Exposições I (1994-1997) - II
RICARDO RANGEL, «Histórias de Moçambique», 1998
JOSÉ HENRIQUES E SILVA, «Pescadores Macua, Baía de Nacala, Moçambique, 1957-1973"
BRUCE GILDEN, «Haiti»
PEPE DINIZ, "Em Maputo"
ANTÓNIO PASSAPORTE, «Postais de Lisboa»
CARLOS GUARITA, «Teatro das Estações», 1999
MARIANO PIÇARRA, «Grave»
JOSÉ MANUEL RODRIGUES, «Chorar por Água»
LISBOA ANOS 90 – IMAGENS DE ARQUIVO
1998
LISBOA E O AQUEDUTO
(31-01-1998)
Voltando a mergulhar nos seus espólios, o Arquivo oferece uma exposição temática e um catálogo monográfico de excelente impressão centrados num dos mais poderosos emblemas de Lisboa, o Aqueduto das Águas Livres. Na sua montagem, a mostra acompanha o traçado do monumento desde Belas e depois as suas ramificações urbanas, até aos chafarizes que asseguravam o abastecimento público; a seguir, documenta a transformação da paisagem urbana em torno do Aqueduto, detendo-se nomeadamente na evolução do Vale de Alcântara, desde as primeiras imagens das hortas até à abertura da Av. C. Gulbenkian em 1966, e na destruição do troço até às Necessidades para dar passagem, em 1949, à Av. Infante Santo. Entre os fotógrafos representados, Joshua Benoliel está presente com uma peculiar atenção à paisagem humana. Na segunda galeria mostram-se as páginas de um álbum de 1880-90 sobre os chafarizes de Lisboa. Entretanto, mantém a Câmara a antiga prática de documentar fotograficamente a constante transformação da cidade? Que espólios se constituem hoje para as futuras exposições do Arquivo? (Até 21 Fev.)
da série O Pão nosso de cada noite, 1960-70
RICARDO RANGEL
«Histórias de Moçambique»
(07 de Março de 1998) "Um fotógrafo de África"
O Arquivo de Lisboa apresenta Ricardo Rangel, grande repórter dos tempos coloniais e da independência de Moçambique
+ (21-03-98, in artigo «Primavera fotográfica»)
...estabelece-se como um admirável observador-construtor de uma realidade africana que nos é sucessivamente próxima (Lourenço Marques colonial, a rectaguarda nocturna da Rua Araújo) e distanciada (pós-independência), sem substancial diferença na mesma austeridade humanista do seu olhar crítico.
JOSÉ HENRIQUES E SILVA
«Pescadores Macua, Baía de Nacala, Moçambique, 1957-1973»
(22-08-98)
Entre 1957 e 1973, J.H.S., engenheiro a trabalhar em Nacala, foi fotografando os habitantes da região, pescadores Macua. Esse espólio, brevemente dado a conhecer em 1983, no Ar.Co, foi agora objecto de uma mais ampla pesquisa por parte dos fotógrafos Joana Pereira Leite e Michel Waldmann, acompanhada com a edição de um álbum, coeditado pelo Arquivo da CML e a Comissão dos Descobrimentos, com «design» de Victor Palla. Mais do que um projecto de observação etnográfica, que não é, sem por isso deixar de ter importância documental, a sua prática amadora da fotografia resulta de um modo de relacionamento aberto e interessado com a comunidade local, que na sua espontaneidade despretenciosa, atenta ao outro e à vida, se identifica calorosamente com o espírito humanista de «The Family of Man». (Até 17 Set.)
