depois de 1989... (as comemorações do 150º aniversário da divulgação da fotografia, a criação da Colecção Nacional de Fotografia ou Colecção SEC)
Modos de ver
COLECÇÃO DE FOTOGRAFIAS DA SEC
Galeria Almada Negreiros
"1939-1989 - Um Ano Depois» repara, com mais alguns dias de atraso, a quase total desatenção portuguesa à passagem dos 150 anos da divulgação da fotografia. É uma exposição sobre a respectiva história, que se inicia com um calotipo de 1844 de Fox Talbot e se encerra com uma imagem de Koudelka de 1989. É ainda uma espécie de relatório do desempenho de uma função confiada pelo Estado a Jorge Calado: criar em Portugal a primeira colecção pública de fotografia.
A exposição inclui cerca de 150 imagens de um total de 346 que correspondem a dois anos de aquisições. Não se trata de uma colecção completa e fechada: tratou-se, por um lado, de aplicar uma verba pré-estabelecida e relativamente exígua (10 mil contos por ano) e, depois, faz parle do projecto inicial que em anos seguintes outros comissários se ocupem rotativamente de alargar o património fotográfico da SEC, com os seus critérios e interesses próprios. (Espera-se que a SEC não interrompa este projecto e, por outro lado, que não restrinja a esta acção a sua actividade no campo da fotografia: outras linhas de actuação, igualmente indispensáveis mas que não devem confundir-se com a formação da colecção pública, dirão respeito ao apoio do trabalho dos fotógrafos portugueses, dos grandes acontecimentos de divulgação da fotografia, como os Encontros de Coimbra e outros, da organização de exposições monográficas e retrospectivas, portuguesas e estrangeiras, e também da acção das galerias e outras entidades que têm dado os primeiros passos na criação de um público e de mercado para a fotografia.)
Se a colecção agora apresentada é, de facto, o arranque de uma colecção, sucede também que Jorge Calado conseguiu que o conjunto de fotografias reunido fosse um corpo coerente, um olhar globalizante sobre a multiplicidade de direcções que a fotografia comporta: um discurso que percorre todo o arco histórico dos 150 anos da fotografia e que se ramifica em direcções específicas como, por exemplo, a fotografia científica, a publicidade, o fotojomalismo (a moda é uma lacuna que se reconhece), ou, numa outra leitura, que percorre a evolução dos processos técnicos de captação e impressão das imagens.
Por outro lado ainda, esta colecção histórica é uma colecção portuguesa e o seu comissário entendeu que essa não era uma condição irrelevante: procurou por isso que as fotografias feitas por estrangeiros cm Portugal consituissem um dos eixos estruturantes da colecção (e não um núcleo distinto), bem como sinalizar o trabalho de autores que influenciaram mais directamente os fotógrafos portugueses. Quanto a estes últimos, observa-se a inclusão na colecção de alguns nomes ao «acaso» da descoberta de certas peças históricas, da entrada no mercado de algumas provas «vintage» dos anos 50 que era urgente salvaguardar para o acervo público, ou das opções de gosto do comissário em consonância com a disponibilidade de colaboração dos próprios fotógrafos; de qualquer modo, a fotografia portuguesa, sobre a qual não se exercem ainda fortes pressões de mercado, não constituiu em si mesmo uma primeira prioridade das aquisições.
Transformar (o início de) uma colecção numa exposição, legível não como uma circunstancial acumulação de objectos reunidos ao sabor dos acasos do mercado mas como um discurso coerente, globalizante e ao mesmo tempo aberto a infindáveis derivas, constitui uma das «proezas» do comissário: tratava-se de dar sentido(s) à sequênciação das fotografias expostas e de estabelecer múltiplas pistas de leitura através da associação das imagens, graças à constituição de sucessivos núcleos com uma lógica histórica, ou temática, ou formal, ou interpretativa, e, dentro de cada um deles, de estabelecer aproximações que podem, por exemplo, contrariar a sequência cronológica ou sublinhar relações formais, geográficas, etc.
Todo esse «jogo» que é visualmente proposto ao espectador se prolonga depois no texto do catálogo por uma rede ainda mais larga de referências, passando da evolução histórica à análise da singularidade dos autores, e das informações conjunturais ao relacionamento permanente com as outras artes, assim trocando as cómodas «gavetas» da História pelo destacar dos problemas, das atitudes, das emoções que todas e cada uma das imagens conservadas sugerem a um observador disponível para algo mais que um contacto historicista com os objectes. A habitual história da fotografia reduzida à sucessão mecanicamente evolucionista de estilos e períodos dá lugar a «Uma história à volta de fotografias». (Av. da República 16 - 10-20h excepto à 2ª. Até 3 Mar.)
