A História de Portugal coordenada por Rui Ramos é eloquente quanto às lutas de tendências e de pessoas no interior do regime de Salazar, que em geral se considera autoritariamente uniforme. Mas é significativo que mesmo no quadro oficial da Exposição de 1940 os campos se degladiem tão à superfície, opondo os espaços temáticos de Belém. Henrique Galvão voltou a ter a exposição colonial, como em 1934, organizou os cortejos históricos, e não se coibiu de atacar a aliança entre arte popular e arte moderna que o SPN punha em prática.
A Secção Colonial contra o Centro Regional, Henrique Galvão contra António Ferro, o director da Emissora Nacional contra o Secretário da Propaganda Nacional.
parte do Prefácio de Henrique Galvão no roteiro da Secção que dirigiu:
"(...) Parecia-nos do maior interesse fazer escola de Arte Colonial Portuguesa - a primeira nos últimos cem anos - não com o título de resolver esse magno problema, mas com o desejo sincero de animar o interesse que ela pode e deve suscitar.
A arte em Portugal não tem cunho nacionalista - esse cunho que podia e devia ser a razão da sua originalidade. Encontra apenas, aqui ou acolá, o amparo e o esforço de um ou outro artista cujo espírito criador pretende reagir contra o seu internacionalismo - ou antes: contra a sua falta de expressão definida. Escreve-se à francesa, pinta-se à espanhola, constrói-se à americana - mas nem na forma nem nos motivos isto é: nem na técnica nem na inspiração, os artistas são portugueses.
A própria Arte Popular está sendo explorada - é o termo - de forma tão atrabiliária, através das chamadas estilizações, que o povo deixará de ser o seu cultor e aos artistas acabará por perguntar-se se terá valido realmente a pena estarem no alto de vinte séculos de civilização para serem pouco mais do que primários. Quer dizer: esta arte que é adorável nas baixas camadas do povo artista - não tem nível quando os artistas em quasi concorrência com o povo, a vão explorar.
E esta exploração bem pode ser tomada à conta de incapacidade criadora. Ora, não vemos nem compreendemos uma arte portuguesa sem inspiração ultramarina sem a intervenção das colónias. É Além-Mar que os nossos artistas hão-de encontrar os traços nacionalistas da sua arte e o cunho marcado da sua originalidade - porque da fisionomia da Nação fazem parte os elementos fundamentais da sua grandeza.
Infelizmente, as nossas colónias não têm sido visitadas por artistas. Apontam-se um Jorge Barradas, pintando durante algumas semanas em S. Tomé e demonstrando depois - através das suas obras - que não lhe chegou o tempo de que dispôs para ver e sentir a ilha - e um Fausto Sampaio, cuja dedicação e sacrifício pessoal nos está dando o primeiro e grande valioso documentário artístico do Império.
E desta forma se tomou a resolução de cultivar entre os artistas da Secção Colonial o agrado pelos motivos de Arte Colonial Portuguesa e de formar um princípio de Escola que bem pode ser também uma escola de Arte Nacionalista.
Como foram realizadas estas ideias o público o dirá. O realizador procurou dar-lhes a maior e mais extensa projecção prática julgando que assim servia superiormente os interesses da Nação.
HENRIQUE GALVÃO
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Galvão, capitão do Exército e escritor, foi presidente da Comissão Administrativa da Emissora Nacional (1935-1941), a seguir inspector superior da Administração Colonial (1941-1949) e deputado (1945-49, depois de um ano isolado em 1935), passaria no início da década de 50 à Oposição, por via dos seus interesses ultramarinos ou coloniais. Não é por acaso que defendia Eduardo Malta (ou Fausto Sampaio) contra Jorge Barradas e os decoradores do SPN, mais as suas "estilizações".
Quadro de Fausto Sampaio, S. Tomé - "Fruta da terra..."
A oposição entre Galvão e Ferro é conhecida, mas razões várias - as cumplicidades oposicionistas e os temas africanos - justificam que este episódio seja praticamente ignorado. O ataque ao modernismo de Ferro é em geral atribuída ao coronel e caricaturista Arnaldo Ressano Garcia, presidente da SNBA e aí conferencista em nome dos "académicos" contra "a pintura avançada", em 1939, mas as razões e a persistência de Henrique Galvão (pelo menos desde 1934), na EN são mais substanciais e também muito mais complexas.
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