Trata-se aqui de partir dos livros publicados, também de catálogos, revistas e outra bibliografia, para tentar estabelecer através do contacto com as fontes uma cronologia (se possível, uma história) da fotografia em Moçambique ao longo das décadas mais recentes (desde o início dos anos 70?). Para além das datas das fotografias mais tarde dadas a conhecer através de álbuns ou retrospectivas, e antes deixadas inéditas, desconhecidas ou dispersas, de antes ou depois da Independência, antes e depois do acorde de paz de 1992, interessa conhecer a sua circulação e recepção ao longo do tempo, e em especial do seu tempo de realização ou "captura". Que fotografias foram vistas, que eficácia tiveram, ou não?
Importa reunir e interrogar edições, e também procurar saber como foram vistas (recebidas e criticadas) no seu tempo, quando é possível encontrar testemunhos escritos da respectiva recepção pública e crítica. Interessa também sinalizar as exposições de que há registo, embora, não havendo em muitos casos catálogos, ou ilustrações nestes, só através da imprensa será possível chegar a informações úteis. Como é de foto-jornalismo que em grande parte se trata, em especial e durante muito tempo, a consulta directa da imprensa diária e semanal seria outra pista a seguir necessariamente, mas ainda mais inacessível ou demorada. De qualquer modo, é o inventário, o levantamento e a apreciação de fontes directas que há que fazer. A disponibilização de informações e imagens tem também por objectivo a troca de dados e documentos.
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1 Rui Knopfi, A ILHA DE PRÓSPERO, 1972
2 Vários (R. Rangel, Kok Nam e outros), MOÇAMBIQUE a preto e branco, 1972
1973: exp. no Núcleo de Arte, de Rangel, Rogério e Basil Breakey
1975, 1978 exposições colect..
(revisto a 31 VIII)
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Rui Knopfi, A ILHA DE PRÓSPERO, 1972
Edição de Minerva Central (refere tiragem especial de 100 ex. numerados e rubricados pelo autor). Impresso em "Off Set" na Tipografia-Litografia Globo Lda, L.M.. 140 pp., ilust. preto e branco, 32 x 24,5 cm, cartonado com sobrecapa.
"A Ilha de Próspero : roteiro privado da Ilha de Mocambique", texto & fotos de Rui Knopfli. Prefácio de Alexandre Lobato. Posfácio do autor ("A voz nos bastidores"), seguido por Notas às fotografias e Notas aos poemas. Sobrecapa com "posterização" de Carlos Leitão, retratos do autor e de prefaciador nas badanas, onde aparece também uma apresentação ("Comentário") de José Craveirinha.
Literário e documental, no texto poético & nas fotos de R.K., pretende ser um "roteiro privado" que é também guia para uma visita histórico-topográfica à Ilha, o que acontece com algum sacrifício da selecção fotográfica, que a impressão também não favorece apesar de se tratar de uma edição ambiciosa. Foi para o autor uma aventura fotográfia única em termos editoriais, tanto quanto sei, mas os poemas publicaram-se depois sem as imagens.
À data, Rui Knopfli (1932, Inhambane - 1997, Lisboa) vivia em Lourenço Marques, era delegado de propaganda médica (1958-74), editava os cadernos de poesia Caliban com João Pedro Grabato Dias - António Quadros (nº 1 e 2, 1971; nº 3/4. 1972) e dirigia o caderno "Letras & Artes" (1972-75), da revista Tempo, onde Rangel era o chefe da fotografia. Tinha publicado quatro livros de poesia. Deixou Moçambique em Março de 1975.
Sobre R.K., ver http://leiturasecia.googlepages.com/ruiknopfli transcrito do Dicionário cronológico de autores portugueses, organizado pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas. Mem Martins : Publicaçoes Europa-América. 1991-1999 (Vol. VI 1999)
Mais Ilha(s) de Moçambique: Em Novembro de 1969 editou-se sob o título Ilha de Moçambique um fascículo ou caderno com o Programa dos Festejos Centenários que decorreram na mesma Ilha: IV Centenário da estada de Camões e V do nascimento de Vasco da Gama. Com maquete e planificação de Garizo do Carmo, texto do dr. Alexandre Lobato, carta, fotos (paisagens e monumentos, e tb Folclore Macua) de Carlos Alberto (Vieira), João Marques Caetano, Almeida d'Eça e dr. Manuel Barreto. Executado na Emol, ed. da Comissão Provincial das Comemorações...
Em 1983, a Imprensa Nacional publicará Muipiti - Ilha de Moçambique, Fotografia de Moira Forjaz e Texto de Amélia Muge, Col. "Presença da Imagem", por ocasião da exposição organizada pelo arq. Viana de Lima na Fundação Gulbenkian, Ilha de Moçambique ("A Ilha de Moçambique em perigo de desaparecimento. Uma perspectiva histórica - Um olhar para o futuro"), Agosto 1983. Outros fotógrafos (todos os fotógrafos) voltarão depois à Ilha.