(05-09-1998) "Retratos de África"
Um espólio colonial em exposição e livro. Uma obra que fez da paixão da fotografia uma experiência de vida e fraternidade
BRUCE GILDEN
«Haiti»
(03-10-1998)
Não costumam circular por Portugal as exposições que acompanham as grandes edições fotográficas internacionais, favorecendo-se geralmente, nas instituições e nas galerias, a divulgação pontual da fotografia que aspira ao mercado das artes plásticas, do que resulta um entendimento parcial e distorcido da realidade da fotografia contemporânea. «Haiti» é uma excepção e apresenta-nos um fotógrafo nascido em 1946, em Nova Iorque, membro da Magnum, através de um trabalho de longo fôlego sobre um pequeno país das Caraíbas que foi, em 1804, a primeira república negra do mundo, formada por descendentes de escravos africanos. Exp. e álbum resultam de 16 viagens ao Haiti, desde 1984, sendo o seu trabalho parcialmente publicado a partir de 1990 e editado em livro em 96 (Dewi Lewis Publishing, Grã-Bretanha, e Editions Marval, Paris, distinguido com o prémio dos editores europeus). As datas são importantes para contrariar a habitual celeridade dos «levantamentos» nacionais e o culto das notoriedades meteóricas. Gilden mergulha literalmente entre uma população negra assombrada por sucessivos regimes de terror policial e confiada aos rituais do culto vudú, para, como ele próprio diz no prefácio ao catálogo lisboeta, «explorar o coração e a alma de um povo singularmente contraditório». Excluindo todo o exotismo e qualquer julgamento moral, em imagens de extrema violência, o fotógrafo distancia-se dos códigos da informação (o «scoop») para procurar tornar visível o que é o profundo dualismo do povo haitiano, entre «paixão e apatia, crueldade e fatalismo, resignação e desespero», em busca de «uma imagem tão realista quanto virtualmente surreal». (Até 24)
(17-10-1998) "O céu e o inferno"
Um mergulho no mais pobre país ocidental, à procura da singularidade contraditória de um povo
DEPOIS do êxito popular do World Photo Press, vale a pena sugerir a passagem ao degrau seguinte. Do fotojornalismo sintetizado pelas regras do concurso e sujeito às exigências dos «media» para a condição mais livre do ensaio fotográfico, que só tem como canais de circulação possível o livro e a exposição. Haiti, de Bruce Giden, premiado e publicado em 1996 por uma «pool» de seis editores europeus (Dewi Lewis Pub., GB, e Marval, Paris, etc) é um objecto muito raro nos circuitos das galerias nacionais.
Nascido em Nova Iorque em 1946, Bruce Gilden visitou pela primeira vez a ilha das Caraíbas em 1984 e fotografou-a ao longo de 12 anos em 16 visitas de cerca de três semanas cada uma («quantas fotografias muito boas se conseguem fazer num ano?», pergunta ele). A cerca de três horas de avião encontrou o inferno do país mais pobre do hemisfério norte, mas o seu trabalho não é um relato, panfletário ou esteticizado, dessa dramática miséria; fruto de uma estranha paixão, pretende ser um «estudo sobre o coração e a alma de um povo singularmente contraditório», excedendo a condição habitual da reportagem e também a poética projecção subjectiva do olhar do fotógrafo viajante.
A história do Haiti teve momentos de glória com a primeira independência negra do mundo, em 1804, e episódios da mais sinistra opressão com o regime de Papa Doc Duvalier, que não se extinguiram com a sua queda em 1971; ainda em anos muito recentes o presidente-padre Aristide, eleito democraticamente, foi apeado pelo exército e reposto pelas ONU e as tropas americanas. Gilden não fotografou as convulsões das sucessivas ditaduras militares, nem a ordem paradisíaca das praias turísticas, nem o exotismo das práticas tradicionais do vudú. Aliás, não saberemos exactamente o que Gilden fotografou.
O seu trabalho é mais rico de sentidos, mais denso e mais perturbador sem as legendas que distinguiriam, como apaziguadoras explicações, a idêntica dureza do trabalho e da festa, a violência da repressão e dos rituais religiosos, a imagem do quotidiano e o acontecimento único. Entretanto, no prefácio do livro, Ian Thomson faz a história de um povo descendente dos escravos negros que continua a viver «num país em putrefacção» com «uma elegância fatalista e um clarão soberbo e diabólico nos olhos».
Há uma intensidade física dos corpos que percorre as suas imagens, belos e cruéis, altivos e desesperados. O fotógrafo regista-os de muito perto e sempre com a mesma grande angular, como que participando da acção, seccionando brutalmente as figuras ou surpreendendo as rede dos olhares cruzados, deixando a própria sombra projectada em alguns retratos. Às vezes, a sua câmara em movimento define com a luz do flash os rostos mais próximos e deixa as figuras posteriores pairarem desfocadas como espectros. O calor, o sangue, o medo, a morte estão presentes por toda a parte, contidos ou surpreendidos numa irrupção explosiva. Mas nenhuma regra uniforme se estabelece como código de acesso ao que o fotógrafo refere como o intrínseco dualismo da cultura haitiana, permanentemente instável entre o sonho e o pesadelo, a apatia e o caos. Entre a coreografia solar das cenas de rua e a alucinação dos transes rituais, ou a extrema violência dos sacrifícios animais, persegue, como ele próprio diz, a possibilidade de «captar com uma única fotografia uma imagem tão realista quanto virtualmente surreal».
