É com muita curiosidade que aguardo a exposição dedicada pelo Museu do Chiado e por Emília Tavares a um fotógrafo esquecido, cuja obra abre pistas para muitas questões relativas aos anos 40/50 e às revisões históricas que antes se fizeram ou não.
1 - Em Julho de 2008 tive a sorte de poder abrir e explorar (demasiado rapidamente) uma mala de cabedal onde se conservava o seu espólio na sede das Publicações Europa-América, que tinha fundado com o seu irmão Francisco Lyon de Castro, em 1945. Conhecia há muito tempo o livro O MUNDO DA MINHA OBJECTIVA, editado em 1980, a que não se (?) atribuira importância à epoca, e também uma grande ampliação da fotografia "Esforço" (rep. em O Mundo...: um barco na praia transportado por pescadores) que ocupava lugar destacado no escritório do editor.
A obra de Adelino Lyon de Castro (1910-1953) abria portas para revisitar o salonismo das décadas de 40/50 e interrogar a existência do que se poderia chamar a fotografia neo-realista portuguesa, que tem na sua obra e em AS MULHERES DO MEU PAÍS de Maria Lamas, em que colaborou, os exemplos principais. A pesquisa orientou-se para a comunicação num congresso no Barreiro depois publicada no livro INDUSTRIALIZAÇÃO EM PORTUGAL NO SÉCULO XX. O CASO DO BARREIRO, Actas do Colóquio Internacional Centenário da CUF do Barreiro, 1908-2008, Universidade Autrónoma de Lisboa, 2010 (o colóquio teve lugar no Auditório Municipal Augusto Cabrita, Barreiro, 8-10 de Outubro de 2008, e a intervenção constou do Painel 4 - Do Realismo ao Neo-realismo: imagens do trabalho e do operário na arte portuguesa: ver aqui "O neo-realismo na fotografia portuguesa"). As primeiras impressões e alguns documentos sobre ALC foram sendo publicadas antes, desde 20 Julho 2008, em Adelino Lyon de Castro I-III, etc
2 - A exposição "BATALHA DE SOMBRAS" - COLECÇÃO DE FOTOGRAFIA PORTUGUESA DOS ANOS 50 DO MUSEU DO CHIADO mostrada no MUSEU DO NEO-REALISMO - VILA FRANCA DE XIRA, de 7 de Março a 14 de Junho de 2009, constituiu a primeira leitura de conjunto desse período, também apresentada por Emília Tavares. (Ver Os novos anos 50 ) .
3 - Com as fotografias de Adelino Lyon de Castro há pistas para explorar os salões do Grémio Português de Fotografia (desde 1946), as Exposições Gerais de Artes Plásticas (1950), o Foto Clube 6 x 6, o caso do I Salão de Arte Fotográfica do Jornal do Barreiro (1950) e os salões posteriores da CUF, etc. Também, por esse caminho, para rever as simplificações abusivas que se repetem a propósito do "salonismo"...
E entre as muitas memórias que esta obra ignorada levanta encontra-se o caso do "desvio de direita" protagonizado por Piteira Santos e Mário Soares, que teve um dos seus episódios mais graves em torno dos irmãos Lyon de Castro e do jornal cultural "Ler", encerrado logo após a morte de Adelino em 1953. "Publicação forçada ao encerramento em 1953, esteve no centro de uma das crises internas da Oposição, sabotada pelo PCP por ser orientada por Fernando Piteira Santos, excluído em 1950 e então acusado com Mário Soares de pro-americanismo. Ver “A purga dos intelectuais” e em especial “O jornal Ler, “orgão do SNI”", em Álvaro Cunhal 3, de Pacheco Pereira Julgo que a memória do neo-realismo fotográfico (para além dele não ter sido defendido, entendido ou reconhecido no seu tempo próprio) terá sido também inviabilizada por razões políticas de sentido oposto. Adelino Lyon de Castro enquanto “inimigo” do PCP; Maria Lamas por se ter tornado uma bandeira da propaganda do PCP." ver O neo-realismo esquecido ou silenciado .
Para já, estou a tentar entender o Adelino Lyon de Castro que lá se mostra. Não é o que eu fui conhecendo, o dos salões do Grémio Português de Fotografia (1946-1951, ou 52?), da 5ª Exposição Geral de Artes Plásticas (1950), do Foto Clube 6x6, o vencedor do I e único Salão de Arte Fotográfica do Jornal do Barreiro (1950), o do livro da Maria Lamas (As Mulheres do Meu País, 1948-50; reed. Caminho 2002-03, depois trucidada pela Leya), o fotógrafo evocado por Fernando Piteira Santos no álbum monográfico O Mundo da Minha Objectiva, Pub. Europa-América, 1980, ainda à venda, por exemplo via Wook, por 15,90€), etc. Tinha sido ostensivamente silenciado por António Sena na sua História da Imagem Fotográfica em Portugal e num revelador artigo de 1981 ("Ver para não crer", Jornal de Letras, nº 3, 31 Março 1981), onde dizia fazer o inventário do que se publicara no ano anterior. E foi resistindo ao (mau) tempo. Para já, repito, tenho de tentar alargar a pesquisa sobre a fortuna crítica (o infortúnio crítico). E aguardar o catálogo anunciado.
Posted by: AP | 04/09/2011 at 18:23