Não me pareceu a melhor opção reabrir o Museu de Arte Popular, em 13 de Dezembro 2010, com "Os Construtores do MAP", uma exposição de contextualização histórica do Museu, sobre "o Regime" e a Exposição do Mundo Português (1940), a Política do Espírito de António Ferro ao serviço de Salazar (e de uma concepção pessoal de modernização do país e de modernismo artístico), sobre a arte em Portugal desde 1900, o estilo português e os modernos Independentes, as vicissitudes do MAP pós-1948 e pós-2006 (sem esquecer o movimento cívico pela reabertura), etc, etc.
É como se encontrássemos apenas um prefácio à reedição de um romance, e este estivesse desaparecido da encadernação. Se considerarmos uma exposição como um espectáculo (visual), é como se numa casa de fados se passasse a noite (o espectáculo sonoro) com uma sabatina teórico-informativa sobre a história do género, revendo a tese da origem brasileira em confronto com a origem erudita, a apropriação plebeia, etc, em vez de se ouvir cantar. Mais em geral, é como se antes de atravessarmos a ponte tivessemos de ficar a olhar para uns escritos sobre o Salazar e o 25 de Abril, o projecto de engenharia, cronologias e custos, etc.
da esq. para a dir.: Isabel Falcão (MAP, história de arte), Andreia Galvão (MAP, directora), Daniela Araújo (MAP, antropologia), Graça Filipe (IMC), Joaquium Pais de Brito (MNE), Simoneta luz Afonso, José Luís Mingote Calderón (Museo del Traje, Madrid), José Mendes - mesa do debate de encerramento
E por acréscimo, parece-me que a presente exposição ilustra uma tendência actual para substituir os objectos em exposição pela paginação de textos e imagens, tendência que teve a sua demonstração mais exaustiva nas comemorações da República (e na Cordoaria em particular e por absurdo). Os museólogos se referem a este tipo de exposições bidimensionais (com a aparência da paginação de desdobráveis) como de um estilo "livro em pé". Extractos de textos e reproduções de fotografias ampliam-se ao tamanho das paredes e está feita a exposição, com o acrescento possível de um cenário aqui e uma vitrine acolá (era assim na Cordoaria).
Agora, durante dois dias da passada semana, 20 e 21, o MAP voltou a re-inaugurar-se com um programa de comunicações, intervenções e debate sobre o Museu, o seu passado e o presente, e temas próximos ou associáveis sobre história de arte e sobre antropologia. As participações, as presenças e o interesse de um público assíduo demontraram que o MAP é um tema polémico e mobilizador. Durante a luta pela reabertura do MAP teve lugar uma tarde de colóquio no exterior; agora o debate (oficial) passou para o interior e continuou durante dois dias - em condições climáticas bastante mais agrestes (não há, nunca houve e certamente nunca haverá meios de climatização dos seus espaços) e com a manifestação pública mais ou menos explícita de posições bastante menos concordantes: o passado foi controverso e acidentado, o presente é problemático, o futuro é incerto e continua por definir.
Foi um acontecimento relevante e um êxito, portanto. Que até contou com a presença de Benjamim Pereira (e por isso da história viva da etnografia e da museologia que ele representa). E também com o arquitecto Nuno Portas, a 1ª directora do Instituto Português de Museus, Simoneta Luz Afonso, que em meados dos anos 90 travou a 2ª extinção do MAP, e personalidades e personagens marcantes da área dos Museus como José Luís Porfírio (ex-MNAA), Luís Raposo (M. Arqueologia) e Pais de Brito (M. Etnologia), para além da participação atenta de Graça Filipe, do actual Instituto dos Museus (IMC), depois da abertura oficial a cargo do secretário de Estado Elísio Summavielle. A que se acrescentaram, entre outras, as intervenções do engenheiro responsável pelas obras de reabilitação e conservação do edifício do MAP depois de 2000, João Appleton, obras programadas com vista à continuidade do MAP (antes do acidente linguístico de 2006/2009); e da antropóloga Vera Marques Alves, autora da obra de referência sobre a actividade dos folcloristas e etnólogos associados ao SPN/SNI de António Ferro, em que se inseriu a instalação do MAP, "Camponeses Estetas" no Estado Novo (tese de doutoramento a publicar em breve), para além das contribuições de Clara Saraiva e Rosa Maria Perez, antropólogas também. E em especial de José Luís Mingote Calderón, subdirector (ainda) do Museu do Traje de Madrid, sendo este Museu herdeiro do Museu do Povo Espanhol criado em 1934 pela República (com afinidades ideológicas e cronológicas com o Museu Nacional das Artes e Tradições Populares, de Paris, criado pela Frente Popular em 1 de Maio de 1937 e depois instrumentalizado e confundido com o programa do regime de Vichy...).
Ia-me esquecendo que lá estiveram na assistência à sessão final o director do IMC, prof. João Brigola, e o actual director do MNAA. Foi mesmo um acontecimento - não-mediático mas inportante na área oficial dos museus. O MAP continua na berlinda.
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