FOTO: John Vachon, Fredericksburg, V.A., 1936
FOTOGRAFIAS
5 Jan. p. 11
O título por extenso é «1839-1989 / Um Ano Depois / Colecção Nacional de Fotografia». Trata-se da apresentação dos resultados de dois anos de aquisição de fotografias para a colecção da SEC e vem acompanhada pela edição de um magnífico livro/catálogo que é também da responsabilidade de Jorge Calado, com a colaboração da Ether. Inaugura-se na 3ª às 18h30, numa galeria renovada na sua direcção (Fernando Calhau e Delfim Sardo) e na sua arquitectura interior. De Talbot (1844) até Koudelka (1989), de Abbott até White, não se esgota a história nem o presente da fotografia, mas prova-se que é possível (com pouco dinheiro, 20 mil contos atribuídos em dois anos) lançar os fundamentos de uma colecção nacional, exemplar quanto a critérios de aquisição e quanto à diversidade das direcções exploradas (incluindo a publicidade, o fotojomalismo, por exemplo) - com prioridade a zonas históricas do séc. XIX e até 1940 «por razões económicas e de mercado» -, e ao mesmo tempo fundada no gosto e no conhecimento pessoal do comissário responsável. Particular relevo foi concedido às fotografias feitas por estrangeiros em Portugal, e aos fotógrafos que exerceram mais influência na fotografia portuguesa, assim se construindo uma outra vertente específica num «discurso» aberto à pluralidade de leituras. Destaque ainda para a inclusão de três fotógrafos do Expresso, Rui Ochôa, António Pedro Ferreira e Luiz Carvalho. É uma colecção que programaticamente assume a necessidade de ser continuada, com outros projectos e critérios.
(19 Jan. p. 9)
Entra-se «por» um metropolitano de Londres durante a última guerra (de Bill Brandt; é a entrada na caverna e também uma metáfora da câmara escura) e chega-se ao fim com os deserdados do Sahel (Sebastião Salgado; imagem actual que é também a de um possível futuro apocalíptico): o percurso por toda a história da fotografia não se encerra num qualquer entendimento auto-referencial da especificidade e da evolução do «medium» fotográfico, antes é um permanente abrir de pistas de observação e interpretação do mundo. Trata-se de apresentar o início de uma colecção pública de fotografias (da iniciativa da SEC e da responsabilidade de Jorge Calado), mas a exp. constrói-se não como um somatório de imagens e de autores - muitos deles célebres, outros menos conhecidos - mas como uma teia de sentidos onde as técnicas, as disciplinas, os estilos, os temas dialogam entre si com a coerência de um discurso pessoal sobre a fotografia. Para além de uma montagem que enriquece o material exposto, registe-se a qualidade excepcional do catálogo editado.
FOTOGRAFIAS DA SEC
(2 Fev.)
Uma colecção não é um sumário ou um índice e uma exposição ainda menos; ela existe (mesmo que seja o começo de uma colecção) como espaço simultaneamente aberto a novos objectos e fechado na totalidade de um olhar que se patenteia no discurso expositivo - e, preenchendo e ultrapassando a obrigação de ser didáctico, na coerência de um discurso escrito que o catálogo inclui. O itinerário proposto por Jorge Calado fragmenta-se em lição de história, em indicação de disciplinas ou géneros, no sublinhar dos suportes, processos e edições; isola núcleos alargados como os relativos à «Camara Work» de Stieglilz e aos fotógrafos da Farm Securiry Administration: revê os olhares estrangeiros sobre Portugal como recuperação patrimonial obrigatória e como hipótese de diálogo com os fotógrafos portugueses; interrompe-se em pequenas derivas como as que se ocupam das figurações do divino ou das fainas agrícolas. E se alguma sequência sumaria toda uma relação, erudita e apaixonada, com a fotografia é a que vai das experimentações de Rossler, Kertesz e JoAnn (sic) Frank até às viagens autobiográficas de Danny Lyon, associando os extremos da abstracção e do ensaio fotográfico, a objectividade e a atitude confessional, os retratos da América e de si próprio de Robert Frank, num percurso sinalizado pela recorrência de olhos e focos luminosos (JoAnn Frank, Robert Frank, Blumenfeld, Eugene Smith), porque de luz e de saber ver se trata.
23 Fev. REVISTA: Uma árvore com muitos ramos, COLECÇÃO SEC, p. 37
109 FOTOGRAFIAS
Centro Cultural de Lagos
(18 Set. 1993)
Fotografias da Colecção da SEC na sua primeira apresentação depois da exp. inaugural de 1990-91, na extinta Gal. Almada Negreiros. É a oportunidade para recordar três factos: o crescimento da colecção foi bloqueado depois de apenas dois anos de aquisições (não se trata de uma colecção completa, mas do início de uma colecção pública); a circulação da colecção foi inviabilizada até agora, apesar de várias solicitações (fazia parte da última temporada de Serralves, mas não foi cedida pela SEC, por insondáveis razões); não se decidiu, entretanto, qualquer futuro institucional para a colecção, que lhe assegure, além da ampliação, a conservação, o estudo e a divulgação.
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