A fotografia de Joaquim Vital encontrei-a no registo de uma entrevista para a France 3 - "au café parisien "Le Rostand", conduzida por Olivier Barrot -, a propósito do seu livro de retratos e memórias de artistas e escritores que editara (ou tentara editar), todos eles à data já falecidos, e que ele próprio publicou em 2004 com o título "Adieu à quelquer personnages". Personagens famosíssimos quase todos, como Calder, Masson, Miró, Bacon, Deleuze, Jean Tinguely, Antonio Saura, outros mais discretos ou de audiência mais restrita, como Patrick Waldberg e Boris Souvarine, mas que foram referências essenciais no seu percurso de editor.
De facto, através dessa galeria de figuras, em geral admiradas, mas também, em casos mais raros, observadas com frieza ou repulsa, é igualmente uma autobiografia que se tece. Desde o primeiro encontro, ainda em Lisboa, do ainda adolescente com o poeta Edmundo Bettencourt, ou dos primeiros passos do jovem editor exilado em Bruxelas nos anos 60 finais (Daniel Guérin, o anarquista; Max Ernst) - encontros formadores ou falhados -, até às grandes aventuras editoriais de Paris. As vitórias e os desastres de um editor independente e quase artesanal, também poeta e tradutor do português, fundador das Éditions de la Différence em 1976 e até ao presente seu director com Colette Lambrichs, a sua mulher.
Narrador culto e excessivo, onde as razões da cumplicidade literária ou artística, mas também o cálculo de algum possível sucesso de mercado que viesse desaperter o cerco do crédito bancário, se acompanham com as minuciosas evocações de refeições de trabalho, ou a pretexto de trabalho, percorrendo os restaurantes de Paris e do mundo, anotando ementas e vinhos, ou vencendo as às vezes necessárias "maratonas etílicas" (a última do livro com uma temível Joan Mitchell, a pintora americana de Paris, que lhe diz à despedida "La vie, Joaquim, est mal faite").
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Exilado desde 1967, instalado em Paris desde 1973, Joaquim Vital morreu ontem subitamente, em Lisboa, onde viera de visita à sua mãe, como fazia com muita frequência.
Por duas vezes, com alguns anos de intervalo, passei cerca de dez dias, nos escritórios de La Différence, participando na criação de dois livros de arte - diante do computador mas como uma outra forma actualizada de trabalho manual.
Desde Lisboa é conveniente recordar que a divulgação dos escritores portugueses em França lhe deve muito.
Em 2007 Vasco Graça Moura recebeu o prémio Max Jacob estrangeiro pela sua antologia de poemas Une lettre en hiver traduzida por Joaquim Vital;
Em 2001, Sophia de Mello Breyner recebeu o prémio Max Jacob estrangeiro pela sua antologia de poemas Malgré les ruines et la mort, reunidos et traduzidos por Joaquim Vital.
Em 1990, Vergílio Ferreira recebeu o prémio Fémina estrangeiro por Matin perdu (trad. de Parcidio Gonçalves), ed. Difference.
A partir de 1986 (http://www.ladifference.fr/historique.html), como refere o histórtico da editora, "sous l’impulsion de Joaquim Vital, les Ėditions de la Différence entreprennent un travail en profondeur pour faire connaître en France la littérature portugaise": Fernão Mendes Pinto, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Maria Judite de Carvalho, Sophia de Mello Breyner, Vergilio Ferreira, Eugénio de Andrade, Urbano Tavares Rodrigues…
Entre as edições de livros de arte de Joaquim Vital contam-se mais de uma dezena de títulos sobre ou da autoria de Júlio Pomar e outros de José de Guimarães.
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sobre JV vejam-se o blog do embaixador Francisco Freitas da Costa:
http://duas-ou-tres.blogspot.com/2010/05/joaquim-vital-1948-2010.htmle em especial uma grande entrevista de Sérgio C. Andrade publicada no Público em 2007:
http://static.publico.clix.pt/docs/cultura/entrevistaJoaquimVital_2007.pdf
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