1. Vale a pena dialogar com o António Pinto Ribeiro porque tem sido um programador a que atribuo (é uma opinião pessoal) competência e pertinência - apesar de algumas incomprensões, possivelmente minhas. Existe portanto uma relação de proximidade e de distância, que se prolonga em interesse e apoio em diversas iniciativas e em discordância noutros casos, como sucede quanto ao artigo que acaba de publicar no Ypsilon, Público de 14 de Outubro (só acessível a assinantes da versão digital): "As artes sempre foram, são e serão minoritárias", pág. 46, sob a epígrafe "Política cultural". Enquanto editor (...um passo memorialista...) não o publicaria, sem achar que isso fosse censura - pelo menos teria de ser antes muito discutido. De facto, parece-me errado o artigo sob muitos pontos de vista e totalmente inoportuno neste especial momento político, que julgo ser necessário enfrentar com bastante espirito analítico e autocrítico. Se há uma guerra de posições no espaço político, e estamos em desvantagem, as trincheiras estão a mudar de lugar muito depressa: os exemplos, os morticínios e as revoluções de 14-18 não estão na ordem do dia. Preocupa-me que sigamos de derrota em derrota.
qual é o Museu, qual é ele?
2. APR dedica parte substancial da sua atenção às estrelas que em tempos recentes passaram a acompanhar as recensões e os textos críticos na imprensa. Não sei se é um bom tema de debate, acho que não, que é uma pequena guerra inútil, uma absurda guerra perdida à partida. Mas há algumas coisas a tentar esclarecer. Desde logo, não foram os críticos ou "a crítica" (estranha entidade colectiva) a decidir incluir nos seus textos uma valoração por estrelas... Foram as chefias, os editores e/ou os directores que impuseram a publicação das tais estrelas, e os críticos (em geral) sujeitaram-se a elas com maior ou menor azedume. Havia razões para essa orientação: o crescimento exponencial da oferta cultural e também do número das páginas impressas justificava querer-se adoptar uma mais fácil orientação do leitor-consumidor (é um destaque, entre muitos outros que os critérios editoriais e gráficos impuseram na evolução dos jornais).
Por outro lado, não será irrelevante (e o argumento usou-se...) o facto de parte dos textos críticos tender a ser de entendimento reservado a públicos especializados (passa-se tendencialmente o mesmo no futebol e na economia, por exemplo) e de os críticos usarem em muitos casos de uma excessiva prudência quanto à apreciação crítica (valoração qualitativa) dos objectos em apreço - ou porque o meio é restrito e convém manter convivências e trocas, ou porque se quis pôr de parte a ideia de juízo crítico como Clement Greenberg o praticou, adoptando em seu lugar um esforço neutro de contextualização onde tudo cabe, excepto um ou outro desprevenido intruso. Parte da crítica tinha-se profissionalizado já não como jornalista mas como agente ou intéprete da sua especialidade (professor, comissário, gestor, programador). Depois o espaço da crítica reduziu-se a duas (ou três?) publicações - o que foi também a resposta a essa evolução e/ou involução. Como da leitura dos textos o leitor (o público frequentador-consumidor da oferta cultural generalista) não depreenderia se lhe recomendavam ou não um programa, exigiu-se do crítico que fornecesse uma indicação compreensível e que arriscasse um juízo crítico sob a sua expressão mais simples e escassa. Nota-se que muitos deles contornam a exigência atribuindo 4 ou 5 estrelas a quase tudo. Trata-se de evitar a escolha, de não ferir as susceptibildades do meio a que pertence, de fazer sobreviver relações num estreitíssimo e muito centralizado meio cultural.
3. As estrelas que classificam a oferta cultural terão nascido, ou ter-se-ão imposto, pelo menos, segundo me parece, no meio do cinema, e mais concretamente nos "Cahiers du Cinema", no início dos anos 60, como uma estratégia crítica de clarificação de gostos e de apostas. Depois alargaram-se lentamente. Não tenho paciência para ir recordar esse episódio e confirmar ou não essa origem.
4. Se eu tive alguma reserva face à atribuição de estrelas perdi-a no átrio de um magnífico museu de Copenhaga onde fui ver um grande pintor local desconhecido no exterior (L. A. Ring). Lá estava uma parede com recortes de imprensa e outras informações - e aí me orientei (em dinamarquês) quanto ao que se recomendava com mais ou menos estrelas (por exemplo uma exposição de Hammershoi, que aliás já conhecia...). É uma questão muito prática, uma forma de comunicabilidade, uma abertura em direcção ao leitor desprevenido - para quem um página de roteiro pode parecer escrita em dinamarquês. (Guy Debord, Jean Baudrillard, Pierre Bourdieu, John Frow são bibliografia escolar, mas aqui, a este nível básico, só fazem ruído.)
5. Não entendo por que razão e para quê se chega a uma frase assim - "Que sejam interlocutores dos mecanismos de criação e de difusão das artes a sustentar a valoração do que vêem e apresentam prioritariamente na dimensão do consumo diz bem de como o sistema das artes perverteu a relação privada da obra com o seu receptor e com o seu autor, gerando um conjunto de falácias que alimentam o populismo e a demagogia sobre as artes e os artistas". Se usamos a expressão oferta cultural, também usamos consumo cultural, não vem daí mal ao mundo, nem assim se impede a tal relação privada. Mas será esta um fim em si mesmo?
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