Uma 2ª edição (com o título A ilha de Próspero : roteiro poético da ilha de Moçambique), sem qualidade gráfica, foi publicada por Edições 70, Lisboa, imp. 1989.
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MOÇAMBIQUE a Preto e Branco
ed. CODAM Sarl, "Edição limitada Dezembro 1972". Lito Emol. (Lourenço Marques). 80 pp., il. preto e branco, 31 x 24 cm.
Edição da empresa de construção Companhia de Destroncas e Aluguer de Máquinas , S. A. R. L., com sede em Lourenço Marques, apenas identificada na contra-capa como CODAM Sarl. Com uma nota introdutória não assinada, informando que se reúnem "nomes sobejamente conhecidos ou completamente desconhecidos" de fotógrafos profissionais, amadores e iniciados, numa obra sem "sentido discriminante", que visou "dar algum apoio e divulgação à arte fotográfica".
É um livro de representação e oferta de Natal de uma empresa de construção de Lourenço Marques, e indica um acréscimo da importância reconhecida à fotografia: "uma arte e uma linguagem capaz de aproximar homens tanto de vários países, como de expressões e emoções diferentes". Com 13 autores representados, associa diversas práticas fotográficas: três repórteres profissionais (R. Rangel, Kok Nam e Carlos Rodrigues), o poeta e fotógrafo Rui Knopfli, um profissional gráfico, e vários amadores com actividade na Secção de Arte Fotográfica dos Velhos Colonos e na Tertúlia Fotográfica do Núcleo de Arte. Uma nota introdutória não assinada (seguramente da autoria de José Luís Cabaço (1), que virá a ser ministro da Informação da RPM) destaca o interesse documental, sociológico e reflexivo da fotografia: o título suporta uma dupla leitura, e várias páginas ilustram a desigualdade racial e as condições de vida da população negra. A mesma nota refere a impossibilidade de alguns "participantes" (o que significará convidados, não se supondo que tenha havido uma exposição na época) entregarem trabalhos para publicação.
"Uma fotografia deve, acima de tudo, fazer pensar, deve ser um documento e uma sugestão da época actual. A linguagem fotográfica é mais do que processos técnicos e laboratoriais. Sobretudo, ela é um meio de aproximação sociológico e de ligação através de ideias, pensamentos comuns".
Refere-se a nota à edição no ano anterior de "uma resenha de artistas plásticos moçambicanos". (1)
Lista dos autores, por ordem de alfabética e de publicação:
Rui Knopfli (pp 9 a 12). N. Inhambane 1932. Faz fotografia desde 1970. (4 fotos de A Ilha de Próspero)
Carlos Leitão. N. Lisboa 1934, faz fotografia dd 1955, é o autor + representado (6 imagens), todas elas solarizações ou outras alterações na impressão (refere numerosos prémios sem referências). É o autor da capa de A Ilha de Próspero.
Jorge Pinto Ferreira Leite. Porto 1912. Faz fot. dd 1950. Prémios em salões nacionais e int.; membro de juris de salões em Moçambique (2).
Manuel Mendes Júnior. LM 1908, Faz fot. dd 1950. Prémios e júris. Fundador da Tertúlia Fotográfica do Núcleo de Arte
António José Pacheco Miranda. Lx. 1940. Faz fot. dd 1969. (1 foto)
Kok Nam (pp 37 a 40). LM 1939. Faz fot. dd 1966. "É Repórter Fotográfico de profissão".
Mendes de Oliveira. Porto 1947. "É fotógrafo e cineasta amador" (1 foto)
Fernando Roza de Oliveira. Lx 1911. "É fotógrafo e cineasta amador". Prémios. Foi um dos fundadores da Secção de Arte Fotográfica dos Velhos Colonos e é membro da citada Tertúlia.
Jorge Pereira, Lx 1940. Faz fot. dd 1970.
Pedro Pessoa, Lx 1946. Faz fot. dd 1960. (1 foto)
Arq. Bernardino Carlos Ramalhete, Porto 1921. Beira. Faz fot. dd 1945. Prémios, membro da FIAP
Ricardo Rangel (pp 67 a 70). "É Repórter Fotográfico de profissão". (sobre Rangel, ver biografia de António Sopa em World Press Photo )
Carlos Rodrigues, n. Beira 1945. Beira, faz fot. dd 1970. "É Repórter Fotográfico de profissão". (de origem goesa, parte para Portugal dp de 1975)
Índice com os retratos dos autores no final. (As fotos foram escolhidas pelos seus autores. )
Rui Knopfli, Acesso ao Baluarte de S. João, pag. 9
Ricardo Rangel - Quando arde o caniço
A edição da Codam representa uma situação de significativa cumplicidade entre fotojornalistas (embora Carlos Alberto Vieira e Rogério, por exemplo, não participem) e expositores em salões de arte fotográfica, amadores salonistas. Seria oportuno conhecer qual a actividade fotográfica levada a cabo pelo Núcleo de Arte, com representação da Fotografia a nível da direcção desde, pelo menos, 1954.
