EXPRESSO 5 de Janeiro de 2012, caderno "Actual", pág. 47 ("Convidado" - nº comemorativo dos 40 anos do Expresso, onde colaborei e trabalhei durante 25 anos, até 31 de Março de 2007)
Convidaram-me para a edição comemorativa dos
40 anos do Expresso. Obrigado, deu-me alguma
satisfação e foi uma oportunidade para referir coisas que não escrevi em
tempo útil. Estive por lá 25 dos 40, e estou fora há quase 6: foi uma feliz oportunidade - refiro-me agora à saída - , própria de já antigos tempos, irrepetíveis.
Comecei por escrever um roteiro das exposições em 1982, e o "Cartaz"
ocupava as 4 primeiras páginas da "Revista", muito antes de passar a
ser um suplemento autónomo que veio a chamar-se "Actual". As duas
primeiras páginas do Cartaz incluiam então o sumário da "Revista", a tv
do fim de semana (os 2 canais) e um roteiro selectivo (crítico e
opinativo) da semana cultural, não assinado, que eu comecei a escrever
em substituição do António-Pedro de Vasconcelos, quando foi rodar um
novo filme. Cabia tudo, ou o que achávamos importante.
Eu era então
jornalista do "Diário de Notícias", e continuei a ser até 1985 -
bastava atravessar a Avenida várias vezes ao dia e pela noite fora.
NOTA: O facto de ser tratar de um texto escrito por convite não é justificação para não ser pago. E esperei eu uma semana antes de o republicar aqui...
Memórias e revisões
A oportunidade é própria para o memorialismo, mas convirá que seja menos narcísico do que propício a histórias de proveito e exemplo. E se me apetece relembrar as circunstâncias em que comecei a colaborar com o Expresso, também julgo que o episódio tem alguma moralidade.
Tinha passado para a secção de cultura do Diário de Notícias. Nunca desejara candidatar-me a tal área, a política era o espaço de formação e interesse, dentro e fora do jornalismo (associando ambos - a "independência" serve aos mercenários). Mas um primeiro acesso à chefia foi-me vedado*, eu recusei a compensação de um périplo dourado com Cavaco primeiro-ministro por países árabes, e passei por castigo à "informação geral", aliviado depois nas artes. Ficaram daquele trânsito, como experiências marcantes, visitas com ministros à Mitra e a Pinheiro da Cruz - fizeram-me bem, como os três meses de Mafra.
Pouco depois, aconteceu na Gulbenkian a grande revisão pluridisciplinar dos anos 40, programada por José-Augusto França com os seus amigos e discípulos, que nunca se repetiu na mesma escala para as décadas seguintes. Apesar da pouca experiência do jornalista-crítico e do lugar ainda institucional do DN, aventurei-me a escrever quatro longos artigos sobre o panorama das artes plásticas que aí se via. Entre os pontos visados estavam a ausência de Vieira da Silva e a menorização das Exposições Independentes, a partir do Porto, pioneiras em vários domínios, com Resende, Lanhas e Pomar. Outra matéria polémica era o tratamento de favor dos surrealistas amigos e o quase esquecimento dos concorrentes animados por Cesariny. Depois Vieira reentrou na história nacional sem perder a nacionalidade francesa oferecida em 1956, e Mário Cesariny foi muito valorizado como pintor, até ao excesso contrário.
Julgo que não se publicariam hoje artigos como esses, pela extensão e teor crítico (sem querer dizer que o passado é que era; não havia internet nem hipertexto). Fiquei a dever-lhes a passagem para o Expresso e a certeza de que era mais produtivo afirmar a autoria com um discurso diferenciador do que participar em coros complacentes. Foi decisivo o facto de Mário Cesariny, convidado pelo Expresso a enviar um depoimento para um “Especial Anos 40” (24 Abril 1982, em 14 densas páginas - não se publicam mais dossiers assim), ter escrito uma breve mensagem que alguém paginou com destaque para alinhar com as demais respostas: “Da exposição só sei o que se diz nos artigos de Alexandre Pomar no DN, que são um bom ponto de partida para um esclarecimento.” As seguintes sete linhas eram mesmo surrealistas.
