"Intelligent Life" (The Economist/Expresso), trimestral
Na presença das coisas
Por uma vez uma grande exposição original no âmbito da história de arte internacional é de iniciativa portuguesa, e só em Lisboa se poderá ver. Momento de primeira grandeza na história do Museu Calouste Gulbenkian, ficará a assinalar o termo do mandato do presidente Rui Vilar, com a segunda parte da mostra já marcada para o final de 2011, prolongando até aos séculos XIX e XX o que agora começa nos séculos XVII e XVIII. Ver-se-á a propósito dos temas da natureza-morta que mudança e permanência são próprios da arte - e da vida.
Aqui, nestes 71 quadros vindos de museus de todo o mundo, a vida é imóvel ou inanimada e não própriamente morta. Este é um género paradoxal na história da pintura: tido por menor na hierarquia académica (face à grandiloquência apologética da pintura de história e ao aparato do retrato), é também um veículo privilegiado para que se interroguem e ilustrem questões centrais da pintura: a imitação do visível, o significado da imagem, o virtuosismo do artista, a função decorativa, etc. Foi, com a paisagem, o género necessário para a afirmação de um mercado de arte autónomo do regime da encomenda, quando a Reforma proibiu a representação religiosa. E depois com o cubismo foi decisivo para revolucionar a representação do espaço.
Em anos recentes investigaram-se as escolas nacionais e locais da mais antiga natureza-morta. Agora era o momento para uma exposição que tentasse fazer a síntese, pedida a um especialista, o professor Peter Cherry, de Dublin. Aqui cabem todos os subgéneros de uma categoria muito mais versátil do que poderia julgar-se a reprodução pictural de objectos reunidos numa ordem nunca casual. Tiveram antes nomes próprios, como fruteiros, floreiros, almoços ou mesas servidas – e a variadade é imensa: flores ou alimentos, doces, peixes, caça, ou conchas, louças simples e preciosas, objectos exóticos, etc. Podem ser evocação dos sentidos (o ouvido, o gosto), das estações do ano, dos pecados, reflexão sobre a brevidade da vida (“vanitas”), ou exercício de ilusionismo ("trompe-l'oeil"). Tudo cabe na natureza-morta, da máxima ostentação à pobreza devota. E aqui se encontram, ao lado da nossa Josefa freira-pintora em Óbidos, nomes desconhecidos e os mais ilustres, como Rembrandt, Goya e Chardin, raramente vindos a Lisboa. Ficam ilustrados a necessidade, os prazeres e os enigmas da imagem. ("A Natureza-Morta na Europa", Fundação Gulbenkian, até 2 de Maio)
PARTE 1 - 12 Fevereiro - 2 Maio 2010
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Parte 2 - 21 Outubro 2011 - 8 Janeiro 2012
Outono 2011 (Set.): Coisas visíveis
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