Convém pôr a escrita em dia sobre o Africa.Cont, que é hoje só um Gabinete (?) da CML sob a tutela administrativa da Vereadora da Cultura, mas cujo projecto nasceu como uma intenção inter-ministerial e o continava a ser, como condição de possibilidade. O próximo Governo vai ter de descalçar este caso.
9 de Dezembro de 2008. Não fui mas guardei o convite (O escudo é dourado, mas não parece)
No princípio de tudo estiveram o gosto do ministro Luís Amado pela arte africana (*) e a oportunidade de se assinalar com um acto político ambicioso o 1º aniversário da cimeira UE-África em Lisboa (2007). A ideia evoluiu para o projecto da criação de um centro de arte contemporânea em Lisboa, a que se chamou Africa.Cont e que foi "conceptualizado" pelo antropólogo José António Fernandes Dias, que se interessava por outra arte de origem africana mais distante, dita diaspórica (mais cooptada pelos mercados das metrópoles imperiais do que de procedência africana), e que já era, por isso mesmo, muito diferente da que interessava a Luís Amado. Primeiro equívoco (a propósito: prefiro em geral a arte africana que interessava a Luís Amado à do consultor-comissário).
A CML e o seu presidente estavam desde o início associados ao projecto, cuja ambição e dimensão exigia envolver alargadas parcerias entre ministérios (MNE, Economia, Cultura) e a autarquia, e se estenderia à criação de uma fundação aberta a empresas, fundações, colecções, etc. A procura de um espaço próprio passou por diferentes possibilidades (a começar pelo Pavilhão de Portugal, caro demais e a precisar de grandes obras de adaptação e conservação). Surgiu então o lugar das Tercenas do Marquês e do Palacete Pombal (ex-Instituto Português da Conservação e Restauro, ainda sede de vários serviços do MC, Museus e Património), da Rua das Janelas Verdes à Av. 24 de Julho, cuja área é propriedade da CML e que se incluía num anterior Plano urbanístico mais ou menos utópico, prevendo-se abrir uma praça no sítio do imenso prédio da Direcção Geral da Administração e do Emprego Público (já extinta?, já esvaziado graças ao PRACE?). Segundo equívoco.
Pela Travessa José António Pereira abaixo (desde a Rua das Janelas Verdes), Dezembro de 2008
É então, numa manhã que se supõe esplendorosa, que José Socrates visita o local e se entusiasma com a paisagem e com a ideia de instalar o Africa.Cont ali (o entusiasmo e a determinação, mesmo a teimosia, foram uma marca política muitas vezes de grande eficácia - outras não). Entretanto, e de facto, pelo lado do Governo, a ambição ia ficar também exactamente aí, e nenhum dos ministros que tinham de se envolver (se lhes pagassem) se comprometeu com o projecto: alguns eram privadamente hostis, mas tê-lo-ão calado, certos de que nada iria fazer-se... Um estudo prévio ao futuro ante-projecto foi encomendado a David Adjaye, que a Fundação Gulbenkian pagou (com condições). Indicou-se em 2008 um custo estimado de 15 milhões de euros para a implantação da sede do Africa.cont e o valor provisório de 4 (a 5?) milhões de euros anuais para o funcionamento e programação. Nada disto era verosímil, nem conveniente para a criação de uma política de cooperação e diálogo inter-cultural, a qual foi ficando refém deste projecto irrealista e inapropriado ao desígnio inicial.
O presidente da CML, que via com bons olhos a re-urbanização do lugar, foi alojando de diversas maneiras o conceptor do projecto (e dinamizando algumas actividades públicas - por exemplo, a exposição fotográfica de David Adjaye que está agora no Museu da Cidade, que se recomenda). Recentemente procurou integrar o projecto Africa.cont no âmbito da Frente Tejo SA, entrando com dinheiro e bens imóveis no capital desta empresa pública, que já tinha à data destino incerto - a intenção foi suspensa após as eleições (ver Proposta). Agora, volta a haver um bom momento para põr fim (**) ao projecto (pelo menos, ao conceito e à sua sede suposta), até porque é claro para António Costa (está escrito) que o Africa.Cont não pode ir para a frente sem o explícito compromisso financeiro e político do Governo. Há algum impacto diplomático no caso, já que muitos embaixadores jantaram em 2008 sob a pala, mas a crise actual (e a troika) serve de justificação. Há acções na área da cooperação e do diálogo inter-cultural que deveriam agora ser repensadas, relançadas. Já sem o lastro do África.Cont. Perderam-se perto de quatro anos.
(*) Luís Amado, além de ser colecionador de arte africana, criara uma galeria de arte chamada Bozart, que encerrou com a chegada ao Governo. Em 2010 surgiu outra galeria com o mesmo nome e com uma origem próxima, ao Príncipe Real.
(**) Pôr fim: tornar pública a discordância, formalizar o abandono de uma intenção política que foi oficialmente anunciada (ao mundo, um ano depois da cimeira UE-África) a 9 de Dezembro de 2008, na presença do chamado corpo diplomático. Não bastará deixar esquecido o anterior compromisso do Estado português, é preciso rasgar.
Ver dossier África.Cont
Ver álbum Flickr
Site oficial: http://www.africacont.org/
E para apoiar projectos em curso com dinâmicas diárias, produção constante e alcance verdadeiramente intercontinental (como já provou o BUALA neste nosso 1º aniversário) não há qualquer apoio... Andamos de porta em porta a receber em troca o discurso da "lamentável conjuntura financeira do país" e a queimar pestanas a trabalhar por carolice.
Acho o projecto Africa.Cont muito necessário mas não percebo o desfasamento com outras propostas já engajadas. A falta de estratégia é assustadora...
marta lança
Posted by: marta lança | 06/22/2011 at 15:05
Continuidades históricas, nada mais. Transversais
Posted by: jpt | 07/01/2011 at 01:53
Refere-se ao significado do projecto pensado para as chamadas Tercenas do Marquês e ao Palácio, propriedade antiga do comerciante e negreiro José António Pereira, traficante em São Tomé, que ainda dá o nome à travessa que desce das Janelas Verdes ao rio? Para mim, de facto, são outros colonialismos que se querem instalar no sítio, traficando com as culturas ditas pós-coloniais que se fabricam nas metrópoles actuais, com mais ou menos africanos ditos da diáspora. Continuidades históricas, certamente. É isso?
Posted by: AP | 07/01/2011 at 02:15