A comemoração do centenário do decreto fundador do Museu Nacional de Arte Contemporânea (MNAC), de 26 de Maio de 1910 (que também criou legalmente o Museu Nacional de Arte Antiga, com a mesma determinação republicana), proporcionou hoje a oportunidade de um útil exercício de rememoração pública por parte dos principais implicados na inauguração do Museu do Chiado, a 12 de Julho de 1994, que àquele sucedeu no mesmo espaço, muito renovado, após o respectivo encerramento compulsivo em Outubro de 1987 e, depois, a retirada da colecção por ocasião do incêndio de 1988.
As memórias foram as de Raquel Henriques da Silva, 1ª directora do Museu do Chiado (que apresentou as linhas gerais de uma interessante tese sobre o poder dos artistas (vivos) no princípio do séc. XX, dos naturalistas e do Grupo do Leão, que fazem a SNBA e o MNAA; de Simonetta Luz Afonso, 1ª presidente do Instituto Português de Museus e também comissária de Lisboa Capital Cultural em 1994, depois de idênticas funções na Europália'91 (um trânsito de 91 a 94, ...os "anos de ouro" de Santana Lopes, com muitas polémicas políticas e de que datam quase todos os novos equipamentos culturais lisboetas); e António Lamas, presidente do Instituto Português do Património Cultural, que encerrou o MNAC e iniciou o processo que conduziu ao novo Museu do Chiado (por sinal, também ia encerrando o Museu de arte Popular, o que é outra história). Por último, também do arquitecto João Herdade, do IPM/IMC, que acompanhou a construção do projecto de Jean-Michel Wilmotte, parte decisiva em todo o episódio.
António Lamas recordou a propósito duas exposições que estiveram na origem da reavaliação das colecções do antigo MNAC: "Soleil et Ombres - L'Art Portugais du XIX Siècle", que se apresentou no Musée du Petit Palais, Paris, de 20 Outubro de 1987 a 3 Janeiro 1988, com comissariado de José-Augusto França - depois reexibida na Galeria de Pintura do Rei D. Luiz no Palácio da Ajuda (1988); e a mostra da Colecção de Pintura Portuguesa do MNAC (1842-1979) no Palácio de Queluz, de Julho de 1989 a Julho de 1990, o qual era então dirigido por Simonetta Luz Afonso, sendo responsáveis pela selecção das obras Raquel Henriques da Silva e José Luís Porfírio. A 1ª seguiu-se e associa-se ao encerramento compulsivo, a 2ª à transferência das obras após o incêndio.
Aflorou-se o caso ainda actual da inacessível biblioteca da Academia Nacional de Belas Artes, e referiram-se as salas da Galeria Nacional de Pintura (?) da Academia como antecedentes do Museu. Quanto a datas, noto que se festeja a do decreto fundador e não a da inauguração efectiva das instalações, que, aliás, eram provisoriamente as da mesma ANBA.
Alguns ligeiros registos:
ARTE DO SÉCULO XIX, Palácio da Ajuda
1 Abril 1988, EXPRESSO Cartaz
Nunca será demais alertar para o facto de se ter reunido o que dificilmente se verá distribuído por museus e colecções várias. Tudo acompanhado por um catálogo erudito. Depois abre-se espaço para considerações variadas sobre a existência de uma produção artística oitocentista com marcas de identidade própria ou com subserviente e menor capacidade de acompanhar o que em Paris se fazia - tratar-se-ia, afinal, quanto a esta exposição, de um segundo regresso de Paris. Espaço também para proveitosas experiências sobre o interesse e validade das abordagens histórico-sociológicas da arte, tantas vezes mais dispostas à consideração masoquista da mediocridade dominante do que da excelência excepcional de uma ou outra peça rara: esta exposicão é muito mais visível em Lisboa (corredor mais galeria de pintura) do que em Paris, onde o que haveria para ver estava esmagado pelo peso da história e da sociologia do gosto - porque mesmo quanto ao passado importa mais ver do que sumariar capítulos de história.
(Foto de Luís Ramos*)
9 Abril 1988
Em Paris chamou-se «Sol e Sombras» e prestou-se a alguns equívocos nacionais por ter sido apresenrada simultaneamente com o melhor de cinco séculos de arte espanhola. Em Lisboa, perdeu aquele título, José-Augusto França passou de comissário a responsável pela concepção original (mas o seu útil catálogo foi fielmente traduzido) e a mostra desenrola-se de acordo com outro espaço e com critérios expositivos menos histórico-sociológicos. São referências adicionais para avaliar uma selecção (dificilmente repetível) da arte portuguesa do século XIX. ( Até 31 Maio)
#
COLECÇÃO DO MNAC, Palácio de Queluz
5 Agosto 1989
Após largos anos [de facto 2 anos] de afastamento do público, primeiro pelo facto de o Museu Nacional de Arte Contemporânea se encontrar encerrado, depois porque o incêndio do Chiado obrigou a remover as obras para a Cidadela de Cascais, estão finalmente expostas cerca de 200 pinturas do espólio do Museu Nacional de Arte Contemporânea, situadas entre 1842 e 1979.
A opção de montagem à maneira das pinacotecas do séc. XIX - com quadros uns sobre os outros numa acumulação de coleccionador, cobrindo as paredes quase até ao tecto - é interessante a dois níveis: porque é didáctica, já que permite ao público inteirar-se da forma de "ver" do século passado (pois era assim que se organizavam a Galeria de Pintura do Real Paço da Ajuda e a Galeria Nacional de Pintura, núcleos que deram origem ao MNAC); e porque é pragmática dado que permite expor um número elevado de peças num espaço reduzido, solução inteligente do ponto de vista museográfico.
A exposição traz também à ordem do dia a questão do futuro (ou não) do MNAC de Lisboa; se é verdade que o espólio tem falhas e fragilidades (sobretudo após os anos 40 do nosso século), não é menos verdadeiro possuir obras de grande interesse que não se podem reduzir à fórmula «colecção do séc. XIX», e a amostra do modernismo é disso prova (Cristiano Cruz - duas peças raramente vistas -, Amadeo, Viana e Dórdio), para além das obras de Mário Eloy. Iniciativa louvável, de visita indispensável. (...entrada 400$00)
(Na Revista do Expresso publicou-se a 12 de Agosto um texto crítico de Helena de Freitas)
26 Agosto 1989
Um museu desalojado e em debate: que fazer com a colecção - heteróclita, distorcida, incompleta, inconsequente, mas historicamente representativa e contendo preciosidades diversas - do Museu Nacional de Arte Contemporânea, encerrado à espera de melhores dias para as suas instalações do Chiado, e a aguardar reorientações de fundo. Entretanto, o acervo agora apresentado a público fornece algumas pistas para a discussão e constitui-se como um percurso com surpresas: porque vem revalorizar um património em muitos cases menosprezado, e porque estabelece uma rede de leituras entre obras, géneros e datas menos rotineira que o habitual, ou mais sensível aos valores próprios das obras.
*Por esses anos e ao longo dos 90 fotografaram-se para o Expresso inúmeras exposições em instituições e galerias (e tb espectáculos de teatro e dança), de que resultará um acervo importante partilhado entre os arquivos da empresa (mas ainda se conservam fotos em papel e, pior, em p/b?) e os dos fotógrafos, em especial o do Luís Ramos, durante muito tempo o mais disponível para essas difíceis actividades.
Comments