- Exposição Temporária. Um percurso, dois sentidos: a Colecção do MNAC-MC, da actualidade a 1850 (18.03.2010 - 13.06.2010)
Ainda sobre a montagem da colecção do Museu Chiado (para quê ter-se voltado como com a anterior direcção a usar o antigo nome MNAC, que se abandonara na re-inauguração de 1994, e que é hoje necessariamente errado e inútil?), e sem a pretensão de seguir todo o seu longo itinerário cronológico - sem saber ainda se a subtileza da selecção e seriação das obras se prolonga para o século XIX (ficará para novas visitas). A enfrentar, na continuação da nota de ontem, a imagem do presente que se propõe na sala dos fornos e a respectiva informação de parede (e de desdobrável) que se designou como "Contemporaneidade".
Lamento discordar da Emília Tavares, com quem me tinha reconciliado a propósito das fotografias dos anos 50 que levou para o Museu do Chiado e apresentou no Museu do Neo-Realismo de Vila Franca de Xira (os espólios de Adelino Lyon de Castro e Eduardo Harrington Sena, em especial), mas há vários passos do seu texto* que me não se afiguram certos. A referência à entrada da arte portuguesa na pós-modernidade parece substancializar essa incerta proposta de classificação (tipológica, estilística, cronológica?) que nunca teve lugar fixo: a arte portuguesa tornou-se então pós-moderna, ou só alguns artistas, e quais?
A exposição que cita, "Depois do Modernismo", optando por nomear o coordenador-produtor em detrimento dos seus animadores e teóricos, teve ao contrário do que diz os "efeitos esperados", até porque não foi uma demonstração isolada mas sim um acto estratégico-geracional de afirmação e ocupação do poder, executado a partir de lugares institucionais (e/ou de afirmação de ambições de poder que então já actuavam ou viriam a concretizar-se, com Ricardo Pais, por ex.). O novo discurso artístico que aí se manifestou impôs-se de facto ao longo dos anos 80, como retorno à pintura e à escultura (e à fotografia), com sucessivas reavaliações de artistas vindos de trás e promoções de novos, de que os Homeostéticos são uma e já a mais jovem vaga.
O "neo-expressionismo" era então comum a Sarmento e a Leonel Moura, e outros, nos tempos iniciais da Galeria Cómicos, que prolongava o "Depois do Modernismo" como extensão oportuna da Galeria de Arte Moderna de Belém e braço da Direcção Geral de Acção Cultural (Calhau, Cerveira Pinto, etc). São minudências que não vale a pena recordar numa síntese informativa de parede - mas porquê dizer "situacionista" a propósito dos Homeostéticos, mesmo que se trate (abusivamente?) da Internacional de Guy Debord e não do antiga "situação", por falta de memórias? Porquê atribuir a esses Homeostéticos um "neo-expressionismo" que quase já não ou nunca praticaram, tanto mais que eles não aparecem expostos no Museu para presencialmente se defenderem?
É este o texto* que critico: "A exposição 'Depois do Modernismo', realizada em 1983 com coordenação de Luís Serpa, é frequentemente referida como o evento fundamental para a entrada da arte portuguesa na pós-modernidade. Apesar das intenções de clivagem com o pensamento e prática modernistas da arte portuguesa, a exposição não teve os efeitos esperados, faltando ao ambiente institucional e educativo a capacidade estrutural de desenvolver um novo discurso artístico e crítico, que só na década de 90 permitiria novos desenvolvimentos. A década de 80 é assim marcada por um “retorno à pintura”, por um neo-expressionismo situacionista com os Homeostéticos (Pedro Proença, Pedro Portugal, Xana, Manuel João Vieira, Ivo e Fernando Brito) e por uma reformulação da escultura, segundo a influência do neo-objectualismo com Rui Sanches, Pedro Cabrita Reis e José Pedro Croft. (...)"
Esse espaço a que se chama "Contemporaneidade" conjuga as preferências do anterior director com alguns depósitos de particulares que permitem tornar a selecção menos parcelar ou parcial, mas de facto recorta a contemporaneidade de forma manifestamente insuficiente. Porque, por exemplo, optando por privilegiar suportes fotográficos, a abordagem à imagem fotográfica passa ao lado de um conjunto de obras comprovadamente resistentes à passagem das modas, como são as de Nozolino, José M. Rodrigues e António Júlio Duarte, embora aí compareça Augusto Alves da Silva. Por outro lado, aquela "Contemporaneidade" passa ao lado das obras contemporâneas de pintura, de que a colecção será particularmente carente (de Batarda a José Loureiro, por exemplo, a Calapez ou a Nuno Viegas, se houvesse). Noutros casos as obras expostas têm condições de escala - ou de intimidade - que possivelmente as inferiorizam naquele contexto (Cabrita Reis e Rui Chafes), face, por exemplo, a Ângela Ferreira, presente com uma peça do seu mais sólido corpo de experiências.
Está-se no espaço inicial do itinerário - e da colecção alargada por Pedro Lapa até datas recentes (até aos anos 90 saltando sobre os 80, para ser esquemático), com critérios selectivos muito tácticos ou pessoais - a enfrentar a dificuldade de representar a "Contemporaneidade". Haverá certamente oportunidade para a corrigir no futuro próximo, se se consolidar a perspectiva de alargamento do espaço do Museu do Chiado e se esse alargamento puder concorrer com outras dinâmicas mais favorecidas pelo mesmo Estado que o tutela, em Serralves e no CCB.
Mas mesmo aí, na sala dos fornos, há razões de escolha das obras que parecem ser fruto de uma aprofundada relação com a colecção e com o espaço do museu, quando se encontra o quadrado negro de João Pedro Vale ao lado do quadrado de luz aberto no solo e ao rectângulo oblíquo e vermelho de Ângela Ferreira. Nada é deixado ao acaso.
Entretanto, porque se trata de conhecer a colecção do Museu e através dela a arte portuguesa que foi reunindo, faz falta nas tabelas a indicação da data de entrada das obras no acervo, e mais falta do que os respectivos números de inventário. Ao contrário do que se diz habitualmente, o antigo MNAC fora dando alguma continuidade contemporânea à sua colecção até ser encerrado "compulsivamente" por António Lamas e Teresa Gouveia em 1987, devido ao estado degradado (ou degradante, segundo RHS, em 1994) das suas instalações, montagem, colecção e reservas. Seria à época directora Maria de Lourdes Bártholo, a quem deve ser (certamente) creditada a aquisição de uma das obras mais salientes das salas relativas ao séc. XX, a pintura-colagem de Paula Rego (1962), quando se praticava uma relação de proximidade com a antiga Galeria São Mamede. A indicação das datas de entrada das obras na colecção (ou nas colecções públicas de onde vêm) permite acrescentar aos discursos das obras e da história em geral a história das muitas vicissitudes por que passou aquela casa, à qual agora se desejam tempos mais promissores. Agora presumivelmente iniciados, a ter em conta a montagem que se apresenta.
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