(1) Será 10 Artistas [ou Pintores ?] Moçambicanos, Edições Codam, 1971, para o qual Rangel fotografou telas, esculturas e cerâmicas, segundo José Luís Cabaço, que em Rangel, O Pão Nosso..., 2004, se identifica como produtor dos livros de fim de ano da Codam e refere tb a edição de Contribuição para a história da imprensa em Mocambique, com texto de Ilídio ROCHA. Lourenço Marques: Codam, 1973, sendo as fotos das capas dos jornais tb fotografadas por Rangel. J.L.Cabaço seria então director de recursos humanos da Codam e a ed. seria feita em colaboração com a Agência Intercontinental (Mário Cabaço); Cabaço revela no mesmo prefácio ("Ao Ricardo Rangel pelos seus 80 anos") que foi ele que o aconselhou nessa edição de "uma colecção de fotos de 12 fotógrafos mais o Rangel". Significativamente, 30 anos depois (2002), Iluminando Vidas publicaria Rangel mais 14 fotógrafos (outra vez com a presença discreta de Kok Nam), o que testemunha uma longa continuidade para lá das viragens políticas.
(2) O (ou um) 1º Salão Internacional de Arte Fotográfica de Moçambique realizou-se em 1954. Comissão promotora, org. Azevedo Júnior; com júri de um só elemento, Karel Jan Hora (vindo de Joanesburgo?); participação local de Carlos Alberto Vieira, Pinto Leite, amadores Rosa de Oliveira, Fernando Rebelo e J. Nunes; e de Lisboa envios do Grémio Português e Clube 6x6. Segundo a crítica de Miguel Rebelo Júnior em Actualidades - Uma ilustração de Moçambique, L.M. , nº 8, Setembro 1954, pp. 38-40 (1ª série, ed. Artistas Associados, director Machado da Graça). M. Rebelo Júnior ("grande artista desta cidade, muitas vezes premiado em Concursos de Fotografia") é consultor fotográfico da revista e membro da direcção do Núcleo de Arte responsável pela Fotografia (ver Actualidades nº 4, Fev.-Mar. 1954, ver aqui) . O técnico e fotógrafo português Rebelo Júnior chefiou o departamento de fotografia no Instituto de Investigação Científica (referiu R.Rangel a propósito de S. Langa que aí trabalhou nos anos 50/60).
A importância e a qualidade da fotografia que se realizou e realiza em Moçambique estão associadas a uma história muito particular da Imprensa em Moçambique, designadamente ao longo das décadas de 20 a 70. Ver Ilídio Rocha, A IMPRENSA EM MOÇAMBIQUE, História e Catálogo (1854-1975), Col. "Mundo Ibérico", Edição Livros do Brasil, Lisboa, 2000. A competência de muitos dos seus profissionais (muitos deles regressados ou deslocados para Portugal depois de 1975), o destaque dos seus suplementos e colaboradores literários, o lugar específico que pôde tomar em vários casos a intervenção da fotografia (como notícia e editorial também), a relativa e variável abertura da censura, face aos critérios vigentes na "Metrópole" e face a situações contemporâneas de estrita segregação racial, são factores que devem ser ponderados numa situação em que a fotografia tem como uma das suas principais vias de afirmação a imprensa periódica (sendo a outra via, a arte fotógráfica praticada por amadores "salonistas").
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De 1973 data o que parece ter sido a 1ª exposição de Ricardo Rangel, realizada no Núcleo de Arte, na companhia de Rogério e Basil Breakey. (ver biografia de Rangel in worldpressphoto: "His first exhibitions in Mozambique date from this period: in Lourenço Marques, jointly with the photographers Basil Breakey and Rogério Pereira on one occasion, and in Beira.") Basil Breakey, fotógrafo de jazz de Cape Town ( aqui ) é autor de "Beyond the Blues, Township Jazz in the 60s and 70s".
Segundo informa Luís Carlos Patraquim (Público, Lisboa, 30.6.91), em diálogo com R.R.: "parte do material para o álbum (Pão Nosso..., 2004) esteve patente numa exposição que organizou no Núcleo de arte, juntamente com o fotógrafo Rogério. 'Estava à espera que fosse proibida. Mas não. Fecharam os olhos. (...)'"
A revista Tempo terá informado sobre a exposição...
1975 Exp. na Casa Amarela com Rangel, Kok Nam, B. Breakey, Peter Sinclair e outros (sic). Inf. catálogo de Rogério, F. Gulbenkian, 1981.
1978, "A Criança" (?), colectiva da Organização Nacional de Jornalistas. Tempo [Maputo], nº. 401, 11 June 1978, p.16. Participam Amadeu Merrangula, Carlos Calado, Fernando Silva, João Costa, José Cabral, José Machado, Kok Nam, Luís Bernardo Honwana, Luís Souto, Moira Forjaz, Naíta Ussene, Reginaldo Faria Leite, Ricardo Rangel e Rogério. (ver recorte)
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Actualização de 1ª versão ( aqui ) e bibliografia de 2007 (África) e Moçambique
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