Exposição a partir do dia 4 no ISCTE (18h) - até 31 de Maio. LUIZ CUNHA, ARQUITECTURA E ARTES PLÁSTICAS 1957-2011
Luiz Cunha pintor
Em 2005, Luiz Cunha chamou «Janelas para o Reino» à exposição que apresentou na antiga igreja do Convento das Mónicas. Anunciava-se "pintura de temática cristã", logo como subtítulo, e a oportunidade de vermos essas obras reunidas surgia em convergência com um evento religioso, permitindo deslocar algumas das peças instaladas em igrejas e residências pastorais que o arquitecto projectara (o catálogo publica imagens de Aveiro, Apúlia, Guarda, Lisboa, Porto, Terras do Bouro, Ponta Delgada, etc.). Acompanharam-se com outras obras, incluindo retratos, e no seu conjunto revelavam as etapas recentes de um itinerário longo de pintor secreto (com inícios distantes à volta de 1950). Era uma exposição singular a diversos títulos e não me parece que o meio se tivesse por um momento interrogado sobre o seu fechamento a toda a diferença que não caiba nos canais do reconhecimento corporativo e nas suas fronteiras estéticas rígidas: pintura de arquitecto, pintura integrada na arquitectura, pintura "aplicada", decorativa e portadora de mensagem, arte religiosa?
Conhecia do arquitecto certas obras, sempre pouco convencionais, e também algumas publicações, onde, aliás, os seus desenhos, de arquitectura ou não, despertavam evidente interesse. Mas conhecia suficientemente pouco para que a exposição surgisse como uma saudável surpresa e abrisse pistas para múltiplas interpretações. A montagem era também exemplar, construída, como que improvisada, com materiais pobres, madeiras de caixotes reutilizáveis.
Surpreendia de imediato, e surpreende agora, revendo as imagens disponíveis, o ecletismo das apropriações estilísticas numa pintura que se coloca na continuidade da respectiva história, contando mais com o gosto de revisitar do que com a pulsão de rejeitar o já feito. Um trabalho de sabedoria vestido de aparente ingenuidade, onde as referências intencionais vão da pintura bizantina e do românico catalão aos códigos do cubismo e da pintura de Corbusier, onde comparece a admiração confessada por Hockney e o gosto do realismo popular.
Tudo isso só pode reconhecer-se como um superior sentido de humor, que é mais surpreendente para o leigo ao surgir associado a espaços de culto ou vivência religiosa e em especial à manifestação de uma profunda devoção própria, que se reconhece estar muito para além da lógica da encomenda, sendo a pintura praticada como busca e dádiva pessoal. Talvez esse gosto pelo humor transporte ainda a lição das caricaturas que D. Fuas (pai do arquitecto-pintor) publicava n'"O Primeiro de Janeiro", mas ele é também o lúcido caminho exploratório escolhido para pôr à prova as diferentes linguagens representativas e os limites espaciais do quadro-janela, da colagem à assemblagem, da irregularidade dos formatos planos ao volume construído.
Passando da experiência da maquete ao cenário, também são (eram, vistos em 2005) muito curiosos os baixos-relevos em madeira e em cartão (Jesus Cura Um Paralítico, Jonas Regurgitado pelo Grande Peixe), a instalação-réplica do altar dos Pastorinhos de Fátima com auto-retrato, a par dos retábulos insolitamente recortados, ou do Cristo em majestade que segura o computador portátil, entre outras obras.
Face a um caminho das artes que em grande medida se foi querendo auto-referencial, entendendo a autonomia como vazio ou retórica formalista, a intenção temática de Luiz Cunha, que é religiosa mas visível para outros como narrativa e literária, assegurou-lhe a confiança na sua pintura heterodoxa e ela mostra-nos que há mais caminhos possíveis.
Alexandre Pomar, 19 Abril 2011
Uma nota de 2005, no EXPRESSO, ACTUAL:
Luiz Cunha
Antiga igreja do Convento das Mónicas
26-11-2005
A obra do arquitecto (Porto, 1933) foi mais divulgada por ocasião da vaga pós-moderna, mas a sua originalidade é anterior e sobrevive-lhe, com marcas muito próprias de revisitação das tradições históricas e de heterodoxa modernidade. Parte substancial dela são igrejas e residências religiosas, para as quais realizou várias vezes pinturas, baixos relevos e outras intervenções sobre temas litúrgicos, sempre tão pouco convencionais umas como outras. A mostra «Janelas para o Reino» fez deslocar várias dessas peças instaladas (em Aveiro, Apúlia, Guarda, Lisboa, Porto, Terras do Bouro, Ponta Delgada, etc.) e acompanha-as com outras, incluindo retratos, que revelam um itinerário longo de pintor secreto. Surpreende de imediato o ecletismo das apropriações estilísticas, que vão da pintura bizantina e do românico catalão aos códigos do cubismo e da pintura de Corbusier, ou ao realismo popular, praticado com notável perícia e largo sentido de humor, que é também manifestação de profunda devoção própria. São notáveis ou muito curiosos os baixos-relevos em madeira e em cartão (Jesus Cura Um Paralítico, Jonas Regurgitado pelo Grande Peixe), o políptico de Santa Joana Princesa, os retábulos de formatos recortados, a instalação-réplica do altar dos «Pastorinhos de Fátima» com auto-retrato, o Cristo em majestade que segura o computador portátil, entre outras obras. A montagem improvisada com materiais pobres (madeiras de caixotes reutilizáveis) é também exemplar.
Comments