No processo longo e polémico de criação do Centro Português de Fotografia, enquanto instituto autónomo, que se sedeou no Porto e na Cadeia da Relação, inclui-se a transferência da Fototeca do Palácio Foz, mantida por Avelino Soares em diferentes quadros institucionais. Falava-se então, com a megalomania do personagem Carrilho, na construção (prevista para 2001!) de um edifício anexo à Torre do Tombo que iria acolher o chamado Arquivo Fotográfico de Lisboa (AFL) - não confundir com o Arquivo Municipal de Fotografia.
A transferência das colecções da Fototeca para a TT terá começado em Janeiro de 1999, indica-se nas notícias abaixo, e parte dos "quase quatro milhões de fotografias no Palácio da Ajuda (ex-Arquivo Nacional de Fotografia)" ter-se-iam (em grande parte?) mantido no âmbito do então Instituto Português de Museus, como Divisão de Fotografia. E aqui se fala também de "documentação dos serviços de propaganda e informação de Salazar, depositada, em parte, num armazém em Queluz", que teriam integrado a TT.
A ideia (que acho peregrina) de criar no Palácio Foz, em pleno Rossio, uma entidade dedicada a estudar regimes autoritários foi o pretexto para o António Henriques continuar a investigar os casos da Fototeca e do CPF. Por mim, estava praticamente impedido de escrever sobre política cultural, ameaçado pelas manobras persecutórias do personagem.
1 - "Fotografia na Torre do Tombo"
Expresso Actual de 06-11-98, por António Henriques
O património do Palácio Foz vai ser dividido por três instituições
O ARQUIVO Fotográfico de Lisboa, serviço regional do Centro Português de Fotografia (CPF), vai ser construído de raiz em terrenos anexos ao edifício da Torre do Tombo, prevendo-se que esteja finalizado em 2001. O novo edifício, para o qual será lançado um concurso de ideias no próximo ano, vai receber os espólios fotográficos depositados na Fototeca do Palácio Foz, bem como a fotografia histórica que se encontra no Palácio da Ajuda, ocupando o antigo laboratório de Física do Rei D.Carlos.
As decisões sobre o património fotográfico da capital, anunciadas esta semana em conferência de Imprensa pelo ministro da Cultura, são vistas como «o termo de uma situação caótica e constituem uma visão integradora» tendo em vista a unidade de espólios num só espaço, segundo afirmou o governante. O director da Instituto dos Arquivos Nacionais/ Torre do Tombo, Bernardo Vasconcelos, disse na mesma ocasião que a solução encontrada permite reaproximar todo o espólio do jornal «O Século», cuja parte de arquivo e biblioteca já se encontra na Torre do Tombo, mas cuja iconografia está no Palácio Foz. «Tomámos uma decisão inatacável do ponto de vista técnico», referiu. Recorde-se que o espólio de «O Século» é dos mais significativos em termos de documentação do século XX português, tendo sido resgatado do esquecimento por técnicos da Fototeca, entre 1988 e 1989 - juntamente com imagens de «O Século Ilustrado» e outras do foto-repórter Joshua Benoliel, tendo estas ilustrado as revistas nacionais de referência no começo do século. Prevê-se que a transferência de espólios da Fototeca para a Torre do Tombo (que disponibiliza instalações provisórias para a documentação) se faça nos primeiros dois meses de 1999, altura em que o serviço público de consulta que vinha sendo assegurado no Palácio Foz será interrompido.
O destino a dar ao restante espólio não fotográfico depositado no Palácio Foz - uma hemeroteca com jornais impressos no país durante grande parte deste século, revistas especializadas em Comunicação Social e o «Diário da República» e ainda uma biblioteca com vários núcleos valiosos - pode passar pela incorporação na Torre do Tombo ou na Biblioteca Nacional, depois de uma avaliação. Este espólio, de inegável importância, foi desvalorizado na conferência de Imprensa, ao ser considerado «residual», tal como a documentação do Secretariado de Propaganda Nacional/ Secretariado Nacional de Informação, que esteve 30 anos abandonada num depósito do Estado em Queluz.
