Passados mais de Cem Dias desde que o Governo está em funções, a Secretaria de Estado da Cultura está ainda sem presença na Internet, sem página, o que é tanto mais estranho quanto a dinamização das plataformas digitais da comunicação cultural farão parte das suas competências. A agenda oficial, os comunicados enviados para os orgão de comunicação, os discursos, os documentos que reformam ou reformulam a orgânica, a orientação e a actividade da SEC não se conhecem, a não ser por prestável transcrição da Imprensa.
O estado de coisas é este, tal como se podia constatar no início desta segunda-feira, 3 de Outubro: www.portugal.gov.pt .
Tentando outra via, o resultado não é melhor: www.min-cultura.gov.pt
A situação é tanto mais absurda quanto o titular até é um literato moderno, com experiência da importância dos blogs.
Assim, andamos a saber o que se decide na Ajuda através de sínteses jornalísticas de conferências de Imprensa e também de citações de comunicados (?) que serão mais ou menos fidedignas, com mais ou menos transcrição da voz própria.
Por exemplo, a versão mais atenta da declaração política de 21 de Setembro parece-me ter sido esta, de Alexandra Carita no Expresso on-line:
O plano do Governo para o emagrecimento da Cultura
Secretário de Estado da Cultura apresentou hoje novo modelo organizativo da Cultura. Fusões, mega-agrupamentos e redução de cargos dirigentes põem em prática a política de redução de custos imposta pelo Governo e poupa 2,6 milhões de euros.
Alexandra Carita ( aeiou.expresso.pt )
Quarta feira, 21 de setembro de 2011
Francisco José Viegas anunciou corte de 2,6 milhões de euros na Cultura
"O compromisso de redução da despesa assumido pelo Governo traduz-se na Secretaria de Estado da Cultura numa reestruturação do Setor Empresarial do Estado, que sofre alterações substanciais, na alteração profunda do seu organigrama e na redução de cargos dirigentes". As palavras são do secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, que ao fim da manhã de hoje apresentou no Palácio da Ajuda as novas linhas com que se cose a Cultura.
E coser é a palavra certa tendo em conta que a maioria dos institutos e entidades tuteladas pela SEC se fundem em mega-agrupamentos. Com gestão comum a partir do ACE (Agrupamento Complementar de Empresas), a Companhia Nacional de Bailado, o Teatro Nacional de S. Carlos, o Teatro Nacional D. Maria II, o Teatro Nacional de São João e a Cinemateca Portuguesa/Museu do Cinema, todos E.P.E. terão apenas a sua autonomia assegurada no que concerne à criação.
A gestão orçamental, a administração corrente, os recursos humanos, o marketing serão áreas de ação da ACE. O objetivo, diz o SEC, é criar "mais economia de meios, mais eficácia e melhores condições do exercício operacional de cada instituição, salvaguardando o princípio fundamental da manutenção da identidade doas corpos artísticos".
Um presidente (ainda por encontrar), um vice-presidente e cinco administradores (um por cada E.P.E.) formam o conselho de administração do ACE reduzindo de 11 para 7 os corpos dirigentes destas instituições. Com uma estratégia a médio/longo prazo, o ACE terá mandatos com duração de três anos.
Receita de Bilheteiras
A valorização dos resultados das bilheteiras é outro dos dados novos a ter em conta pelos diretores-artísticos e administradores de cada E.P.E. Uma linha ponderada de receitas de bilheteiras marcará a bitola a seguir. Quem a ultrapassar terá como prémio o encaixe desse lucro para utilizar nas suas produções, programação e afins. Essa valorização será feita em função e em proporção "com as exigências da programação das instituições" e traduz "uma preocupação muito grande com a criação de públicos", explica o SEC.
Essa ordem de ideias faz também com que Francisco José Viegas assegure que todas as programações serão discutidas com a sua Secretaria. "Não queremos impor nada, mas queremos estar informados e dar a nossa opinião".** O SEC garante ainda que as receitas de bilheteira não são "uma questão financeira, mas sim uma questão ética". "Não acho justo que uma companhia de teatro ou uma produtora não manifeste preocupação com a questão do público." Essa matéria, a criação de públicos, será objeto de debate público e uma tarefa "não para uma legislatura, mas para dez anos".
Património reunido
Na mesma linha do que acontece com as instituições das artes performativas, as fusões alargam-se ao setor do Património. Instituto de Gestão do Património Arquitetónico e Arqueológico, Instituto dos Museus e da Conservação e Direção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo formam a DGPC - Direção-Geral do Património Cultural. Em cima da mesa está aqui a transferência de maior responsabilidade para os agentes que estão no terreno. O modelo de gestão não difere do apresentado para o ACE.
E os resultados esperados também não: "Gestão mais racional de recursos humanos, diminuição dos encargos com as contratações e serviços externos, e redução da despesa relacionada com processos internos."
O livro como cavalo de batalha
A Direção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB) agrupa as antigas Direção-Geral do Livro e das Bibliotecas e Direção-Geral dos Arquivos, seguindo um modelo já testado em países como a Espanha e a França. Com o objetivo muito concreto, e para já o cavalo de batalha de Francisco José Viegas, de "trazer o livro de novo para a ribalta", potenciar a política do livro, a expansão da literatura nacional e de expressão portuguesa, o OE de 2012, garante o SEC já incluirá um aumento substancial da verba atribuída ao apoio à tradução.
Ao todo, a nova SEC apresenta uma redução de 31% nas suas estruturas orgânicas, extinguindo cinco, e passando de 191 cargos dirigentes para 122. Em euros, vai poupar 2,6 milhões."
