"Lusofonia é um conceito vago, demasiado vago — e uma versão kitsch de uma boa relação de Portugal com os países que foram colónias, que são ex-colónias. Alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista e nostálgica do império, a lusofonia tem uma história, balizada por alguns acontecimentos."
Começa assim o Pinto Ribeiro, para ficarmos a saber que não sabe de que fala, ou que baralha tudo para tentar caber entre a esquerda assim e a direita assado.
A história que ele pretende contar, a da lusofonia, não está certa; ou a história que quis colar ao conceito de lusofonia não lhe pode ser associada; ao contrário do que crê ou sugere, não inclui Bartolomeu Dias nem o Mapa Cor de Rosa, a captura de Gungunhana, a mensagem legitimadora do luso-tropicalismo, a guerra colonial, etc. A lusofonia é recente, é mesmo pós-colonial, posterior ao fim das colónias. O colonialismo foi outra coisa e não se confunde com o conceito de lusofonia.
"O emprego do termo “lusofonia” ganhou difusão há poucas décadas ( Os primeiros registros do vocábulo surgem no final dos anos 1980 nas publicações do Instituto de Estudos Luso Galaicos da Fundação Viqueira, na Revista Internacional de Lusofonia...) e só se firmou lexicalmente na segunda metade dos anos 1990.
Nessa direção, Lourenço do Rosário (2007) aponta para o fato do termo só ter sido
utilizado no momento posterior aos processos de independência das
colônias africanas: “até meados de 70 do século XX […] jamais alguém
utilizou o conceito lusófono ou lusofonia para se referir ao que quer
que fosse” (p. 1).
Ao termo é reservado o estatuto de neologismo,
derivado do lexema lusófono que, segundo Peixoto da Fonseca, da Academia
de Ciências de Lisboa, foi “inventado” com referência ao vocábulo
francês francophone, datado de 1949. Em pormenor, o autor revela que
luso está para português e -fono é um sufixo de origem grega com sentido de voz, som, idioma..." in Breitenvieser, Camila Barrero, ENTRE “A FÁBULA E A ATA”. O REAL E O INSTITUCIONAL NA LUSOFONIA, dissertação UN.
A lusofonia não tem, portanto, a história que APR lhe inventa e não sei
bem o que se pode chamar a tal forma de forjar assim um passado para um
neologismo. Colonialismo, imperialismo continuam a ser colonialismo e
imperialismo e não se confundem com um conceito não utilizado antes das
independências: é um conceito pós-colonial.
É um lamentável artigo, errado histórica e conceptualmente, políticamente inconsistente, estrategicamente nulo, isto é, sem estratégia visível. É mais um tiro português nos frágeis pés da possível comunidade lusófona, e na realidade falante e cultural da lusofonia. Por aqui não há "próximo futuro" possível, mas o hábito do falhanço é persistente, com a ineficácia estrutural do Instituto Camões, com delírio megalómano do ex-África.Cont e por aí fora.
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O APR deve andar a pensar em criar um partido centrista (entre a esquerda conservadora e a direita nostálgica) que finalmente o eleve a ministro. Já tem programa para isso: lutar contra a lusofonia e inventar, por fim, uma forma que não seja torpe de neo-colonialismo (uma forma digna, decente, elevada, que não seja obscena, vil, etc. de neo-colonialismo - para concorrer com brasileiros e chineses descomplexadamente em pé de igualdade ? ).
Eu não sei por que chama "um logro" (embuste, mentira) à convenção diplomática e às vezes sentimental/mítica (largamente partilhada, às vezes, cá e lá..., porque os mitos e os sentimentos têm os seus sentidos profundos e os seus papéis reveladores) que assenta no neologismo lusofonia, e ignoro porque atribui ao reconhecimento do uso da língua oficial a natureza de "uma pátria", tantos anos depois do logro (esse sim, logro) colonial ter dado origem ao nascimento em geral atribulado de várias pátrias (e a longas guerras civis, enfrentando blocos mundiais e partes de pátrias entre si - se as há para além da formalidade institucional da importação ainda talvez colonial de um problemático conceito de pátria).
Também não sei por que considera que existe essa "incapacidade de construção de um país pós-colonial que não consegue olhar as suas ex-colónias numa relação de confronto de interesses e de respeito pelas identidades que cada um desses países pretende construir".
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Dizia então: "A expressão “bolha lusófona”, ouvida num congresso de literatura pós-colonial, pode ser a "metáfora certa" (como se diz) para estabelecer cumplicidades académico-políticas, mas não é operacional para entrar agora no terreno prático das relações entre leitores e agentes culturais maioritariamente lusófonos. Este projecto não pode fundamentar-se nem construir a rede de apoios e participações de que carece com a infeliz afirmação de que o nespaço linguístico comum é, afinal, "uma coisa pequenina que protege, sem arestas, inflamada e pronta a rebentar a qualquer momento. Fechada para o seu umbigo, não querendo ver nada mais, assim é a lusofonia." 2010
O texto da Marta Lança, de 2008, estava aqui: "A lusofonia é uma bolha"
A resposta da Marta à minha crónica ficou aqui: Buala
Na capa, "O Infante D. Henrique, iniciador do descobrimento científico do planeta e da obra de colonização europeia". Ilustração de José Tagarro
"A QUESTÃO COLONIAL"
"A Seara Nova entende que a finalidade ideal da nação, maior e profunda razão da sua independência, se liga indissoluvelmente à missão colonizante e, por consequência, à posse dos seus domínios do ultramar. Destarte, qualquer perigo que impenda seriamente sobre as colónias portuguesas, conturba e ameaça a vida de Portugal, no jogo íntimo das suas energias e aspirações essenciais."
(…)
A Seara Nova entende que Portugal deve aos indígenas dos seus domínios ultramarinos a protecção mais eficaz e um esforço contínuo de assistência no sentido duma crescente civilização. E pensa que só com essa condição lhe será lícito manter a soberania sobre os seus vastos territórios."
(Nº Especial, "O Problema Colonial", N.º 68 e 69 - 9/1/26 - in "SEARA NOVA ANTOLOGIA, Pela Reforma da República (2) 1921-1926", ed. Seara Nova, 1972, pp.19-26)
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