Parece-me que se levantam duas pistas de leitura para tentar entender o artigo do António Pinto Ribeiro onde veio defender a dimensão minoritária da arte. Uma delas terá a ver com a oportunidade da intervenção e a outra com a pertinência de uma tese que se quer anti-populista, mesmo que à custa da reedição das mais gastas conflitualidades entre alta e baixa cultura.
Quanto à agenda do texto, é natural supor que se pretendeu ocupar espaço público a pretexto de umas primeiras e vagas declarações do secretário de Estado sobre a administração e a programação dos teatros nacionais (são dois exercícios que naturalmente se associam), nas quais nada de conflituoso foi dito. Ou talvez o facto de se afirmarem e assumirem as responsabilidades da tutela causasse alguma surpresa. Como fiz noutro lugar, transcrevo da imprensa e comento: 1. "Não queremos impor nada, mas queremos estar informados e dar a nossa opinião" (certo - os programadores não são empresários por conta própria). 2. "as receitas de bilheteira não são 'uma questão financeira, mas sim uma questão ética'. 'Não acho justo que uma companhia de teatro ou uma produtora não manifeste preocupação com a questão do público.'" (certíssimo - as questões da recepção ou consumo são decisivas: é a melhor recepção que se deve ambicionar). 3. "Essa matéria, a criação de públicos, será objecto de debate público" (óptimo).
Domingo à tarde no Museu (cultura de massas?)
A falta de definições, ou mesmo só de informações, sobre as orientações e prioridades que se tenciona seguir no sector da cultura, clarificando opções estratégicas antes de se saber como vai ter de ser a gestão das reduções orçamentais (e até independentemente de serem maiores ou menores os montantes a "distribuir"), parecia-me ser um terreno mais profícuo de oposição - e essa mesma indefinição prolongou-se numa estranha entrevista demasiado coloquial onde a preocupação de evitar atritos com todas as corporações artísticas só foi interrompida por um enunciado firme: não vai haver dinheiro. Para continuar a referir a minha "agenda ideológica privada" (seguindo o convite do António), direi que no "caso Berardo" faltou ao titular do cargo abordar os assuntos que são da sua competência, evidenciando que já visitara alguma vez o Museu, que conhecia a colecção que está agora exposta no 2º piso, que se informara sobre a programação levada a cabo desde 2007, que compreende a importância multidisciplinar de um grande equipamento cultural como o CCB, em vez de dar prioridade às questões do "valor" do acervo e de se meter pela pista das garantias bancárias, que, aliás, não lhe diz respeito. (Se há romance policial a escrever, guarde-o para depois.)
É agora, quando o OGE está a cair sobre a área da Cultura e a surpreender o próprio secretário que valerá a pena medir diferenças e se for caso disso contra-atacar, sabendo o que se quer. Em vez de gritar pelo lobo ("SOS Cultura"!!) e preparar a vitimização, convirá tomar a iniciativa e apontar as mudanças necessárias. Recusando sempre pôr-se a jeito de intelectuais trauliteiros que por aí fazem carreira a carregar sobre as "artes minoritárias" e os desmandos que lhes estariam associados: é ver o M.S.T. no Expresso de hoje a enumerar as suas aspirações: "Acabou-se Guimarães-Capital da Cultura [e terá aqui razão?], acabou-se o Museu Berardo, acabou-se o Metropolitano do Porto, acabou-se a Moda Lisboa", etc; é ver o V.P.V. a querer irradicar todo o CCB (não lhe basta o Pavilhão de Portugal vazio e a arruinar-se?). A sanha populista manifesta-se por cá mesmo contra as artes "maioritárias".
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