A lista "Exposições seleccionadas (1946-1954)" incluída no catálogo do Museu do Chiado (pág. 85) é uma pista para um inventário ainda incompleto: o terreno é pouco frequentado, a bibliografia escassa, as bibliotecas não têm todos os catálogos do tempo [há boas novidades quanto a bibliotecas...]. Mas ao enumerar as fotografias apresentadas nos primeiros Salões, incorre-se num lapso que é frequente - Adelino Lyon de Castro concorria em seu nome e com nomes de empréstimo, prática muito habitual desde o séc. XIX que permitia apresentar a concurso um maior número de provas e, por hipótese, diversificar as experiências ou estilos fotográficos através de diferentes nomes. O caso de Carlos Relvas será o mais famoso neste género de situações.
O salão da Sociedade Nacional de Belas Artes, no catálogo do 9º Salão Internacional de Arte Fotográfica, 1946
Os Salões anuais são o lugar e a condição de visibilidade dos fotógrafos amadores e pautam a respectiva actividade criativa, uma vez que os materiais são caros, as individuais são raríssimas e não existe um mercado para as provas fotográficas. Associam-se, na mesma condição de amadores, alguns poucos profissionais, por exemplo Artur Pastor, retratistas como Silva Nogueira, e técnicos de fotografia, acompanhados nos concursos por uma participação internacional muito vasta, proporcionada pelos envios colectivos das associações (um incessante movimento de trocas que a II Guerra não interrompera). As mesmas imagens de cada fotógrafo, com os mesmos títulos ou com novos títulos, circulam de Salão em Salão, do concurso principal do Grémio Português de Fotografia para os certames locais, associativos (o Ateneu Comercial de Lisboa, a Voz do Operário, por exemplo, nos inícios dos anos 50) e internacionais, acrescentando-se as vinhetas comprovativas no respectivo verso.
A situação de concurso, que condiciona a admissão e o gosto dos envios, faz parte das regras do jogo. Por outro lado, não se indicam datas para as obras: não importa em geral uma cronologia autoral e estilística, as fotografias vão-se adicionando num corpus atemporal (como sucedia para os pintores de sucesso das primeiras décadas do século XX). O meio da fotografia de Imprensa existe como alternativa de carreira, e profissão, por vezes prestigiadas, e o trabalho documental e o estúdio de retratos constituem outras vias, mas o fotógrafo/artista ainda não existe (até aos anos 80) e a afirmação da vontade de arte, Arte Fotográfica, é nos Salões que subsiste e circula, com uma lógica que se encerra sobre si mesmo nos foto-clubes, nos Salões e nas revistas para amadores. Até a fotografia impressa, em livro, voltar a impôr-se como diferente objectivo e possibilidade (por cá, Lisboa, de Palla & Martins , 1958). Em Espanha, a contestação a essa ordem estética ensimesmada afirma-se pela mesma época (1956-57) mas a partir de dentro das associações contra a "fotografia de exposição".
Logo em 1946, no 9º Salão Internacional de Arte Fotográfica, inaugurado a 9 de Março na SNBA por um representante do Chefe do Estado, A.L.-C. expõe em seu nome Ex-homens (Ex. Homens segundo o catálogo, nº 163, mas será uma gralha), identificando-se como sócio do Grémio (G.P.F.), e mostra Crepúsculo (nº 164) em nome do irmão Francisco, que não consta fosse fotógrafo amador. Ex-Homens é a mais emblemática e mais reproduzida das suas fotografias, e volta a ser exposta em 1950, mas várias provas conhecidas pelo livro de 1980, ou eventuais provas perdidas, podem ter tido o mesmo título da segunda prova, e ficaremos sem a conhecer porque os catálogos da época tinham escassas reproduções. Nesse ano, a "Panorama", a revista do SNI de António Ferro, fez-se eco do Salão em "A Fotografia é uma arte", por Américo Nogueira (nº 29, não pag.), bom exemplo de um nível básico de abordagem sobre o "factor sorte", o processo mecânico e a condição tautológica de artista, o "poder ser" artista-fotógrafo (isto é, é arte quando o fotógrafo é um artista).
Maria Luisa Huet Viana Jorge, Porto, "O 'F-3340'", cat. do 9º Salão e "Panorama" nº 29
Rosa Casaco, "Antes da partida", 9º Salão,catálogo
Em 1947 (10º Salão) aparecem Adelino Lyon de Castro (G.P.F.) com o nº 195 - Faina fluvial; Francisco Lyon de Castro com 196 - Batoteiros e 197 - Barco da Costa, indicando ambos uma mesma morada, e ainda um Tito de Castro com 199 - Labuta e 200 - Solitário (também não sócio do Grémio e com diferente morada). Será certamente o sobrinho Tito, filho de Francisco, nascido em 1945, cujo nome identifica a admiração do editor pelo presidente jugoslavo (essa é uma história política que se associará ao combate do PCP contra o jornal "Ler" que ambos editavam, acusado de revisionismo e "titismo", e que a censura do regime encerrou logo após a morte de Adelino - tema a desenvolver). Vários barcos do Tejo ou da Caparica podem estar por aí representados (ver por exemplo Faina, foto nº 27 do livro de 1980), e vários personagens isolados na paisagem também, ou pode ser o Pescador solitário (foto 26). As dúvidas são irresolúveis.
