Como o previsto Museus dos Coches é um "pavilhão de exposição em cristal e aço", tal como o definiu o autor, por que aparece agora o argumento dos custos de alteração do projecto poderem ser impeditivos de qualquer transformação no uso que lhe estava destinado, conforme transpirou para os jornais?
O arquitecto é caro, é Pritzker, mas as alterações funcionais são obviamente fáceis de fazer num "pavilhão de exposição em cristal e aço" (sic), um caixote vazio e branco, desenhado como uma grande garagem "minimalista" para acolher as carroças, levantada do chão e assente em pilares com uma altura de 4,5 metros, sobre uma nova praça com cerca de 12.000 metros quadrados... Ou, como se dizia noutra notícia arquitectónica, "Dez metros de pé direito, uma parede branca que se adivinha sem fim e uma sala que se estende por 130 metros, 'maior que um campo de futebol'".
O recado está mal transmitido. A fonte da "transpiração" para os jornais - sigamos o Público de 30 de Setembro - é obviamente próxima do arquitecto Paulo Mendes da Rocha e dos seus associados locais, Back Gordon Arquitectos. "Qualquer alteração ao objectrivo do museu poderia "acrescer 20 milhões de euros" ao que estava orçamentado", diz-se, mas não se acredita. Como ao projecto inicial se atribuiam 31,5 milhões, não se entende se é uma multa, se é roubo ou chantagem... Mas se ameaçarem demolir aquela construção absurda, ele descerá o preço... Mas, é claro, o relacionamento com o Brasil tem de ser cauteloso.
um monumento elevado à vacuidade arquitectónica
De facto, acontece agora com a arquitectura de arquitectos-estrelas, em especial nos museus, que se pretendem impor "direitos de autor" impeditivos, quase por completo e para sempre, da alteração dos espaços: fazem, por exemplo, uma fiada de janelas que roubam espaço e prejudicam a iluminação específica das obras, mas tem de ficar assim devido à inviolabilidade das obras (de arte arquitectónica - não as outras, que é suposto expor nas melhores condições). Para mudar a situação é preciso que o arquitecto seja pago para "redesenhar" e re-assinar. Pior ainda é o caso da inclusão da montagem museológica, dos seus cenários e mobiliários, nos contratos dos arquitectos que projectam a construção ou remodelação dos edifícios - acontece que em geral não são arquitectos especializados em cenografias museográficas e menos ainda nas matérias a expor. Se visitarmos vários dos museus reabilitados nos últimos anos - como o Soares dos Reis (arq. Fernando Távora...) ou o Abade de Baçal - damos conta da criação de condições de exposição demasiado rígidas, quase imutáveis sem novas obras de grande envergadura, ou da presença de cenários ostensivos e devoradores de espaço. O caso internacional mais grave parece ser o do Museu do Quai Branly e de Jean Nouvel, que assegurou um período de dez anos em que qualquer re-arrumação de qualquer vitrina implicava voltar chamar o atelier.
É muito curiosa a sucessão de notícias do Público, reveladora do "argumento" posto em cima da mesa pelo arquitecto, que veio a Lisboa tratar do "caso":
"Edifício projectado pelo arquitecto Paulo Mendes da Rocha: Governo discute novo uso para o futuro Museu dos Coches"
29-09-2011 - Por Lucinda Canelas, Bárbara Reis
"Custos para alterar projecto são razão forte para impedir mudança do Museu dos Coches"
Por Isabel Coutinho, Joana Amaral Cardoso e Luís Miguel Queirós
30-09-2011 (não acessível) O Governo terá ponderado alterar o destino a dar ao edifício projectado por Paulo Mendes da Rocha, mas poderá recuar
Da segunda notícia importam em especial algumas declarações de Raquel Henriques da Silva, ex-directora do Instituto dos Museus, onde repete que "o projecto original 'não tinha sentido nenhum'" ou que "o projecto arquitectónico, tendo em vista o fim a que se destina, inclui 'aspectos erradíssimos'". De facto, desde o início que o projecto foi objecto de muitas críticas especializadas, ao mesmo tempo que era defendido a todo o custo por um manifesto corporativo da classe dos arquitectos mediáticos, e ele foi depois alterado por exigência da Câmara de Lisboa e foi sujeito a uma complexa rectificação de aspectos técnicos por parte do Instituto dos Museus, num processo complexo e demorado para salvar o que fosse possível, que ficou confidencial.
Não importa ainda ter opinião sobre o novo destino do edifício, que certamente se adapta melhor a um Museu da Língua que copie o de São Paulo (um museu virtual e um espaço de exposições de grande qualidade - mas que é caríssimo reproduzir) do que a um museu da Viagem (do encontro de culturas, ou dos Descobrimentos em politicamente correcto), que teria de mostrar objectos e imagens.
Importa antes recordar que existe um protocolo firmado em 2010 com o Ministério da Defesa que envolve o Museu da Marinha no projecto do Museu da Viagem/dos Descobrimentos a associar ao seu espaço nos Jerónimos, sob tutela conjunta... E também que o estado actual do projecto do Museu dos Coches envolve a continuidade do anterior edifício com parte dos seus carros, transitando outros para a nova garagem minimalista. Seria, se a tolice não for corrigida, um museu com dois núcleos em Belém e um terceiro em Vila Viçosa, que corre entretanto o risco de ser desfalcado a favor de Lisboa... Segundo a directora do Museu dos Coches, Silvana Bessone, "o museu mais visitado do país passará a ter dois pólos em Belém: nas instalações históricas, o antigo picadeiro, ficará um núcleo de oito coches do século XVIII; no novo edifício projectado por Mendes da Rocha ficarão perto de 80 coches. Em Vila Viçosa continuará a existir um terceiro pólo, com 44 veículos "mais ligados ao meio rural".
Talvez ainda alguém se lembre de um museu de carros antigos, para continuar a folia. Ou talvez o Brasil, que é um país rico, aceite instalar um museu onde represente a sua cultura, a sua arte, a sua arquitectura, moderna e vernácula...
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