O novo figurino desenhado para o Arquivo Fotográfico de Lisboa prevê a incorporação inicial de quase quatro milhões de espécies fotográficas. Destas, três milhões e meio têm origem no chamado Arquivo Nacional de Fotografia, sedeado no Palácio da Ajuda - trata-se de uma estimativa, uma vez que nunca foi feito um inventário do património existente, como confirmou Teresa Siza, directora do CPF, em entrevista recente ao EXPRESSO. As restantes espécies (306 mil) provêm da Fototeca, sendo que quase dois terços são imagens de «O Século». A opção pela construção de um novo edifício (orçado em 800 mil contos, vindos do Ministério da Cultura), coloca de lado a única proposta que, desde 1992, foi formalmente apresentada como solução para tornar acessível ao público todo o espólio depositado no Palácio Foz. Da responsabilidade do técnico Avelino Soares, que liderou, até agora a Fototeca, a proposta defendia a manutenção conjunta de todo o espólio no Palácio, uma vez que aquele constitui uma memória colectiva extraordinária do século XX português - o objectivo era criar ali um polo de atracção cultural capaz de dinamizar a actividade no Palácio lisboeta. Esta solução, formalizada com o nome de «Centro de Imagem», chegou a ser inscrita como departamento no projecto de Decreto-Lei do Instituto de Comunicação Social - quando a tutela do espólio não era, ainda, do MC - mas não passou de intenção. O técnico Avelino Soares produziu, desde 1981, nove documentos diferentes sobre a situação da Fototeca, alguns a pedido das tutelas, mas só três tiveram despacho e sempre sobre questões laterais.
O EXPRESSO questionou o ministro da Cultura sobre o futuro dos trabalhadores da Fototeca, mas Manuel Carrilho, mostrando-se surpreendido por tal questão interessar ao jornal, afirmou que a mesma não tinha «relevância» para ser analisada no contexto da conferência de Imprensa." ANTÓNIO HENRIQUES
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Sobre o mesmo tema, AH publicou a 21 Nov. de 98 uma "Tribuna" intitulada:
"O palácio adiado"
O ANÚNCIO da construção de um edifício para o Arquivo Fotográfico de Lisboa pode ser visto como uma indiscutível boa notícia para a Fotografia. A nova sede, a ser criada mesmo ao lado da Torre do Tombo, deve reunir o património fotográfico depositado na Fototeca do Palácio Foz e o imenso e ainda desconhecido acervo guardado em minúsculas instalações do Palácio da Ajuda (calculado em três milhões e meio de imagens).
Pela primeira vez, prevê-se que a Fotografia da capital possa ser preservada nas melhores condições técnicas, inventariada e consultada por investigadores e público em geral, ao mesmo tempo que se põe termo à insustentável situação de um serviço que existia sem estatuto legal e cujas obrigações nunca foram definidas - o Arquivo Nacional de Fotografia.
O Ministério da Cultura justifica a decisão pela necessidade de «'unificar' imagens dispersas e de reaproximar o espólio do jornal 'O Século'» - a reportagem fotográfica, actualmente na Fototeca, e o arquivo e biblioteca do jornal, na Torre do Tombo, passam a estar muito próximos fisicamente.
Neste segundo caso, prevalece um princípio arquivístico que diz que os fundos não devem ser desmembrados, antes se deve procurar a sua unificação e, por isso, Bernardo Vasconcelos, director do Instituto dos Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, classificou como «inatacável» a solução anunciada para a Fotografia.
