A Galeria António Prates inaugura hoje, 5 de Março, pelas 22 horas, uma exposição de Clara Martins. A exposição contará com cerca de 20 pinturas, além de uma instalação de grande escala intitulada “Heads Full of Sand” (Cabeças Cheias de Areia).
'Mihanovichi ', pastel de óleo, tinta da china e acrílico s/ papel s/ tela, 140 x 115 cm, 2009
"Don't sit on me", 86 x 300 x 230 cm, 2001
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(ARQUIVO) Expresso Cartaz 21/7/200, pág.
"Flores carnívoras"A surpresa de uma jovem artista a encerrar a temporada
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Abriram-se para a ocasião duas salas habitualmente não utilizadas, que quase devolvem à galeria a sua anterior condição de espaço doméstico (por sinal, situado em plena Madragoa). Num desses quartos, com janela para a rua, mora um enorme polvo colorido que deve ter começado por ser um «pouf» (Don't Sit on Me), mas repousa agora inclinado porque lhe nasceram várias pernas terminadas em corolas de flores. A outra divisão ficou parecida com uma verdadeira sala de estar (Lounge), com o seu sofá instalado sobre um tapete vermelho, diante de uma parede com três pequenos quadros (caricaturas de quadros, com colagens e bordados) e um frondoso «abat-jour».
Não são «ready mades». Olhando mais de perto, notar-se-á que algumas das flores do tecido do sofá foram repintadas com centenas de pequenos alfinetes de cabeças de cor ou recobertas por vernizes coloridos, e o tecido do candeeiro deixou entreaberta, mal cosida, uma fenda oblonga. Os pormenores são sempre essenciais. A exposição de Clara Martins percorre-se, nesses espaços, pelo menos, como quem penetra na casa de alguém, num «lar» («Home Beautiful» é o título), por entre objectos de decoração de gosto kitsch e insólitas criações domésticas que parecem reinventar tradicionais práticas de lavores femininos, com que se reciclam sobras de tecidos e confidenciam sonhos pessoais. Essa aparência de intimidade adocicada, mas afinal ácida, alimentada ostensivamente por um gosto popular urbano e actual que costuma designar-se por pequeno-burguês (um gosto pop, mas de um pop pós-punk), prolonga-se noutras obras que ocupam a galeria como instalações e peças escultóricas de parede.
"Medusas", pormenor da instalação, 2001
As Medusas elevam-se sobre folhos rodados de lã verde, feitas de um tecido plástico branco, entretela esponjosa, que se usa para reforçar forros de vestuário (dracalon), e terminam em bocas carnudas, vermelhas, claramente sexuais, como flores carnívoras de expectantes ou mesmo ávidos apetites. Sweet Curtain pode descrever-se como uma espécie de paisagem de parede, com uma prateleira elevada de plástico que se povoou com uma quase microscópica floresta de flores-alfinetes e da qual pendem raízes acolchoadas ou filamentos brancos de anémonas do mar, que terminam em mais flores de um mesmo vermelho berrante. Noutra variante dessa «cortina doce», Yummy Curtain, as flores pendentes são recortadas em plástico preto e não disfarçam excessivamente a sugestão erótica das suas formas abertas, simétricas, semeadas de estames-alfinetes e coloridas com manchas de «spray». É uma «doçura amarga» (como diz a artista num breve e muito lúcido texto de auto-apresentação no catálogo) que circula por essas peças falsamente decorativas e ingénuas, prestes a desprenderem-se da sua aparência bem comportada para fazer explodir uma oculta e mais visceral agressividade. Mas é nessa tensão entre o amargo e o doce, entre o que se esconde e entreabre que reside a invenção de Clara Martins.
Não podem descrever-se (e muito menos definir-se numa fórmula) todas as outras obras expostas, embora se devam ainda citar uma sequência de sete pequenos quadros-caixas, ocupados por uma história de ambíguos animais-plantas (You Get the Answer Walking the Dog); as esculturas-bonecos de parede, recortadas em plástico, almofadadas e pintadas, de formas indefiníveis mas sempre com sugestões florais e orgânicas, individualmente expostas ou dispostas como corações; o espaço volumétrico e impenetrável criado por campânulas (lanternas, corações) de plástico transparente ou pintado, pendentes de fios desde o tecto (Walk Through the Garden so the Tulips Can See). As mesmas alusões eróticas circulam de obra em obra, muito diversas nas suas soluções formais mas construindo a coerência de um discurso íntimo e inédito. Uma das características mais fortes deste trabalho é, aliás, o domínio total que se reconhece existir da concepção global da exposição-instalação até aos pormenores que lentamente se apercebem na observação detalhada de cada obra, passando pelo recurso a materiais correntes e imprevistos (os plásticos e espumas desviados do seu uso utilitário).
Clara Martins nasceu em Moçambique em 1973 e emigrou muito cedo para a Austrália; formou-se em «Fine Arts» (pintura) na Universidade de New South Wales, Sidney e, actualmente, trabalha e expõe entre Portugal e os antípodas. Depois de uma participação que surgiu como uma surpresa forte na última feira da FIL, a primeira individual lisboeta é a confirmação plena dessa descoberta e um feliz fecho de temporada.
Clara Martins, Gal. António Prates, Lisboa
07/07/2001
Foi uma descoberta feliz na última feira de Lisboa e a surpresa amplia-se agora nesta primeira individual portuguesa de uma artista nascida em Lourenço Marques em 1973, com formação na Austrália. «Home Beautiful» reúne e instala objectos reinventados, entre práticas de lavores, decorações domésticas, discursos íntimos: são esculturas sensuais feitas de sobras de tecido, papéis de cor e plásticos, que proliferam como festivas flores de carne. Com a vizinhança das mostras actuais de Fátima Mendonça e Ema M. pode voltar-se a tentar equacionar, sempre sem êxito, as qualidades da criação no feminino, também com a próxima ajuda preciosa de Paula Rego. (Até 25)
Olá,
Não conhecia a obra de Clara Martins, que sem dúvida será uma grande artista da atualidade.
Como acompanho (e faço) mais pinturas do que instalações, me afixei na primeira imagem "Mihanovichi".
Me lembrou uma mistura de estilos muito interessante, "A Dança" de Matisse, as formas de Beatriz Milhazes, além de texturas e uma pitada de influência de Pop Art.
Uma bela mistura com excelente resultado. Parabéns!
A única ressalva é que por enquanto a exposição não está no Brasil. Mas quem sabe em breve...
Abs,
QUIM Alcantara
Artista Plastico, Designer
http://QUIM.com.br
Posted by: Account Deleted | 03/11/2010 at 19:09