No CAM. Das reservas sairam obras pouco ou nada vistas, que dão uma ideia da falta de espaço de que sofre o respectivo Museu (se é que existe Museu).
Jorge Barradas, (Cancela em) Pernambuco, 1923
Carlos Botelho, s.t., 1933
Francis Smith, Vue sur la campagne, s.d.
Dominguez Alvarez, Catedral de Segóvia, s.d.
Dominguez Alvarez, Paisagem com castelo, s.d.
António Carneiro, Praia da Figueira da Foz, 1921
António Carneiro, Melgaço I, 1921
Para além dos Amadeos e outras presenças, como a de Eduardo Viana, a surpresa está nas 10 pinturas de António Carneiro, nas 9 de Smith, 11 de Alvarez, e também nas mais escassasa obras de Jorge Barradas e Carlos Botelho, que por vezes não conhecia ou não recordava. O conjunto abre portas para rever as qualidades da pintura moderna portuguesa, modernista em sentido amplo, exterior a práticas ou gostos académicos e também alheia a afirmações de vanguardismo. Os pequenos formatos encontrariam um público privado mais disponível e atento que o dos circuitos oficiais.
Mas a exposição de paisagens da colecção do CAM fez-me lembrar uma rábula do Solnado do tempo em que a auto-estrada para Lisboa se ficava pelos Carvalhos (e ele perdera-se logo à saída do Porto). Depois dos modernos aparecem obras dos nossos amigos e conhecidos, mas em muitos casos não se percebe porquê. Muitas delas foram feitas expressamente para Museus, mas isso não lhes concede mais importância - apenas maior formato. Como sucede com o vinho, as obras de arte deviam estagiar nas reservas (e em colecções): só algumas é que melhoram com o tempo.
Entretanto, o CAM pratica uma especialíssima ideia de Museu (caixa alta). À entrada, um aviso limita o acesso, já que a instalação (?) de Doris Salcedo "implica um percurso cuidadoso" (sic)... "pelo que apenas 40 pessoas podem permanecer no interior do museu". Claro que mesmo numa tarde de sábado não há 40 visitantes (certamente nunca houve 40 visitantes), o que se torna muito mais significativo em comparação com as filas dos curiosos atraídos pela exposição das naturezas-mortas em fim de carreira e com acesso gratuito, no edifício sede. O que distingue moderno e contemporâneo é isso: a limitação do acesso e a ausência de interesse do público. A segregação social. Em tempos a crítica distinguia o kitsch e a vanguarda, agora essa crença já não engana ninguém mas estabeleceu-se como poder corporativo.
Outra pista de análise pode ser o tema do gigantismo na arte contemporânea. A nave deserta do CAM com o labirinto de mesas da artista colombiana (que em tempos surgiu com interessantes peças de mobiliário esculpido que associavam a surpresa da observação atenta com o encontro de pormenores e sentidos clandestinos) não acrescenta qualquer intensidade significante ao que seria um alinhamento ordenado de algumas poucas mesas duplas com ervas. Tal como a acumulação de séries de desenhos (estudos, esboços e riscos desenfadados) de José Loureiro, multiplicados até à exaustão, nas caves da Culturgest, é um mau serviço feito a um artista que muito admiro.
O labirinto do CAM onde há mais guardas do que interessados não funciona como itinerário ou percurso, nada motiva o visitante a penetrá-lo, dada a desinteressante monotonia das mesas (ou perdi algum escondido efeito de surpresa?); nada há a mais para se ver por ser grande e repetitivo, e é apenas uma barreira estúpida no acesso às duas naves restantes (o Museu, afinal). A inauguração deve ter sido uma ocasião caricata (se apareceu alguém além dos encomendadores), mas esse possível happening perdeu-se. Não aceito que se fale em 162 esculturas a propósito da repetição de uma sandwich de terra entre duas mesas (a fome no mundo?, a importância da agricultura de subsistência? algum vegetarianismo radical), e recuso-me a tomar conhecimento da informação muito publicitada que "explica" aquele projecto por referência a não sei que episódio de violência política num qualquer sítio - a violência ali é outra e tem a ver com a arrogância cultural. Pelo contrário, a inexplicada falha no chão do Hall das Turbinas (Tate Modern), em 2007, pareceu ser uma intervenção eficaz, pela sua presença objectual e por essa mesma ausência de representação e de referentes explícitados.
É no espaço dos pequenos formatos que iniciam a exposição das paisagens que se concentram os poucos visitantes do CAM: há obras que atraem e prendem o olhar; outras percorrem-se ou, antes, vêem-se de longe. Não se vêem, não há nada para ver (a pequena ideia que se escreveu na memória descritiva não resiste ao olhar).
Acho isto, que se traduziria por súplica ou oração muda, uma cena absurda e vazia, mas é contemporânea e serve para encher espaço. A srª será "one of the foremost sculptors of our time", segundo o Moderna Museet de Estocolmo e Malmö, mas este é um muito elogiado projecto falhado, e as coisas para ver estão em cima à direita.
Em tempo: a antologia das naturezas-mortas revelou-se um projecto demasiado ambicioso para as possibilidades da Gulbenkian, que é uma das maiores fundações europeias mas não é um parceiro na área das grandes exposições internacionais - só em parceria era possível tratar um tal tema. Para além das ausências e sub-representações graves (Matisse e Derain...), as opções do comissário, que se interessou menos pela pintura de naturezas-mortas do que por uma suposta dinâmica do séc. XX, pela sucessão escolar dos estilos e a atenção aos novos meios (fotografia, filme, apropriação de objectos), agravaram a fragilidade teórica da abordagem do tema. Mas vieram os três Cézannes, os Van Goghs, o Odilon Redon, o Ensor e o Soutine (mas destes últimos porquê só um de cada quando a n-m é tão marcante nas suas obras?!)...
E não vai haver mais nada de tão ambicioso nos próximos tempos.
tem Hogan?
Posted by: www.facebook.com/profile.php?id=1414866109 | 01/10/2012 at 21:38
Querias!? Nem as paisagens urbanas do Sá Nogueira e do Nikias dos anos 50/60, nem muita outra coisa. Não é uma antologia temática consistente. É uma espécie de Salão.
Posted by: AP | 01/18/2012 at 22:35