Esqueceu-se, no entanto, de dizer que o mesmo princípio pode ser aplicado ao conjunto do património cultural do Palácio Foz, do qual a Fototeca é o sector mais significativo, mas está longe de ser o único: há uma biblioteca que inclui um dos núcleos mais valiosos do país (a Livraria Duarte de Sousa, com 2500 obras do século XV ao século XX), que tem 18 mil volumes de História Política, Literatura e Comunicação Social, mais de 1200 livros e 700 cartazes do Secretariado Nacional de Informação (SNI - criado em 1933, ainda com outro nome, e que António Ferro diligentemente dirigiu como centro da «política do espírito» de Salazar), um núcleo com 26 mil obras reunidas ao abrigo do depósito legal e, ainda, uma hemeroteca com grande parte dos jornais portugueses.
Olhando este património como um todo, a transferência da Fototeca constitui um desmembramento de espólios, deslocada do contexto onde parte significativa foi produzida - o Palácio Foz, como centro de propaganda e informação do Estado Novo. Desse ponto de vista, a manutenção do património do Palácio Foz é tão inatacável quanto a decisão tomada." (...)
2 - "Uma fundação para o Palácio Foz"
Expresso Actual de 19 12 1998, por António Henriques (extracto)
"UMA PROPOSTA de criação de um núcleo de investigação e de divulgação sobre as estratégias de poder de regimes autoritários, com futura sede no Palácio Foz, em Lisboa, deverá ser entregue, em breve, ao ministro da Cultura. A iniciativa, que reuniu, esta semana, um grupo de cidadãos no Clube de Jornalistas - e à qual se associaram testemunhos escritos de personalidades que não puderam estar presentes - surge na sequência do anúncio governamental de constituição do Arquivo Fotográfico de Lisboa (AFL), em edifício a ser construído junto à Torre do Tombo. Com data prevista de conclusão para 2001, o novo imóvel vai receber vários espólios, incluindo as mais de 300 mil espécies fotográficas da Fototeca do Palácio Foz, um património fundamental para fazer a História do século XX português.
Sem pôr em causa a decisão de criar o AFL, os elementos deste movimento pretendem criar uma Fundação em que se reúnam todos os espólios que tenham a ver com as estratégias propagandísticas de regimes autoritários, com óbvio destaque para a documentação do Estado Novo. «Trata-se de constituir um património integrado independentemente do suporte (fotografia, livros, ou outra documentação) e de o fazer reanimando o Palácio Foz. A criação do AFL é importante, pelo que a nossa proposta é paralela à decisão do Ministério da Cultura», disse ao EXPRESSO o investigador e professor do ISCTE, José Rebelo, presente no encontro.
(...)
A ser aceite, a proposta obrigaria à reavaliação da documentação a transferir do Palácio Foz para o AFL, nomeadamente a que diz respeito ao estabelecimento e manutenção no poder do regime de Salazar e à possível transferência de espólios dispersos por várias entidades, sobre aquele tema, para o palácio dos Restauradores.
Segundo José Rebelo, a Fundação tem três grandes objectivos: encorajar a investigação e troca de informação sobre regimes autoritários, em geral, e sobre o salazarismo em particular (uma das prioridades é a ligação a instituições especializadas da Europa que se dedicam, precisamente, ao estudo dos regimes totalitários), divulgar essa investigação junto da população mais jovem (o historiador Vítor Viçoso, outro dos presentes no encontro, disse que «há uma amnésia entre os jovens relativamente ao Estado Novo») e abrir o Palácio Foz, onde estão sediados múltiplos organismos da administração estatal, ao público e aos investigadores - designadamente estudar o aproveitamento de uma sala de cinema desactivada, de uma biblioteca totalmente restaurada, mas fechada ao público desde 1991, e da chamada Sala dos Espelhos, um espaço ricamente decorado que, segundo José Rebelo, devia ser aproveitado para sessões de divulgação e exposições.
