Por ocasiçao de uma exposição da colecção de fotografias do Museu Frida Kahlo, dia 3 de Nov.
"Frida Kahlo, uma mulher na história da América"
EXPRESSO/Actual 05-04-2003, pp. 26-27 (publicado por ocasião da estreia do filme Frida, de Julie Taymor)
Uma pintura entre a tradição e a revolução do México, entre a vida real e o imaginário
Quase esquecida nos anos 50, quando o modernismo abstracto parecia impor-se como linguagem universal do pós-guerra, Frida Kahlo renasceu como ícone feminista e emblema do multiculturalismo pós-moderno. A biografia de Hayden Herrera, publicada em 1983 e depressa convertida em «best-seller», e a revalorização mercantil das suas pinturas, que fez chegar os preços em leilão ao milhão de dólares, com a ajuda de Madonna, e a dez vezes mais em anos recentes, estimularam a «fridamania», que agora se estende ao cinema.
Apreciada em vida em meios restritos, em grande parte graças à associação ao surrealismo promovida por André Breton, Frida Kahlo (1907-1954) tornou-se entretanto o mais conhecido artista latino-americano, ocupando o lugar que na primeira metade do séc. XX cabia ao muralismo revolucionário mexicano, de que o seu marido Diego Rivera foi o mais famoso representante, ao lado de Siqueiros e Orozco.
Mais do que uma efectiva reapreciação crítica da obra, favorecida por um novo interesse pelos temas da identidade e do género (a dominação colonial, a relação centro-periferia, o lugar da mulher, a bissexualidade), foi a exploração das peripécias dramáticas da sua vida que lhe assegurou o lugar de objecto de curiosidade e de culto, numa dinâmica polarizada nos papéis de vítima e heroína. A beleza exótica de um corpo martirizado (a poliomielite aos seis anos, o acidente de autocarro aos 18, as ulteriores operações à coluna, etc) e a paixão tumultuosa por Rivera, as separações e os/as amantes (Trostky, o escultor Isamu Noguchi, o fotógrafo Nicholas Muray, a pintora Georgia O’Keeffe) alimentam mais uma vez o tema do artista maldito.
A obra e a vida são obviamente indissociáveis no caso de uma artista que se dedicou principalmente ao auto-retrato, mas convém evitar a facilidade de ver as pinturas como mera ilustração dos episódios biográficos. E é também demasiado empobrecedor isolar o romance individual, onde a doença e os conflitos passionais ganham todo o protagonismo, da enorme riqueza do quadro histórico e artístico em que viveu, no período subsequente à Revolução mexicana de 1910-1923 e num contexto americano de contraditórias relações entre a modernidade europeia e a afirmação cultural localista ou indigenismo.
Esquecidas as coordenadas ideológicas em que se moveram Frida e Diego Rivera, no México revolucionário e nos Estados Unidos do «New Deal», há riscos de se ficar apenas com uma intriga sentimental e folclórica, por mais aliciante que ela seja. Quando Frida acompanha Diego em São Francisco, Detroit e Nova Iorque, em 1930-33 - e é nesses anos que começa a sua carreira -, os muralistas mexicanos eram vistos como os primeiros grandes artistas modernos da América e exerciam uma poderosa influência.
A obra de Frida Kahlo, e também a sua própria imagem pública (com os vestidos tradicionais que encobriam as pernas feridas), participava de uma afirmação colectiva da mexicanidade que acompanhava a militância política e social, contrapondo às vanguardas europeias a revalorização da cultura popular índia e o orgulho das civilizações pré-colombianas. Na Europa, os anos 30 assistiam também à aparição de realismos nacionais, a par da movimentação surrealista.
Exorcizando a doença e as crises do seu casamento, Frida trocava a epopeia do protesto social e da transformação política (apesar da sua militância política) pelo intimismo da auto-observação e da confessionalidade sentimental. A sua pintura tomava como base directa a tradição dos ex-votos e dos retábulos e retratos tradicionais do México, associando-os à recuperação de símbolos das culturas pré-hispânicas tomados como expressão das forças vitais da natureza.