Gilden aponta Lisette Model como a sua maior influência, admirando as formas graficamente muito fortes a par do intenso conteúdo emocional das suas fotografias. O mais importante de uma fotografia é o mistério, diz também o fotógrafo. A violência e o ritmo vertiginoso das imagens de Gilden, na exposição e na montagem seca do album, tornam-se por vezes insustentáveis, mas aquele mistério é sempre o da procura de uma verdade mais humana.
PEPE DINIZ
(21-11-98)
Outra vez Moçambique, depois de Ricardo Rangel e Sérgio Santimano, a confirmar a coerência de um projecto. Em «Em Maputo», reunindo fotografias feitas ao longo de vários anos P.D. viaja por uma cidade estranhamente construída pela sobreposição da urbanização moderna e dos bairros de caniço, percorre os mercados informais, retrata os intelectuais reconhecidos e a gente anónima. É um projecto jornalístico e a informação que fornece prolonga-se com acerto na legendagem facultada em folhas de texto. (Até 5 Dez.)
ANTÓNIO PASSAPORTE
(31-12-98)
A mostra chama-se «Postais de Lisboa» e teria ganho em juntar as impressões recentes de uma colecção de negativos adquirida pela CML com os postais editados pelo autor (1901-1983). É um notável testemunho sobre a radical modernização da cidade ao longo dos anos 30-40 que o Arquivo apresenta, confirmando também o interesse de um fotógrafo que José Luís Madeira incluíra em «Rever Lisboa» (1989) e que Manuel Miranda revelou em «Fardas Novas Estado Novo», nos Encontros de Braga de 98. (Até 13 Fev.)
1999
CARLOS GUARITA
«Teatro das Estações»
(17-07-99)
Foto-repórter de carreira inglesa (nasceu em Londres de pais emigrantes, em 1946), Carlos Guarita publicou trabalhos nos grandes magazines internacionais e ganhou em 1995 um primeiro prémio World Photo Press com a série «Teatro de Guerra», sobre os mercados de equipamentos bélicos. Em «Teatro das Estações» apresenta um projecto inédito desenvolvido desde há vários anos em torno das manifestações rituais que assinalam as mudanças das estações e, em especial, a chegada da primavera. Enquadrada por duas fotografias do pôr do sol visto do interior da sala do trono do palácio de Cnossos, em Creta, nos solstícios de Verão e de Inverno (observação de um alinhamento arquitectónico que terá passado despercebido aos arqueólogos), a exp. reúne 40 imagens a preto e branco realizadas principalmente em Inglaterra e Portugal, mas também em diversos outros países europeus, em meios rurais e urbanos, testemunhando cerimónias colectivas e práticas festivas ou ritualizadas, que em geral têm em comum o culto da árvore e a celebração da natureza (cruzes de Maio, ramos bentos, etc). Identificado pelo autor como um «documentário subjectivo» e um projecto de «trabalho sem fim: fotografar a dança da vida», este é também um projecto com interesse antropológico, que foi acompanhado pela edição de um catálogo. (Até 14 Ago.)
