(carregar em cada foto para ampliar)
A literatura "da especialidade" costuma passar de Paris 1937 (Keil do Amaral) para Nova Iorque e S. Francisco 1939 (Jorge Segurado), e depois para Belém, com as mesmas equipas de artistas-decoradores do António Ferro e do seu SPN. Ora Luanda 1938 pertence a outra história, que também não é a da exposição de 1934 no Porto - a 1ª Exposição Colonial Portuguesa, de Henrique Galvão -, a qual vem a prolongar-se na pouco conhecida Secção Colonial da Exposição de 40, com o mesmo director.
O álbum comemorativo é precioso mas escasso em informação: refere a "determinação" do Governador Geral coronel António Lopes Mateus (importante ministro da Ditadura em 1930-32), o qual confiou a chefia dos serviços técnicos ao então funcionário aduaneiro Vasco Vieira da Costa, "artista de elevado merecimento". Carmona inaugurou a 15 de Agosto de 1938.
O volume Exposição-Feira de Angola, 1938 / Álbum comemorativo da exposição-feira de Angola. Luanda XCMXXXVIII ( 6 e [144] p.) é uma estranha produção fotográfica de grande qualidade e um documento muito significativo quanto à arquitectura modernista e ao gosto Art Déco em Portugal.
Os clichés são atribuídos a C. Duarte e a reprodução e impressão "Offset" é da Litografia Nacional do Porto (a mesma casa que antes imprimira o Álbum Fotográfico com 101 clichés de Alvão, fotógrafo oficial do Porto'34 *). Os dois volumes são de formato oblongo, encapados com um cordão e sem cola; este bastante maior, com 24 x 31 cm.
Também estranha é a coincidência do nome do "chefe dos serviços técnicos" com o do grande arquitecto do Mercado de Quinaxixe, em Luanda, de 1950-52/53 (destruído em 2008). Nascido em Aveiro em 1911, Vasco Vieira da Costa concluiu o curso de arquitectura no Porto e fixou-se em Luanda em 1949 ou 50. Poderá ser a mesma pessoa? José Manuel Fernandes (História da Expansão Portuguesa, dir. Francisco Bethencourt e Kirti Chaudhuri, Círculo de Leitores, 1999, Vol. 5, p. 353) diz que sim, referindo que ainda estudante teve uma intervenção na Exposição-Feira de 1938, embora acrescente desconhecer "se apenas na definição urbanística ou nas suas arquitecturas". Teria cerca de 26 anos quando iniciou os respectivos projectos, em Outubro de 1937... Era desenhador na Câmara municipal de Luanda, embora contratado num lugar de funcionário aduaneiro (era um procedimento vulgar à época essa troca de funções), e só mais tarde veio a estudar arquitectura.
INFOPEDIA: Estudou na ESBAP - Escola Superior de Belas-Artes do Porto, onde tirou o curso de Arquitetura entre 1940 e 1946, indo para Paris onde trabalhou com Le Corbusier no Instituto de Urbanismo de Paris, recebendo o Prémio de Urbanística da Câmara Municipal do Porto em 1944-1945. Recebeu o seu diploma de curso em 1948 quando apresentou a tese de licenciatura com o projeto para a Cidade-Satélite n.° 3 de Luanda, Angola, marcadamente influenciada pelo Movimento Moderno (...)
Em 1949 regressou a Angola, onde integrou o quadro técnico da Câmara Municipal de Luanda, desenvolvendo vários projetos de arquitetura. Iniciou a sua atividade profissional independente quando, por fortes divergências com o poder colonial, se vê forçado a abandonar a Câmara Municipal.
António Lopes Mateus (1877 - 1955) foi ministro do Interior e da Guerra (de 1930 a 1932), activo na fundação da União Nacional, Comandante da PSP de Lisboa (1932-1935) e governador-geral de Angola (1935-1939), depois presidente do Conselho de Administração da DIAMANG e da Comissão das Colónias na União Nacional (década de 1940).
C. Duarte não está identificado, mas é seguramente Marques da Costa, que fotografou a viagem presidencial às colónias em 1938-39 (sem que o seu nome figure na respectiva edição da Agência Geral de Colónias, em cinco volumes de 1939/40 - por isso mesmo, ao lado deste anonimato, o uso do pseudónimo parece ainda mais admissível. Foi António Sena que atribuiu a Marques da Costa a autoria das imagens dos álbuns da viagem, admitindo embora a inclusão aí de trabalhos de outros autores. Ver Imagens fugazes - a viagem presidencial às colónias 1938/39, catálogo-poster de exp. realizada na galeria Ether, Lisboa, sem data).
Firmino Marques da Costa (n. 1910-?), era repórter fotográfico do ou para o Diário de Notícias e estaria então em África em serviço na Missão Cinegráfica com António Lopes Ribeiro para a Agência Geral de Colónias (ver nota não assinada, de António Sena, no mesmo catálogo da Ether). Existe pelo menos uma foto coincidente nas duas edições, surgindo o local ilustrado em ambas, mas na edição comemorativa de Luanda mostram-se em especial, depois dos cinco "aspectos da inauguração e da afluência de visitantes", os espaços arquitectónicos e os cenário interiores quase sempre absolutamente desertos, enquanto as situações oficiais e as cenas de multidão preenchem os álbuns da AGC. A linguagem fotográfica é distinta apenas naquilo que corresponderia à diferença das encomendas, e à partilha de trabalhos, sendo em ambos casos uma linguagem que se afigura bem personalizada, alheia a poses e a aparatos cerimoniais, certamente intencional na produção de um sentido jornalístico das imagens, que às vezes parece irreverente, apesar da dimensão oficial da função cumprida.
parte do catálogo-poster da Ether: a 3ª foto a contar de cima (aspecto geral da Exposição-Feira com duas crianças negras atravessando o terreiro exterior) é comum às edições de 1938 e de 1939/40 e é uma fotografia admiravelmente simbólica (publica-se com um céu sem núvens no álbum de Luanda).
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* Álbum Fotográfico com 101 clichés de Alvão, fotógrafo oficial do Porto'34
CONTINUA EM: LUANDA 2
e LUANDA 3
Adenda, ou auto-comentário. O meu exemplar do álbum (comprado ontem na feira dos alfarrabistas da R. Anchieta) tem um interessante carimbo da Biblioteca da Universidade de Lisboa - Faculdade de Direito, e depois um outro que justifica o seu itinerário histórico: "Oferta da Biblioteca da Faculdade de Direito de Lisboa". Lá dentro, um cartão que refere o envio gracioso de Luanda. Depreendo que não foi no tempo maoista do nosso presidente Durão Barroso que a Biblioteca se desfez do catálogo (não se poriam carimbos nas urgências da revolução), mas já antes, quando "o regime" se desfazia do passado colonial, ou do seu passado, apenas. Ou, ainda, mais simplesmente, será só um outro exemplo da tara das bibliotecas (não só nacionais...) se desfazerem dos seus bens? De qualquer modo, paguei-o, e é uma peça preciosa.
Posted by: AP | 08/28/2011 at 22:43