Não sei se o património dos nossos museus é tão rico que se tenha justificado manter nas reservas alguns pequenos quadros de Courbet, Boudin, Troyon e Lépine, entre outros, ou se a permanência dos gostos tardo-naturalistas nacionais justificaram que as obras alheias se resguardassem nos depósitos. O certo é que a vinda à superfície dessas e doutras obrinhas desconhecidas ou mesmo inéditas deveria ter tido mais espaço noticioso, se teve algum. Não vi no Ypsilon, que dá muitas páginas a artes, mas mais mundanas e recentes.
A mostra chama-se "Na sombra das colecções. Proveniências Europeias nas Reservas da Casa-Museu" e já abriu há um mês - e continua até Setembro. O cartaz, ou ilustração do desdobrável e das notícias, é um pormenor de uma vista marinha de Eugène Boudin (1824-1898), que foi um dos expositores da 1ª exposição dos impressionistas, em 1874, os quais à partida não se designavam assim e usaram o nome de Sociedade Anónima Cooperativa de Pintores, Escultores, Gravadores, Etc. Stanislas Lépine (1835-1892) é outro pintor representado e também aí expôs, no estúdio do fotógrafo Nadar, entre vários outros cujos nomes não são lembrados. Muitas histórias só retêm o nome de Boudin por essa ocasião, ou no máximo referem a inicial aprendizagem do jovem Claude Monet junto do "modesto Boudin". (John Rewald, p. 55-58, Poche 1965)
Honfleur, 35,5 x 45,7 cm
Na Colecção Gulbenkian figuram três outras pinturas (sobre madeira) de Boudin, três vistas de portos, mas esta é particularmente marcante pela sobreposição dos planos horizontais sucessivos de praia, mar e céu, brevemente interrompidos apenas pelas figuras recortadas e barcos, deixando todo o espaço aberto à agitação da matéria pictural impregnada pela luz, com o dramatismo de um provável céu de tempestade. À observação realista da natureza, trabalhada no lugar, Boudin, acrescentava uma sensibilidade lumínica que se diz pré-impressionista. As suas praias com figuras tinham êxito no Salon, como diz o desdobrável que faz as vezes de catálogo. Uma delas, Trouville, com os veraneantes modernos frente ao mar viera em 2006 ao Museu de Arte Antiga com a Colecção Rau, e deixara boa memória.
Outra obra com importância é de Gustave Courbet, assinada e dita Floresta Fechada, com 46 x 38 cm. Ou atribuída a Courbet, apesar de assinada. Como é habitual, as nossas obras estão em muitos casos pouco certificadas, e quanto a esta o desdobrável refere com prudência um restauro intervencionista e repintes.
É uma vista de Fontainebleau, marcada pelo rendilhado dos efeitos de luz por entre a folhagem e pela aspereza texturada das rochas em primeiro plano, numa paisagem quase sem profundidade.
Outro paisagista formado pela "escola" de Barbizon é Troyon, presente com mais um pequeno quadro que a foto retirada da MatrizPix não representa com visibilidade suficiente. Constant Troyon (1810-1865) comparece aqui em pequena escala como grande animalista, num apontamento de composição rápida e agitada pela própria disposição movimentada do rebanho, cromaticamente sintética e marcada pelo jogo das luzes - já sem a inspiração romântica que se reconhece na obra de maior vulto e mais "acabamento" que o representa na Gulbenkian. Como Boudin foi um pintor de sucesso e também é visto como antecessor de impressionistas.
E há mais coisas a referir, numa interessante pequena mostra.