Outro dos pontos referidos no encontro prende-se com o espírito da Fundação a ser criada. «Prolongar o exemplo dado pela Fototeca», disse aquele investigador; «uma perspectiva não mercantilista de utilização dos arquivos», segundo o jornalista e escritor Fernando Dacosta, que se referia, igualmente, ao trabalho desenvolvido pela Fototeca do Palácio Foz. Andrade Moniz, professor da Universidade Nova de Lisboa, que não esteve no encontro, foi mais duro num depoimento escrito para a ocasião: «Tal medida centralizadora (transferência da Fototeca), prescindindo de um rico espaço próprio, identificado com a sede governamental da maioria da documentação recolhida e exposta (...) cria condições para uma eventual e lógica subalternização de tão rico património cultural.» Este investigador adianta ainda que o actual responsável da Fototeca, Avelino Soares, deveria continuar a gerir o espaço que criou e dinamizou. «Como já é costume ancestral entre os nossos governantes, a medida ignora e estrangula o aproveitamento de recursos humanos», diz, referindo-se ao afastamento daquele técnico do processo de transferência e da futura configuração do AFL.
O especialista de Fotografia António Sena, enviou um depoimento no mesmo sentido, ao falar da Fototeca: «Ao contrário de todos os outros Arquivos Fotográficos, fechados a sete chaves, com a sua organização disfarçada de burocracia, no Arquivo do Palácio Foz sempre se deu prioridade absoluta à divulgação de imagens e à sua organização, aberto a qualquer investigador e, apesar dos poucos meios disponíveis, com a generosidade de um responsável que nunca se cansou de proporcionar as melhores condições de trabalho.»
Estes depoimentos serão parte substancial de um texto a ser enviado ao ministro Manuel Maria Carrilho, antes do início da transferência da Fototeca para instalações provisórias na Torre do Tombo, prevista para Janeiro próximo. O futuro AFL vai receber, assim, o único serviço organizado e aberto ao público, não tendo ainda sido anunciado quando se fará o mesmo com os quase quatro milhões de fotografias no Palácio da Ajuda (ex-Arquivo Nacional de Fotografia) e quando irá começar a anunciada incorporação, na Torre do Tombo ou na Biblioteca Nacional, da documentação dos serviços de propaganda e informação de Salazar, depositada, em parte, num armazém em Queluz. ANTÓNIO HENRIQUES
Sobre o mm tema da Fundação e do Palácio Foz, o Rui Rocha respondeu com outra "Tribuna" a 24 12 98, intitulada "A última morada"
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Ainda tenho o "Relatório sobre a Situação da Fototeca do Gabinete de Apoio à Imprensa - pelo responsável da Fototeca Avelino do Coração de Jusus Soares, técnico de 1ª classe - Lisboa, 22 de Fevereiro de 1994". Então Direcção-Geral da Comunicação Social.
Com o Espólio Iconográfico da Secção de Fotografia do Ex-SNI da DGD (1910-1983): 53.750 negativos; 24.010 zincogravuras; 12.399 diapositivos. O Espólio Iconográfico de "O Século" (1900-1976)... , o do "Diário Popular" (6 mil zincogravuras)... Em geral as provas em papel (albuns?, bolsas temáticas e onomásticas) não são referidas (desapareceram? ou não existiam antes de? )...
Quando queria e tinha confiança nos interessados, o Avelino Soares era muito eficaz. Julgo que foi ele o salvador do Arquivo e que foi maltratado no processo de transferência, anunciado em 1996 e concretizado depois de 1998, certamente em 1999. Falava-se à época em construir um edifício atrás da TT para sede do Centro Português de Fotografia... Também conservo umas folhas de "Mensagens" que ele ia afixando nas paredes e nos móveis. Uma folha da Susan Sontag e duas dele, por exemplo: "MENSAGEM: - As imagens são nacos de vida, pedaços da natureza seleccionados pela 'veduta' do fotógrafo ou pela 'visione' do artista; - Reproduzem fracções do 'χρονοσ' e, por vezes, a fruição de um "καιροσ" (...)" Era um personagem.
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