Lyon de Castro, Barros e sombras
Em 1948 (11º Salão) aparece Adelino com 318 - Um "fadista" e 319 - Barros e sombras (este reproduzido no catálogo e acima), e aparece Tito Lyon de Castro com 321 - Timorense, desconhecido. A escolha da ilustração, com a sua rusticidade prosaica, não é fácil de entender, mas interessará o jogo da luz e das sombras com que se constrói a anedota visual - aqui um jogo simples e cru, popular nos vazos de barro sobre o granito, mas anedótico.
Em 1949 (12º Salão do GPF, agora aprersentado no SNI) é só Adelino que está representado, com 279 - O meu barco, mais uma vez uma embarcação entre muitas possíveis. Mas terá exposto noutro Salão não identificado de Lisboa (1948?, 1949?, e também em Dublin e Charleroi) a fotografia Fragatas no Tejo, que é nesse ano reproduzida com a deferência de uma legenda destacada na revista "Panorama" (já na II Série, pós-Ferro). É mais uma fotografia que se acrescenta ao "corpus" de A. Lyon de Castro:
Lyon de Castro, Fragatas no Tejo (reproduzida em 1949 no "Panorama" nº 39)
José Ortiz Echague, "Morella" (11º Salão, 1948). Uma presença regular em Lisboa
Silva Nogueira à maneira de Man Ray, "Dernier cri...", no 12º Salão, 1949
Não disponho agora dos seguintes catálogos dos Salões do Grémio, mas a lista publicada pelo Museu (só referente a Adelino?) acrescenta para 1950 duas fotos : A Caminho e Na Doca. A primeira pode talvez ser identificada:
"Estrada", ed. 1980 (foto 5), reproduzida no cat. de 2011 com o título "A Caminho", 1950 (pág. 14)
Este é um ano particularmente significativo, porque a fotografia faz a sua entrada na Exposição Geral de Artes Plásticas (5ª EGAP), numa edição de especial investimento unitário após as iniciativas surrealistas e no contexto pós-candidatura de Norton de Matos. É seguramente o arq. Francisco Keil do Amaral, fotógrafo também (pouco) conhecido, que abre espaço para a nova secção e lugar para Adelino Lyon de Castro, enquanto mediador entre diferentes meios políticos, e gosto de pensar que é o termo da publicação do livro de Maria Lamas, As Mulheres do Meu País, 1948-50, que estimula essa abertura. Mas é também muito significativo que o grande investimento crítico que acompanhou a 5ª EGAP, como se verá depois, não abriu qualquer espaço de recepção à fotografia.
Adelino mostra aí os mesmos Ex-Homens vindos de 1946, Descarregador (que pode ser O Fardo, foto 58 da ed. 1980, agora muito presente no Chiado), os mesmos A Caminho e Na Doca, mais Rua em festa e Encontro (nºs 312 a 317 do cat. da SNBA, não ilustradas). A 5ª EGAP é em Maio, o 12º Salão certamente em Março (ou Dezembro?).
É também nesse ano de viragem que tem início a actividade pública dos amadores do Barreiro, quando o Grémio começa a perder a exclusividade e o quadro associativo se anima com o Grupo Câmara de Coimbra, desde 1949, e o Foto-Clube 6 x 6, em Lisboa, em 1950. Por volta de 1937 e do I Salão Internacional (V Nacional) surgira um processo alternativo ao Grémio e de crítica fotográfica que se expressou na revista "Objectiva" , com Álvaro Colaço e António Lacerda Nobre, homens do regime e defensores do "flagrante", mas o Padre Moreira das Neves e a Comemoração dos Centenários acabaram com ela. É outro episódio muito interessante a explorar mais a fundo.
Festa (ed. 1980, foto 50), será a Rua em festa mostrada em 1950?
O I Salão de Arte Fotográfica do Jornal do Barreiro é inaugurado em 10 de Novembro (até dia 17) - no catálogo do Museu do Chiado identifica-se erradamente como Salão do Grupo Desportivo da CUF. E esse concurso é tanto mais importante quanto Adelino Lyon de Castro é o grande premiado, e quanto o carácter progressista (neo-realista) da organização justificará, ao que parece, a sua não continuação. Será substituído por uma nova sequência de Salões ideológica e formalmente tutelados por outra gente, dos quadros da Cuf e do Foto-Clube 6 x 6, que se inicia em 1951 com uma edição restrita a sócios locais do antigo Grupo Desportivo, entretanto renovado com a respectiva secção fotográfica, e se abre a todos os amadores em 1952, no II Salão de Arte Fotográfica do Grupo Desportivo da CUF, Barreiro, em que Lyon de Castro está presente com seis fotos, mas não mereceu a atenção do júri.
No Barreiro, em 1950, A.L.C. expôs Vagabundos, que foi distinguido com o Grande Prémio do Salão do Jornal do Barreiro (é certamente o mesmo que Ex-Homens, aposta partilhada com Emília Tavares), e também Rua em festa, 1º Prémio da secção "Instantâneo", e Juventude, com uma 2ª menção honrosa (retrato). Nesse mesmo Salão apareceu Augusto Cabrita, também premiado (Ruinas, na secção "Panorâmica", que foi a capa do catálogo, um opúsculo de 12 páginas que não conheço...).
O Salão da SNBA, comum às EGAP e às exposições do Grémio Português de Fotografia. A foto é do catálogo do 12º Salão mas nesse ano de 1949 o certame muda-se para o SNI
CONTINUA
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