Nascida em 1907 (embora tenha adoptado a data de 1910 para coincidir com o início da revolução mexicana), Frida era filha de mãe mestiça e de um alemão de origem húngara judia, Wilhelm/Guillermo Kahlo, que se especializou como fotógrafo de monumentos pré-hispânicos e coloniais. Aos seis anos foi vítima de poliomielite, que lhe deformou a perna e o pé esquerdos, seguindo-se aos 18 anos (1925) um acidente que a deixou semi-inválida, quando o autocarro em que viajava chocou com um eléctrico: ficou com a coluna vertebral esmagada em três sítios e a perna e o pé direito partidos, enquanto um ferro que a atravessa fractura-lhe a bacia e sai pela vagina. Operada mais de trinta vezes, até à morte em 1954, com 47 anos, passou a última década cada vez mais debilitada, dependente de drogas e alcool. É imobilizada na cama que começa a dedica-ser à pintura e faz os seus primeiros auto-retratos, usando um estirador especialmente adaptado e um espelho.
Notas (1927-8 entra no partido comunista pela mão de Tina Modoti, conhece Rivera e casa-se em 1929./ 1930-33 América, quatro anos; Edward G. Robinson primeiro quadro vendido na América; Isamu Nogochi, 35 Trostsy e Breton / Expõe em Nova Ioque e em Paris. Volta a casar com Rivera em 1940, em S. Francisco / 48 PC / Em 1953 a primeira exp. individual organizada por Lola Alvarez Bravo, inauguração a que chega de ambulância e onde instala uma cama.)
2006
Em 2006, exp. no CCB apresentada por iniciativa do então presidente Fraústo da Silva. Foi anunciada pela imprensa como a itinerância da grande exposição de Frida na Tate Modern (de Vicente Todolí), o que motivou desilusões e queixas. Era apenas a parte do Museu Dolores Almedo nessa mostra de Londres...
"EXPOSIÇÃO INÉDITA NO CCB" (Fonte: Lusa)
"A maior e mais completa exposição das últimas décadas sobre a obra da pintora mexicana Frida Kahlo (1907- 1954), cujos quadros nunca foram exibidos em Portugal, abre hoje no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa.
Vinte e seis quadros, fotografias, diários, vestidos semelhantes aos que usou e outros objectos pessoais integram esta exposição, cujo conteúdo foi disponibilizado pelo Museu Dolores Olmedo Patiño.
Depois de ter passado pela Tate Modern de Londres e a Fundación Caixa Galicia, em Santiago de Compostela, a exposição ficará a partir de hoje no CCB até 21 de Maio. (...)"
18 Fev. 06 (Expresso/Actual) INAUGURAÇÕES:
Frida Kahlo, a pintora mexicana e o seu mito, no CCB: não é a retrospectiva da Tate Modern, mas não deixa de ser um acontecimento que reconciliará o público com a grande instituição de Belém; vão expor-se, vindas de Santiago de Compostela com o apoio da Caixa Galicia, 26 obras originais (19 pinturas, seis desenhos a lápis e uma litografia), mais a cópia fac-similada do seu diário, retratos fotográficos da artista - bebé de três anos, adolescente, de viagem pelos Estados Unidos, com o marido Diego Rivera (o grande muralista que o CCB também expôs (em 1995) numa importante embaixada mexicana), presa à cama pela doença, etc. - e ainda três vestidos e vários adereços; as obras originais vêm do Museu Dolores Almedo, no México, e incluem o famoso auto-retrato A Coluna Partida (1944), de um período de agravamento da saúde da pintora (1907-1954), representando o colete de aço que então usava, o Auto-retrato «con Changuito, de 45, e ainda obras como O Hospital Henry Ford ou A Cama Voadora, de 32, Uns Quantos Golpes, de 35, A Minha Ama e Eu, de 37, Flor da Vida, de 43, Sem Esperança, de 45, em geral de forte sentido autobiográfico e testemunhando mais a proximidade da artista com a pintura popular mexicana de ex-votos do que com o surrealismo. Inaugura dia 23 de Fevereiro de 2006.
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