Roubadas fotos da colecção da SEC
EXPRESSO/Cartaz de 11-02-95, pp. 4 e 5
Mais de uma dezena de fotografias da colecção da Secretaria de Estado da Cultura, reunida por Jorge Calado a convite de Teresa Patrício Gouveia, foi roubada da sua antiga sede da Av. da República. O desaparecimento das provas (em número de 13 a 18, segundo diferentes fontes) nunca foi divulgado, embora o caso acabasse por ser comunicado à Polícia Judiciária, depois de um inquérito interno que decorreu durante muitos meses.
O roubo foi detectado por ocasião da saída dos vários serviços da Av. da República, em 1993, quando se procedia a um primeiro levantamento da colecção, com base no inventário deixado por Jorge Calado, com vista à sua transferência para o Palácio Foz, ao cuidado da Direcção-geral dos Espectáculos e das Artes. Segundo José Telles, o actual director da DGESP, «nunca tinha havido um grande controle» da colecção e, por isso, nunca se apurou o momento exacto do roubo, nem quem foi o seu autor. Uma outra fonte referiu que a PJ não foi imediatamente chamada a intervir para se evitar que a notícia chegasse à Comunicação Social.
A colecção, que sempre dependeu directamente de Santana Lopes, encontra-se agora confiada à Fundação de Serralves, estando prevista a sua exposição parcial no próximo mês. Maria do Céu Baptista, do respectivo serviço de exposições, confirmou a falta de fotografias mencionadas numa lista cedida pela SEC e o facto de ter sido feita, a esse respeito, uma informação para a tutela, mas afirmou não dispor de dados sobre as razões de a colecção se encontrar incompleta.
Quanto às fotografias desaparecidas, os vários testemunhos referem não se tratar de um núcleo preciso, quanto a datas, temas ou eventual valor das provas desaparecidas, sugerindo que se trata de um conjunto de obras díspares, de maior ou menor interesse, a traduzir uma «escolha» aleatória, guiada pelo gosto pessoal do responsável pelo furto. Por outro lado, teme-se igualmente que as fotografias e álbuns «sobreviventes» acusem o efeito das deficientes condições de armazenamento a que estiveram sujeitos na SEC.
Entretanto, o EXPRESSO não conseguiu obter qualquer comentário sobre este assunto da parte do subsecretário de Estado da Cultura, Manuel Frexes, o qual remeteu os possíveis esclarecimentos para a directora do Instituto Português de Museus*. No entanto, Simoneta da Luz Afonso limitou-se a declarar que nem a colecção nem o referido inquérito estiveram alguma vez na sua esfera de competência, ao contrário do que sucedeu com a colecção de pintura e escultura de SEC, até há poucos meses depositada no Convento de Mafra. Quanto a esta colecção, uma série de obras escolhidas seguiu para Serralves e as restantes estão actualmente guardadas no Museu do Chiado.
A formação de uma colecção pública de fotografia foi decidida no quadro das comemorações dos 150 anos da divulgação da sua invenção, em 1989, e durante perto de dois anos Jorge Calado realizou aquisições no valor total de vinte mil contos, em grande parte em leilões de Londres e Nova Iorque.
No total foi reunido um acervo de 346 imagens, incluindo três importantes álbuns (com 128 imagens); a colecção conta com fotografias do século XIX e com provas de época de autores tão célebres como Bill Brandt, Walker Evans, Robert Frank, Man Ray, August Sander e W. Eugene Smith, para além de exemplares, por vezes únicos, oriundos de colecções famosas como as de Robert Mapplethorpe, Graham Nash, Michel Tournier e Sam Wagstaff.
No início de 1991, realizou-se a sua apresentação pública, na Galeria Almada Negreiros, acompanhada por um catálogo bilingue intitulado «1839-1989. Um ano depois», editado pela SEC. Previa-se então que esta continuasse a assegurar uma verba anual para manter a regularidade das aquisições, certamente através da nomeação rotativa de novos comissários, uma vez que de modo algum se trata de uma colecção completa, mas apenas do início de uma colecção pública.
No entanto, depois da entrada em funções de Santana Lopes, nunca mais foi renovada a dotação para a colecção, não se concretizou um projecto de exposições itinerantes com base no acervo reunido, nem se asseguraram condições adequadas de conservação desse espólio, armazenado em caixotes e com as fotografias ainda encaixilhadas, embora existissem meios de tratamento e climatização no Arquivo Nacional de Fotografia. As fotografias ficaram guardadas, em condições precárias, na sede da SEC e foram prometidas a Serralves logo em 1991.
Apesar de se terem preparado, no Porto, instalações para acolher a colecção, Santana Lopes passou a utilizá-la como mais um instrumento do seu conflito com a Fundação de Serralves, retendo o seu envío até ao segundo semestre de 1994. Em Abril de 1993, chegou a impedir a sua exposição pública no Porto, embora tivesse sido agendada com antecedência, causando por isso um hiato na programação regular da Casa de Serralves.
Aliás, a única apresentação pública da colecção ocorreu no Centro Cultural de Lagos, em Setembro-Outubro de 1993, em consequência, já não de qualquer programa de itinerância, mas de uma decisão pessoal do secretário de Estado, tomada durante uma reunião do PSD algarvio em que participavam dirigentes daquela autarquia. Foram então mostradas apenas 109 fotos, com exclusão das provas do século XIX que requeriam cuidados particulares de montagem, mas também essas imagens fizeram a viagem para Lagos em deficientes condições de transporte.
Aguarda-se agora dos actuais responsáveis da SEC um esclarecimento efectivo sobre a quantidade e a identificação das fotografias em falta, bem como sobre as diligências levadas a efeito para a sua recuperação. No entanto, não parece haver dúvidas quanto a quem terá de ser assacada a responsabilidade política por este exemplo concreto do que foi a gestão da cultura nos anos recentes.
<* Em 1994 as atribuições antes pertencentes à Direcção-Geral de Acção Cultural relativas às artes plásticas passaram para o Instituto Português de Museus, depois de em Junho de 1992 terem sido transferidas para a então criada Direcção-Geral dos Espectáculos e das Artes (DGEAT) - depois DGESP. A DGAC foi criada em 1975 e remodelado em 1980.
A tutela da Colecção SEC passava em 1992 para a Direcção-Geral dos Espectáculos e das Artes (DGEAT) e em 1994 para o Instituto Português de Museus, criado em 1992. Mais tarde (1996) passou para o Instituto de Arte Contemporânea? Ou ficou sem tutela, entre o Chiado e Serralves e locais de recurso como Queluz?>
a seguir
a colecção foi apresentada em «A Ordem do Ver e do Dizer», org. de Teresa Siza, na Casa de Serralves, 11-03-95: notas (Colecção nº 4 - ver CPF)
A colecção em Serralves desde 1994, exposta em 1995, vai ser atribuída ao CPF: "Serralves sob pressão - parte II”, 17-08-96 (Colecção nº 5 - ver CPF)
Viriam mais tarde a desaparecer outras fotos da Colecção Nacional de Fotografia original (entretanto alargada ou dissolvida entre muitas incorporações indiferenciadas), em especial durante itinerâncias descuidadas...
Quanto aos roubos ocorridos na antiga SEC da Av. da República não houve apuramento de responsabilidades. O facto dos "caixotes" terem ficado desde 1991 em corredores sem vigilância decorreu de a colecção ter sido uma decisão directa de Teresa Gouveia (SEC) e não se terem integrado as aquisições e a conservação, ou a responsabilidade geral de tutela, na orgânica da DGAC.
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