Se penso que tinha globalmente razão nos quatro artigos (tenho de lembrar aqui que o José Leal Loureiro me convidou a ampliá-los em livro, na Regra do Jogo, mas teria de investigar mais e o jornalismo impõe a inconstância das agendas), há outros lapsos e erros que pesam na memória. Sem entrar em releituras metódicas, é notório que íamos demasiado atrás de dinâmicas de circunstância e afirmações geracionais, ignorando fenómenos menos mediáticos (e afinal eramos nós no Expresso que mediatizávamos).
Descobri depois que à margem das modas estava a Galeria Moira, de Moira Forjaz, vinda de Maputo e pioneira na apresentação de artistas africanos - a que só recentemente se presta atenção, talvez tarde de mais. Abriu em 1989 na Praça das Flores e aí esteve até 1997, expôs Malangatana e Berry Bickle, Jorge Mealha e António Quadros, arte tradicional e popular, outros estrangeiros, etc. Fui lá poucas vezes, apesar de ficar perto de casa, e nunca o poderei remediar. Moira Forjaz era também a fotógrafa esquecida de Muipiti, Ilha de Moçambique, o que dá passagem a um segundo tópico revisionista.
A década de 80 conheceu uma viragem radical das condições de circulação e afirmação da fotografia. Impôs-se a primeira geração de fotógrafos que eram profissionais como artistas, com Paulo Nozolino e José M. Rodrigues, a partir de Paris e da Holanda. Essa afirmação geracional contou com a dinâmica dos Encontros de Coimbra e com a acção de António Sena na Ether, construindo uma rectaguarda histórica de fotógrafos inéditos ou quase. O processo foi globalmente positivo mas cometeram-se grandes injustiças, que só devagar se corrigem, ou já não.
A originalidade de Adelino Lyon de Castro (O Mundo da Minha Objectiva, Pub. Europa-América, 1980 - de que nunca vi qualquer recensão) só recentemente foi reconhecida entre os tão maltratados salonistas, mas a apontar uma direcção neo-realista que ficou oculta. Eduardo Gageiro e Augusto Cabrita não tiveram então o lugar merecido. Rogério (Pereira), que apresentou "Momentos" na Gulbenkian, em 1981, fez uma fotografia actualizada e interventiva na África do Sul e Moçambique; foi com ele (ou por ele?) que Ricardo Rangel passou dos jornais às exposições, em 1973 e 75. De volta a Portugal, a “Nova Imagem” dedicou-lhe o primeiro número (1980), mas A. Sena desprezou-o. O seu espólio conserva-se em Maputo. O já citado livro de Moira Forjaz, com texto de Amélia Muge, editado em 1983 pela Imprensa Nacional (sem ser acompanhado pela autora) é outro marco; desde os anos 60 que fotografava em Moçambique e periferias mas esse acervo só lentamente se tem revelado.
Outro caso de sistemática ignorância, e já muito mais tardio, é o de Maria Lamas, admirável fotógrafa ocasional de um livro único, As Mulheres do Meu País, auto-edição de 1948-50 que foi muito bem reproduzida em 2002 na Caminho pelo gráfico José António Flores. Mesmo então ninguém atendeu à qualidade das imagens, mas veio a ser a presença mais destacada na exposição "Au Féminin / Women Photographing Women", de Jorge Calado na Gulbenkian de Paris, em 2009. Falta fazer-lhe plena justiça.
*Era então director Mário Mesquita.
Très bien. Gosto sobretudo da parte memorialística. Quanto ao resto, os 'regrets' são sempre muitos, muitos. Lembro-me bem da Moira, ainda escrevi umas quantas vezes sobre as exposições da galeria. Hoje era impensável, como dizes.
Posted by: Luísa | 01/13/2013 at 01:01