Arquivo, Expresso- A propósito da exposição de Serralves (Lourdes Castro e Manuel Zimbro) 1995. 1997. e 2003
MANUEL ZIMBRO, Liv. Assírio & Alvim, 11-03-95
Numa «disposição» de guaches sobre papel sobre mesas-vitrinas, M.Z. mostra «Torrões de terra» que se acompanham com a edição de um pequeno livro, em formato CD, de «notas de um lavrador para encontrar o céu e a terra». Existe aqui, nestas «imagens» e neste exercício escrito de atenção-reflexão sobre a vida, uma atitude de deliberado afastamento dos códigos habituais que regem as práticas da expressão plástica e literária. M.Z. pinta com meticulosa exactidão (?) torrões que pairam na folha branca como num céu, sem suporte nem direcção, e nos quais reconheceremos uma amálgama de terra, rocha, minerais, raízes e incrustrações de metais. «Não se trata — diz — de aprofundar uma observação, mas de estender o espírito até ao que está à frente/ deslocar o 'meu' centro, sem tensão e sem afrouxamento/ sem tirar conclusões». Exercício de atenção e de silêncio que se recusa a ser mais uma «visão 'privada' do mundo» e que deveremos ver sem propósitos de classificação e avaliação para também «estender o espírito até ao que está à frente».
25-03-95
Uma primeira exp. (aliás, disposição) tardia: exercício de imitação — torrões de terra pintados a guache — vivido como atenção e como fazer, como «atenção ao que se faz», e ainda como acto de reflexão que se prolonga na edição de um texto paralelo. Nas margens das práticas regulares da arte, questionando-as com rara eficácia.
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Manuel Zimbro, Porta 33, 29-8-97 (in, "Marcas permanentes" - Marca, Madeira)
«História Secreta da Aviação», acompanhada por um livro com o mesmo título, exibe desenhos a lápis e esculturas «aeromodeladas» (de materiais de aeromodelismo) que dão notável sequência aos «Torrões de Terra», os guaches vistos em 95 na Assírio & Alvim, em Lisboa. Mantendo na aparência da cópia uma radical excentricidade aos códigos da produção corrente («as "delicadezas artísticas", as "poéticas afectações"»), o desenho minucioso das sementes voadoras ou a sua construção em volume torna a atenção silenciosa ao natural um acto de vida, para além da observação e da réplica. É a suspensão do conceito e do sentimento que numa asa da semente do pinheiro sustenta essa outra dimensão da sensibilidade «que liga as mãos-cérebro-coração no nascente acto de fazer, ou de não-fazer», como escreve M. Zimbro.
7-06-2003
Manuel Zimbro, artista e
divulgador do budismo zen, morreu no Funchal em 22 de Maio, vítima de cancro. Nascido em Lisboa em 1944, frequentara a Escola António Arroio e instalou-se em Paris no final dos anos 60. Na década seguinte começou a colaborar nos espectáculos de teatro de sombras de Lourdes Castro, criando novos dispositivos de iluminação e assumindo a co-autoria das obras
As Cinco Estações, 1976-80, e
Linha de Horizonte, 1981-85. Tendo passado a partilhar a vida da artista, foi também autor de diversos textos publicados nos seus catálogos, nomeadamente quando da sua retrospectiva, na Gulbenkian (
Além da Sombra, em 1992) e da recente exposição no Museu de Serralves (
Sombras à Volta de um Centro, 2003).
A respeito da sua actividade como artista, Manuel Zimbro afirmava a prioridade da arte de viver e recusava a ideia de seguir uma carreira, tendo-se limitado a raras aparições públicas. Em 1994 expôs
«Torrões de Terra», minuciosas micropaisagens pintadas a guache, na livraria Assírio & Alvim, e em 1997-98, na Galeria Porta 33 do Funchal e no mesmo local em Lisboa, apresentou
«História Secreta da Aviação», desenhos e objectos escultóricos em madeira realizados a partir da observação de sementes. Os dois projectos foram editados em livro com textos da
sua autoria. Recentemente traduzira o livro
Folhas Caem, um Novo Rebento, de Hôgen Yamahata (Assírio & Alvim), e coordenara com Nuno Faria a edição do volume colectivo
Desenho, da iniciativa da Fundação Carmona e Costa.