ARQUIVO: EXPRESSO 06-01-2001
Excepções à regra
SÉCULO XX: ARTE DO BRASIL, Centro de Arte Moderna FCG
Ilustr. Ruben Valentim (1922-91), «Pintura nº 11 - Roma 1965»
AO ASSOCIAREM-SE no CAM os dois núcleos de arte moderna e contemporânea da Mostra do Redescobrimento que se apresentou em São Paulo, com um imenso êxito de público e alguma polémica, foi o segundo segmento cronológico que ficou mais diminuído quanto à possibilidade de tornar inteligível um panorama coerente e representativo, capaz de significar a extensão continental do Brasil e a pluralidade actual dos seus focos criativos, bem como a diversidade das suas dinâmicas artísticas, entre absorção ou dependência dos modelos internacionais e manifestações identificáveis com originalidade própria.
Têm sido frequentes, já antes da quadra comemorativa, as retrospectivas de figuras que intervieram ou intervêm nas décadas recentes da arte brasileira, em parte por efeito de reavaliações críticas ou à mercê das operações de reconstituição de obras, mas têm faltado as abordagens de conjunto que localizem esses e outros artistas nos seus contextos próprios. É só marginalmente que a actual mostra cumpre essa necessidade, certamente por insuficiências de programação por parte do seu comissário, o brasileiro Nelson Aguilar, como se comprova pelo pequeno esforço argumentativo que o catálogo recolhe.
A par de algum gigantismo - decerto inferior ao previsto, dada a escassa ocupação das três naves esvaziadas para a ocasião - impõe-se a sensação vaga de que a escolha dos artistas foi em grande medida aleatória, para além de ser insuficiente a representação de muitos deles, limitada a obras únicas. Sabe-se também que diversas obras expostas em São Paulo ou requeridas para Lisboa (uma vez que se pretendeu reajustar o conteúdo da mostra) rumaram a projectos de maior coerência e a países mais atraentes. Para lá de Valência, que apresenta «Brasil 1920-1950: da Antropofagia a Brasília», já inaugurou em Madrid o panorama «Visões do Sul» e vai abrir na Tate Modern «Century City: Art and Culture in the Modern Metropolis», que dedica um dos seus capítulos cronológicos, entre 1955-1969, ao Rio de Janeiro (em coincidência temporal com outro sobre Lagos, capital da Nigéria…), associando numa só explosão criativa neo-concretismo, Bossa Nova, Cinema Novo e nova arquitectura (de 1 de Fevereiro a 29 de Abril).
No CAM, a história da primeira metade do séc. XX expõe-se com alguma extensão no piso inferior («Cartaz» de 11 de Novembro), fechando com a notável representação de Alfredo Volpi. Foi uma personagem irredutível a qualquer fórmula ou escola, um pintor de origem operária em cuja obra se fundiram raízes populares e aquisições eruditas, com uma energia criativa que atravessou pelo menos cinco décadas. A partir dos anos 50, o despojamento das referências figurativas (fachadas das casas) orienta o interesse prioritário pela cor para uma formulação tendencialmente abstracta, em diálogo com o ambiente concretista instalado a partir da primeira Bienal de São Paulo, em 1951, sem diminuir o curso original da sua pintura.
O itinerário expositivo torna-se depois muito pouco coerente, partilhado entre as duas outras naves sem um fio condutor visível, ao sabor das difíceis condições espaciais. Entretanto, dissolve-se a divisão da mostra de São Paulo entre moderno e contemporâneo, fixada no início dos anos 60 e justificada pela rejeição dos suportes tradicionais por artistas que «percebem que a tela e a massa escultural representam uma limitação às aspirações de liberdade que a arte pretende veicular». A fragilidade da tese não resistiu à viagem.
Ao visitante que regressa à nave central do CAM (vindo da primeira metade do século) oferece-se, à esquerda, uma síntese vasta e massificada da abstracção geométrica dos anos 50, com destaque último para as esculturas de Sérgio Camargo, enquanto à direita se agregam vários exemplos desconexos das conjunturas dos anos 60, em que se associaram aceleradamente novas figurações e importações Pop, contestações políticas e experiências vanguardistas (ambientes, «happenings», etc).
Entretanto, é no piso superior que se sinaliza uma outra situação que também marcou os anos 50-60, a abstracção informal ou gestual concorrente com a arte concreta, mas dando-se logo passagem à efervescência pictural dos anos 80, prolongada por algumas aparições esparsas de artistas já surgidos na última década. Naquele breve conjunto inicial situam-se alguns dos artistas que se destacam da sucessão das conjunturas.
É o caso de Ruben Valentim, que em São Paulo figurou no núcleo dedicado à arte afro-brasileira e aqui se aproximou da abstracção informal, embora as suas geometrias ritualizadas, em que se adivinharam marcas de um mundo mítico-religioso ancestral, sejam habitualmente associadas aos artistas construtivos do Rio. E também o de Tomie Ohtake, única representante dos pintores nipo-brasileiros de São Paulo, com duas telas de grande tensão, elegância e economia formal. Ou de Iberé Camargo, presente com quatro telas vibrantes de matéria viva, onde se inscreve uma impetuosidade corporal que sobrevive aos códigos gestuais da época. (Centro de Arte Moderna. Até dia 20)
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