É curioso observar que as "nossas" tapeçarias de Pastrana (encomendadas por Afonso V e descobertas em Espanha) têm sido expostas sob diversos títulos na triunfal digressão que se tem sucedido ao respectivo restauro em 2009: em Bruxelas, a mostra intitulou-se (em francês) "TUMULTES GUERRIERS À LA CÔTE MAROCAINE - Quatre tapisseries tournaisiennes de Pastrana", e viu-se entre Janeiro e Março no Musée du Cinquantenaire (o nome do Museu vem do parque onde se encontra, que celebra os 50 anos do reino da Bélgica, feitos em 1880 no reinado de Leopoldo II). Foi a 1ª apresentação depois do restauro feito pela Manufacture royale De Wit à Malines ou Mechelen em flamengo (grâce au soutien financier apporté par le Fonds InBev-Baillet Latour et par la fondation espagnole Caja Madrid, com a intermediação da Fundación Carlos de Amberes de Madrid: http://www.kmkg-mrah.be).
O acontecimento integrou-se nas celebrações da presidência espanhola da União Europeia, o que mais justificava a prudência politicamente correcta do título.
pormenor do 1º episódio, O desembarque em Arzila: o rei Afonso V e o infante João dirigem-se para a cidade - a riqueza das armaduras distinguem-nos e ficam perto o estandarte de Portugal e o pendão real que aqui não se vêem
"En cada una de las ciudades donde ha sido expuesta, la muestra ha llevado un título diferente. Así, en Bruselas fue conocida como 'Los tumultos guerreros en la costa marroquí'; en Guadalajara como 'Las hazañas de un rey' (as façanhas...) mientras que durante su visita a Portugal lleva por nombre 'La invención de la Gloria. Don Alfonso V y los Tapices de Pastrana'." A observação atenta é do portal de notícias Terra, da Tefónica: http://noticias.terra.es
É também num contexto de celebração política (os 25 anos da adesão europeia de Portugal e Espanha, em celebração conjunta) que as tapeçarias chegam a Portugal - não se sabe, aliás, se pela 1ª vez... Esse é mais um dado que sublinha a vinculação da arte à sua utilidade social, revendo-se e actualizando-se sucessivamente as respectivas condições de encomenda, de eficácia, de significação e recepção, mas dificilmente se libertando (?) dessa exigência de um uso ou utilidade social, directa (a glorificação do rei) ou indirecta (a oportunidade comemorativa, o documento histórico)...
2º episódio: O cerco de Arzila, lado esquerdo, com o príncipe a cavalo. ( (c) Pastrana (Guadalajara), Colegiata de Nuestra Señora de la Asunción)
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A Invenção da Glória. D. Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana.
12 Junho - 12 Setembro de 2010
"A exposição ‘A Invenção da Glória. D. Afonso V e as Tapeçarias de Pastrana’ reúne pela primeira vez em Portugal os quatro monumentais panos, tecidos em Tournai por encomenda de D. Afonso V, conservados na Colegiada de Pastrana desde o século XVI e recém-restaurados sob o patrocínio da Fundação Carlos de Amberes. Peças de extraordinária monumentalidade e absolutamente únicas em termos da produção borgonhesa, relatando as conquistas de Arzila e Tânger, a sua encomenda e produção — ainda envolta em sombras — enquadra-se num programa mais vasto, de construção mítica da História, que o conjunto de obras em seu redor agora reunidas procura enquadrar e problematizar." MNAA
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É em simultâneo e a seguir ao restauro e à itinerância das tapeçarias (a continuar por Toledo e Madrid, talvez Guimarães em 2012... certamente para as comparar com as cópias que Salazar comprou em 1957 e lá estão) que as ditas vão ser estudadas mais profundamente, porque se sabe muito pouco sobre elas.
É também curioso ler no catálogo que estas excelentes obras foram redescobertas em 2007 num "deplorável estado de conservação", na Colegiada de Pastrana (Bispado de Siguenza-Guadalajara, perto de Madrid) quando se quis - e não pôde - incluir uma delas numa exposição em Gante/Gent sobre tapeçarias flamengas. Daí resultou a operação de restauro com o apoio belga, e também a exigência de que o regresso aos proprietários se faça após "acondicionamento integral das salas do museu em que venham a ser expostas".