Na versão de Telma Miguel no Sol, é assim:
"O SEC quer ainda definir uma «linha média» para resultados de bilheteira a obter e discutir com os directores dos teatros nacionais a linha de programação: «O que não significa impor. É um dever nosso discutir o que deve ser o repertório dos nosso teatros nacionais. Isto acontece em todo o lado. É uma discussão importante, que deve estar aberta aos cidadãos»."
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A propósito, não entendo bem as inquietações de alguns insinuantes comentadores culturais, como deixei comentado noutro sítio:
Convirá ler com atenção o "discurso" em causa, através da sua melhor apresentação-resumo na imprensa (Alexandra Carita no Expresso), antes de ter pressa em pôr o dedo no ar. 1. "Não queremos impor nada, mas queremos estar informados e dar a nossa opinião" (certo - os programadores não são empresários por conta própria). 2. "as receitas de bilheteira não são 'uma questão financeira, mas sim uma questão ética'. 'Não acho justo que uma companhia de teatro ou uma produtora não manifeste preocupação com a questão do público.'" (certíssimo - as questões da recepção ou do consumo são essenciais) 3. "Essa matéria, a criação de públicos, será objeto de debate público" (óptimo).
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Seguindo a versão do "Público", temos:
1. Cultura vai poupar 2,6 milhões e reduzir cargos dirigentes
Por Alexandra Prado Coelho
Viegas garante a autonomia artística das novas Entidades Públicas Empresariais (teatros nacionais, CNB e Cinemateca), mas quer discutir a programação
Público, 22 Set.
Uma poupança de 2,6 milhões de euros, uma redução em 36% no número de dirigentes superiores e intermédios (que passam de 191 para 122), uma gestão integrada dos teatros nacionais, da Companhia Nacional de Bailado (CNB) e da Cinemateca e a junção dos museus e do património. Estas foram as principais novidades anunciadas pelo secretário de Estado da Cultura, Francisco José Viegas, numa conferência de imprensa ontem, em Lisboa.
Viegas explicou que o Agrupamento Complementar de Empresas (ACE), que irá ser criado pela Secretaria de Estado da Cultura (SEC), fará uma "gestão integrada e muito mais racional" dos recursos de cinco Entidades Públicas Empresariais (EPE): a Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, a CNB e os teatros nacionais de São Carlos, São João e D. Maria II. Será mantida a "identidade dos corpos artísticos", garantiu Viegas.
Defendeu, por outro lado, que a programação destas entidades deverá ser discutida com o seu gabinete e que os resultados de bilheteira serão tidos em conta. Mas, sublinhou, isto "não porá em causa nem um milímetro da autonomia artística". Trata-se de uma "questão ética" - "não acho justo que uma companhia ou produtor não manifeste preocupação com as questões de público".
A reestruturação da SEC visa "reduzir os custos" e "encontrar modelos mais eficientes de funcionamento". As contas finais apresentadas ontem indicam uma redução de cinco organismos (passam de 16 para 11), e de 28% nos custos dos cargos dirigentes, com uma poupança de 2,6 milhões euros. Um exemplo: até agora, o São Carlos, o São João e o D. Maria II tinham cada um três administradores e a Cinemateca dois, num total de 11. O ACE terá um presidente, um vice-presidente e cinco administradores delegados (um por cada entidade). A nova estrutura extingue o Opart (que agrupava a CNB e o São Carlos) e cria estas cinco EPE, que terão gestão financeira centralizada no ACE.
"A gestão deve ser entregue a especialistas para que as EPE se possam concentrar na programação." Quanto à necessidade de discutir o conteúdo desta programação, Viegas frisou que "não significa impor" alguma coisa. "Defendemos um repertório de primeira linha para os teatros nacionais e queremos ser informados sobre o que vai ser feito." Viegas confirmou ainda a fusão da Direcção-Geral do Livro e das Bibliotecas e a Direcção-Geral dos Arquivos numa nova entidade, a Direcção-Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecas (DGLAB), e sublinhou que a política para o livro será central para a SEC.
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2. Fusão entre museus e património
Apoios às artes passam por direcções regionais
Na área do património, o Instituto de Gestão do Património Arquitectónico e Arqueológico (Igespar), o Instituto dos Museus e da Conservação (IMC) e a Direcção Regional de Cultura de Lisboa e Vale do Tejo (DRCLVT) vão fundir-se num único organismo: a Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC).
A DRCLVT desaparece porque estava fisicamente muito próxima dos organismos centrais, mas as outras direcções regionais "são necessárias" e "têm funções muito determinadas" no terreno, disse ontem o secretário de Estado da Cultura. Serão, aliás, reforçadas, afirmou Francisco José Viegas, dado que vão passar a ter algumas das atribuições da Direcção-Geral das Artes no que diz respeito aos concursos para atribuição de apoios. "Não pode ser um júri em Lisboa a decidir os apoios às artes em todo o país."
Sobre um reforço das autonomias que alguns museus nacionais têm pedido, Viegas considerou que há museus que "podem ter autonomia", mas será preciso resolver questões prévias. E isso "demora tempo". A.P.C.
Uma outra versão do mesmo acontecimento - intitulada "Viegas garante a autonomia artística dos teatros mas quer discutir programação" encontra-se aqui com data de 21 Out. no ipsilon.publico.pt
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Diria mesmo mais:
adaptando uma frase acima transcrita sobre receitas de bilheira, consideraria que
a circulação e a transacção dos objectos culturais e artísticos no espaço público (no mercado) não começa por ser 'uma questão financeira, mas sim uma questão ética'.
Isto porque considero decisivo considerar os artistas (e que eles se considerem) como produtores de bens transaccionáveis, alguns dos quais podem chegar a ser distinguidos com encomendas, com prémios e bolsas, e com o destino do museu, ou outras formas equivalentes de selecção e consagração.
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