MARIANO PIÇARRA
«Grave»
(18-09-99)
A galeria é ocupada por 18 dípticos (quase dípticos, aliás), cada um deles constituído por uma folha original manuscrita e muito rasurada dos aforismos de José Marinho (Aforismos Sobre o que Mais Importa, Imprensa Nacional, 1994), e uma fotografia oculta sob uma portada de madeira que o observador deverá abrir e que se voltará a fechar sozinha pela força de um peso pendente. Assim exposta a escrita quase ilegível, é para a fotografia escondida que se convoca uma «leitura» demorada, atenta à delicadeza da impressão dos jogos de luz e sombra, à decifração das aparências e dos seus sentidos, à interpretação da possível conformidade com o texto junto - o qual se transcreve no catálogo e em folhas facultadas ao visitante. Datadas de 1987 a 96, localizadas de Mértola a Freixo-de-Espada-à-Cinta, estas imagens dão sequência a uma já conhecida «reflexão» sobre como se confundem no registo fotográfico as coisas e as suas sombras, prolongada pela observação da matéria em movimento, na configuração magmática de um relevo pedregoso, na ondulação de um solo vegetal ou na textura viva de uma parede, onde se inscrevem os sinais de um tempo vivido como morte e ressurreição, enquanto outras fotografias surpreendem a manifestação directa da luz, como poder de revelação (a janela fechada, o caminho entre o arvoredo) ou possibilidade da ilusão. Apreciado o trabalho anterior de M.P. («Carneiro» e «Cenotáfio», em 1993; «Obraçon», no Museu do Chiado, em 1996, ou as fotografias da Guiné, nos Encontros de Coimbra também de 96, ambos numa outra direcção documental), poderá observar-se que o presente projecto - intitulado «Grave» - faz coincidir uma insistente atracção formalista com os limites previsíveis da ambição especulativa, num processo que corre o risco de ficar ensimesmado sobre a sua retórica. O interesse do filósofo ou pensador tomado por referência será matéria controversa, mas a concepção artificiosa e rebuscada da instalação, e também do catálogo que a acompanha, carrega sobre a relação texto-imagem (e em especial sobre as fotografias) um constante efeito de sobre-design, distante da eficácia imaginativa de outras montagens do mesmo autor. (Até 16 Out.)
JOSÉ MANUEL RODRIGUES
«Chorar por Água»
(in EXPRESSO, Cartaz, 6 Nov. 99, pp. 22-23) "De viagem" - Quatro fotógrafos à volta do mundo, expostos em Lisboa e Porto)
Cabo Verde, 1997, Brava
(...)«Chorar por Água», de José M. Rodrigues, mostra 76 fotografias realizadas em Cabo Verde em 97, com uma bolsa do Centro Nacional de Cultura, quase todas inéditas, embora algumas tivessem surgido em «À Prova d'Água» e na retrospectiva «Ofertório» produzida pela Culturgest. Ganham agora a dimensão de um imenso testemunho apaixonado sobre o arquipélago, retrato ao mesmo tempo fascinado e dorido de um paraíso agreste, feito de solo ressequido e mar à volta, no mistério de uma celebração da natureza e da perfeição das coisas, mesmo se a terra é ingrata e o cenário desolador.
Num belo texto de prefácio ao catálogo, o fotógrafo enuncia a sua arte poética: «Parti para Cabo Verde com a mesma disposição que o papel branco sente, quando se deita sob o ampliador: deixar-me impressionar pela luz e por toda a sua aura». A recusa de qualquer outro programa («conceptual»?) assegura-lhe a imensa disponibilidade perante o que só ele sabe ver – «imagens deslumbrantes e inexplicáveis, isto é, sem nome real». Ilha a ilha, visitadas ao longo de um mês, as fotografias percorrem centros urbanos, portos e vestígios do império, alguns interiores, por toda a parte o chão árido, os tanques abertos para recolher a chuva esperada, a areia preta do Fogo, «as árvores raquíticas que escalavam timidamente os céus, ao longo de anos sem água», palmeiras e arbustos a recordar o deserto caótico de Friedlander, a vizinhança constante do mar e às vezes uma ilha próxima adivinhada entre nuvens, a terra e a gente, nos retratos frontais, feitos com a pose cúmplice dos modelos, e os olhares das crianças.
A mostra estende-se pelas duas galerias do Arquivo, em provas de dimensões variáveis (12x16 a 38x46,5 cm), mostrando como a escala que constrói a imagem, na relação dos corpos com a paisagem, ou confundindo dimensões e distâncias, não decorre da ampliação inútil dos formatos. Em grupos de geometria variável, ordenam-se sequências temáticas e brinca-se com correspondências e oposições formais ou com a sugestão de continuidades entre enquadramentos. Concentram-se em pequenos núcleos que ora agrupam paisagem de montanha ora apontam a importância que o peixe tem para os ilhéus, adiante fazem referência à musica («é na música que o corpo sofre a paisagem e a verte numa liquidez redescoberta por pura magia e encanto»), para depois mostrarem as encostas minuciosamente escavadas em socalcos semeados, aguardando a chuva, em Santo Antão, e, no final, a galeria dos retratos, sempre altivos ainda que marcados pela pobreza e a adversidade. A acompanhar a mostra (até dia 27), fica a edição de um catálogo magnificamente impresso por António Coelho Dias S.A."