Não sei se o catálogo espanhol original faz a história do conhecimento histórico e da fortuna crítica por parte da Espanha destas tapeçarias que interessam especialmente a Portugal (e à sua concorrência africana com os reinos vizinhos). Mas o prefácio do presidente da Fundação Carlos de Amberes refere brevemente um enigmático processo em que se encontram Manuel Azaña, presidente do Conselho da 2ª República, em 1932, e Salazar. O primeiro encomendou naquela data à Real Fábrica de Tapices (então Fábrica Nacional de Tapices) o restauro e a sua reprodução completa e exacta; a cópia só terá sido concluída em 1957 e "consta que foi comprada na época do ditador A. O. S., que decidiu depositá-la no Museu de Guimarães" (sic - de facto, encontra-se no Paço dos Duques). Pelo meio as tapeçarias fizeram parte do inventário de obras de arte que o governo republicano quis proteger nos anos da Guerra Civil, e que saíram com os quadros do Prado rumo a Valência e depois para França, em 1939, a seguir para Genebra, de onde voltaram.
Do lado da história portuguesa, que Dalila Rodrigues sumaria noutro artigo do catálogo, a existência das obras no Museu Paroquial (ou na capela mor?) de Pastrana foi revelada por José de Figueiredo e Reinaldo dos Santos em 1915; a que se seguiu um estudo do segundo em 1925 que lhes associou o nome de Nuno Gonçalves, o pintor dos Painéis, como autor dos respectivos cartões:
"a exaltação nacionalista que caracterizou a Primeira República e o Estado Novo, centrado recorrentemente na grande Epopeia dos Descobrimentos e no propósito de legitimar a tese da existência da 'Escola Portuguesa de Pintura', tinha nas duas obras, e sobretudo na sua associação expositiva, um expoente máximo". (D.R., p. 31)
O que se comprova na exposição conjunta em Sevilha, 1929 (ver foto no cat. da "Exposição Cultural Portuguesa da Época dos descobrimentos" no Pav. de Portugal na Expo. Ibero-Americana de Sevilha), e em Paris em 1931 ("A Arte em Portugal, da Época das Descobertas ao Século XX, Museu do Jeu de Paume). A actual mostra volta a associar ambas as obras, mas seguindo a doutrina da refutação dessa dupla autoria de Maria José Mendonça, proposta logo em 1949. Note-se que Pedro Dias na História das ed. Alfa, nº 4, 1986, segue ainda a antiga tese de que os desenhos das tapeçarias (falando só nos 3 panos da Tomada de Arzila) seriam de autor português que participou no cerco e assalto, e que um tal pintor régio tinha de ser Nuno Gonçalves; entretanto, as imagens aí publicadas são claramente as das cópias.
# Mais duas tapeçarias!
Como referiu o Público http://www.publico.pt/Cultura/as-miticas-tapecarias-de-pastrana-estao-em-lisboa_1441597 (sábado, dia 12):
"Para além das quatro tapeçarias, existem mais duas, também na posse da Colegiada de Pastrana. Resultam de uma encomenda separada que terá sido feita anos mais tarde e contam a campanha de Alcácer Ceguer, também realizada por D. Afonso V. "São muito menos conhecidas e nunca vieram a Portugal", sublinha o director do MNAA. "Restaurá-las e trazê-las a Lisboa ainda com a memória desta exposição viva seria o fecho da abóbada deste processo." "
Das chamadas tapeçarias "Da Cruzada", dedicadas à anterior conquista de Alcácer Ceguer (1458), restam ou só foram executadas os episódios Missa e beija-mão em Lagos e o Embarque, segundo informa o director do MNAA António Filipe Pimentel, que as diz "bem menos divulgadas". O catálogo não acrescenta qualquer outra informação nem imagem!
Eu fui visitar em 1981 ou 1982 as tapeçarias de Pastrana, na dita igreja, tendo-me sido dito que a Colegiada de Pastrana recusava absolutamente a transferência das tapeçarias para um museu fora daquela terra, como seria desejo do governo espanhol. Iam comigo (ou ia eu com eles...) o embaixador Sá Coutinho, o Mário Matos e Lemos, que é pessoa para se lembrar de tudo, e o falecido artista Luis Cienfuegos, que tinha um moinho/casa de campo ali ao pé de Pastrana...
Posted by: luis castro mendes | 06/14/2010 at 06:44
Gostaria de recordar que estiveram expostas 2 das tapeçarias na XVII Expo, em 1983, no MNAA, juntamente com o Políptico dito de S. Vicente.
Pedro Aboim
Posted by: Pedro Aboim | 09/20/2010 at 22:51