras de muitos artistas que ficaram esquecidos ou são apenas referenciados nas histórias dos respectivos países, apesar de em muitos casos terem sido dos nomes mais celebrados por ocasião da viragem do século.
Entre estas contam-se os espanhóis Santiago Rusiñol, Joaquín Sorolla e Ignacio Zuloaga, o italiano Giovanni Boldini, o sueco Anders Zorn, o dinamarquês Vilhelm Hammershoi, o russo Ilya Repin, os secessionistas alemães Lovis Corinth e Max Libermann, o suiço Ferdinand Hodler ou o holandês Jan Toorop e muitos outros. Sem poderem ser classificados como pintores académicos, embora viessem a ficar à margem das rupturas vanguardistas que se iniciam com o escândalo dos «Fauves» em 1905, faziam parte de um universo burguês que a Primeira Guerra viria a pôr em causa, mas que era também a expressão da modernidade e das inquietações do tempo. Em linhas gerais, a decadência «kitsch» do academismo convivia então com a importância dos simbolismos e com um naturalismo pós-impressionista que se afirmara como um estilo internacional, para além da existência de fortes contextos regionais na Bélgica e na Holanda, por exemplo.Organizada em treze galerias, a mostra dedica duas salas a obras que estiveram expostas na Exposição Universal, sintetizando a diversidade dos países, dos estilos e dos temas presentes; as outras galerias reunem obras datadas de 1897 a 1903, por vezes também expostas na «Décennale», agrupadas em núcleos temáticos: «Banhistas e nus», «Homem-mulher» (a mulher fatal e outras fantasias ou ansiedades sexuais), «Retratos», «Cenas Sociais»,«Interiores e naturezas-mortas», «A Cidade», «Paisagem», «Cenas Rurais», «Religião», «Trípticos» e «Auto-retratos».
Entretanto, é interessante observar que às obras portuguesas seleccionadas é atribuída uma efectiva importância na montagem e nos textos do catálogo introdutórios a cada secção. A Vida de António Carneiro, apontada como o emblema máximo do simbolismo português, influenciado por Puvis de Chavannes e por Edvard Munch, representa a secção dedicada aos trípticos na página da Royal Academy na Internet (www.royalacademy.org.uk) e está em destaque na respectiva galeria. A pintura de Aurélia de Souza situa-se na área dos auto-retratos, nos quais se reflecte, segundo os comissários, um profundo sentido instrospectivo que teve outras expressões contemporâneas na escrita de Proust e na investigação de Freud – é sublinhado o carácter visionário do seu olhar hipnótico que parece fixado na observação de algo para lá do mundo.
Particularmente curioso é o caso da obra de Luciano Freire, que não poderá considerar-se uma pintura notável. Situada na galeria «Social Scenes», é valorizado o facto de ser uma profética denúncia dos perigos poluição industrial, uma vez que a ninfa representada, reminescente de um cartaz de publicidade a um champagne desenhado por Jules Cheret, parece flutuar numa estratosfera cristalina sobre a floresta das chaminés fumarentas de uma cidade.
Columbano é exposto na secção dedicada aos Interiores e Naturezas-mortas, figurando no catálogo entre reproduções de Bonnard, Redon e Vuillard. A sua Chávena de Chá, fora exposta na Exposição Universal de Paris e voltou a ser exibida no Salon de 1901, também em Paris, tendo figurado também na exposição que o pintor realizou em 1913 na Galeria Georges Petit. A selecção das obras portuguesas, que raramente têm tido lugar em mostras históricas internacionais, foi da responsabilidade dos comissários da exposição, depois de receberem documentação sobre a arte nacional, graças a um contacto feito em 1996 com Raquel Henriques da Silva, então directora do Museu do Chiado.
Na mostra da Exposição Universal tinham participado 50 artistas portugueses com 161 obras, sendo 38 pintores e 12 escultores. Entre eles contam-se os nomes de Alfredo Keil, António Carneiro (que então expôs um estudo para o painel «Amor» e recebeu uma 3ª medalha), Columbano (distiguido com uma medalha de ouro e a Legião de Honra), João Vaz, José de Brito (3ª medalha), José Malhoa (2ª medalha), Sousa Pinto, o rei D. Carlos (medalha de prata), Veloso Salgado (que recebeu uma primeira medalha pelo seu monumental Vasco da Gama diante do Samorim, pintura de história como se ía deixando de fazer), o escultor Teixeira Lopes («Grand Prix» e Legião de Honra) – seguindo informações incluidas no catálogo «Soleil et Ombres», exposição da arte portuguesa do séc. XIX levada a efeito no Petit Palais, em 1987, com direcção de José-Augusto França. Da Exposição Universal de 1900 fez igualmente parte uma retrospectiva sobre o passado da arte francesa que ocupou todo o Petit Palais, enquanto no Grand Palais se concentrava um outro panorama nacional sobre o período 1800-1889, a «Centennale», e também a mostra da arte contemporânea internacional, de 1890 a 1899 (a «Décennale»), onde estiveram representados 29 países.
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