LISBOA ANOS 90 – IMAGENS DE ARQUIVO
Arquivo Fotográfico Municipal e Convento do Salvador, em Alfama
18-12-99
O Arquivo Municipal retoma as encomendas a fotógrafos contemporâneos, como fizera em décadas recuadas, de modo a actualizar o seu espólio e os seus serviços com documentos actuais e novos olhares qualificados. O projecto ver-se-á em três exposições, mostrando a primeira trabalhos de António Pedro Ferreira, Michel Waldmann e Paula Ferreira, num conjunto diversificado e de grande qualidade. (Até 8 Jan.) Hoje às 18h inaugura a participação de Eurico Lino do Vale (retratos) no Convento do Salvador - Centro Magalhães Lima, ao Miradouro de Santa Luzia (Alfama).
(24.12.1999 - in artigo "Imagens cruzadas")
Com o projecto «Lisboa Anos 90 – Imagens de Arquivo», o Arquivo Fotográfico de Lisboa estabelece um novo patamar numa actividade que se foi impondo pela qualidade crescente das suas exposições e edições, para lá da actividade regular de aquisição de antigos espólios, catalogação e disponibilização ao público do seu património. Trata-se agora de retomar uma prática de encomendas que se interrompeu nos anos 60, voltando a incorporar nos seus fundos as imagens vivas da cidade em mutação. É surpreendente, aliás, que a construção da ideia de património tenha coincidido com a instauração de um corte com a produção contemporânea, depois dos tempos em que a Câmara de Lisboa encomendava trabalhos sistemáticos a Judah Benoliel, António Passaporte ou Eduardo Portugal.
António Pedro Ferreira, Michel Waldmann e Paula Figueiredo, expostos no Arquivo (só até 8 de Janeiro), apresentam uma primeira parte do projecto, que, a partir do dia 14 de Janeiro prosseguirá com novas imagens de Luís Pavão, Paulo Catrica e Pedro Letria, já visíveis no magnífico livro editado pelo Arquivo. Em paralelo, a contribuição de Eurico Lino do Vale, dedicada a retratar a população de Alfama, apresenta-se no Convento do Salvador – Centro Magalhães Lima (até 13 de Fevereiro).
António Pedro Ferreira interessa-se pelas pessoas, o que é bem diferente de tomá-las por objecto de rapina fotográfica. É o espaço habitado ou paisagem habitada, são as relações entre as pessoas, as redes geométricas entre os rostos, os olhares surpreendidos ou oferecidos ao fotógrafo que ele persegue, com um sentido único da intimidade de cada personagem. Contrariando a prevenção actual contra as alegadas violações da privacidade (que leva os outros fotógrafos a despovoarem a cidade ou a mostrarem apenas longínquos vultos e figuras sempre de costas), é um foto-repórter que ainda não desistiu de olhar os seus semelhantes e que mostra que a fotografia pode ser um exercício de afectos.
Michel Waldmann, fotógrafo belga fixado em Lisboa e já autor de um valioso inventário dos cine-teatros do país, estabelece em formato panorâmico um percurso pela paisagem urbana rasgada pelas vias de comunicação. Viadutos (chegam a ser cinco confluindo num mesmo aparente nó, em «Piano», Av. de Ceuta), comboios e estações, as docas, vias rápidas e também inúmeras passagens de aviões, mais um foguetão de brincar num jardim infantil, sucedem-se em imagens fragmentadas pelos constrastes urbanísticos e atravessadas por extremas distâncias focais, onde o formato alongadamente horizontal das panorâmicas se desenha como uma instável síntese de mutações e sobreposições.
Paula Figueiredo, fotógrafa do Arquivo, concentra-se nos jardins e parques (Monsanto, Bela Vista – Chelas, Eduardo VII, Vale do Silêncio – Olivais), usando muito bem uma cor depurada em vistas amplas sobre relvados e frentes de árvores, numa inesperada viagem guiada por Lisboa e noutro trabalho de qualidade.
Entretanto, Eurico Lino do Vale concebeu um projecto de retratos sistemáticos, realizados em estúdios improvisados que montou em vários lugares de Alfama, conquistando a cumplicidade dos modelos graças a pacientes estratégias de abordagem. «Tirados» com luz natural diante dum pano preto, em formato quadrado, constroem uma galeria muito diversificada das personagens do bairro, acolhendo com uma atitude minimamente directiva os rituais da pose e a construção intencional de cada imagem pessoal, num processo partilhado que se continua pela exposição realizada no coração do próprio bairro, numa sala magnífica que pôde ser recuperada para o efeito.
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