"A lusofonia tem uma história, balizada por alguns acontecimentos.
"Num primeiro momento, surge a ilusão de unir o Atlântico ao Índico, Angola a Moçambique, através de um projecto político que reforçava a necessidade de encontrar recursos económicos extraordinários no momento em que começavam a sentir-se no país os efeitos da revolução industrial. (Note-se que hoje é novamente com este argumento, agora usando a terminologia do investimento empresarial e da cooperação económica, que se evoca a lusofonia.) O projecto foi apresentado no Congresso de Berlim (1884-85) e fundamentava-se no direito de ocupação daqueles territórios, direito esse que na verdade era falso - à época, nenhuma potência colonial ocupava mais do que franjas do território africano. Este projecto, designado como Mapa Cor-de-Rosa, foi inteiramente rejeitado pelos países que traçaram as fronteiras africanas, nomeadamente pela Inglaterra (que impôs o Ultimato de 1890)." (António Pinto Ribeiro, Ipsilon/Buala, 18 Jan. 2013)
Eu não vou estudar o assunto, limito-me a consultar a Wikipedia, com o cuidado de confrontar diferentes línguas.
Primeiro, não percebo por que se considera aquele o 1º momento da história da lusofonia - o tráfico de escravos vinha de muita história anterior e tem profundas consequências lusofalantes, por exemplo o Brasil), mas adiante.
Depois, onde se diz Congresso de Berlim, corrija-se para Conferência de Berlim (o tal Congresso ocorreu em 1878, na sequência da Guerra russo-turca de 1877-1878, e o objetivo da reunião foi então o de reorganizar os países dos Balcãs) - é só um lapso, adiante. A tal Conferência (1884-85) teve como objetivo organizar a ocupação de África pelas potências coloniais. É significativo que a iniciativa tenha sido portuguesa e que o Congo estivesse no centro das disputas coloniais - o próprio nome da Conferência em alemão é “Conferência do Congo” (Congo Conference, Kongokonferenz) ou "Berlin West Africa Conference".
A seguir, é errado dizer que "à época, nenhuma potência colonial ocupava mais do que franjas do território africano", mas adiante. Já a referência ao "direito de ocupação daqueles territórios, direito esse que na verdade era falso", levantava dúvidas epistemológicas sobre o que se deve considerar verdadeiro ou falso em matéria de partilha de colónias, mas tinhamos passado adiante.
Vale a pena transcrever agora a Wikipedia en francês, já que os belgas estavam na berlinda e a versão portuguesa é menos cuidada. Entra a questão do Congo e a iniciativa portuguesa:
"La concurrence engendrée par l'exploration du bassin du Congo (1874-1877) par Henry Morton Stanley, qui efface l'une des dernières terra incognita de la carte du continent, conduit à l'organisation de la Conférence de Berlin. En 1876, la Conférence de Géographie de Bruxelles (12-19 septembre) avait été convoquée par le roi des Belges Léopold II afin d'envoyer des expéditions au Congo pour les motifs présumés d'y abolir la traite des Noirs maintenue par les arabes et, selon ses propres termes, de « civiliser » le continent africain. Elle aboutit à la création de l'Association internationale africaine. Dès 1878, le roi Léopold II saisit l'occasion de la traversée du continent par H.M Stanley pour l'inviter à se joindre aux travaux de la nouvelle
association.
En 1878, la Belgique créé aussi l'Association internationale du Congo
(cujo principal accionista era o rei Leopoldo II ) qui présente des objectifs plus explicitement économiques; elle reste toutefois en relation avec l'Association internationale africaine qui lui offre un paravent philanthropique. Stanley est chargé de retourner au Congo avec la mission secrète d'établir un État, le futur État indépendant du Congo, dont il serait le chef ( Léopold II y exerça une souveraineté de fait de 1885 à 1908 ) au nom de l'Association internationale africaine.
"Le Portugal, qui s'appuie sur des traités antérieurs signés avec l'Empire Kongo, revendique une souveraineté sur ces mêmes territoires. Il passe le 26 février 1884 un accord avec le Royaume-Uni pour bloquer l'accès de l'océan Atlantique à l'Association internationale du Congo. Le Portugal conçoit alors l’idée d’une conférence internationale pour le partage de cette région. L’idée fut immédiatement reprise par l’Allemagne avec le chancelier Bismarck qui convoqua la Conférence de Berlin le 14 novembre 1884."
Aí é que surgiria o Mapa-cor-de-rosa, só referido na versão "lusófona" (no caso português brasileiro): "Num momento desta conferência, Portugal apresentou um projecto, o famoso Mapa cor-de-rosa ((só tornado público em 1886, diz-se noutra entrada)), que consistia em ligar Angola a Moçambique para haver uma comunicação entre as duas colônias, facilitando o comércio e o transporte de mercadorias. Sucedeu que, apesar de todos concordarem com o projecto, a Inglaterra, à margem do Tratado de Windsor, surpreendeu (( mas só anos depois, em 1890... )) com a negação face ao projecto e fez um ultimato, conhecido como Ultimato britânico de 1890 ((esta entrada é particularmente instrutiva)), ameaçando guerra se Portugal não acabasse com o projecto. Portugal, com medo de uma crise, não criou guerra com Inglaterra e todo o projecto foi-se abaixo."
Portanto, é inteiramente errado dizer que "foi inteiramente rejeitado pelos países que traçaram as fronteiras africanas, nomeadamente pela Inglaterra (que impôs o Ultimato de 1890)". A coisa tinha sido aceite, graças também a muitas cedências a vários parceiros noutros locais, mas ia ser preciso ocupar de facto os territórios reivindicados. Por isso é que passaram cerca de 5 anos entre a Conferência e o Ultimato... "Para sustentar a reclamação de soberania foram desencadeadas diversas campanhas de exploração e avassalamento dos povos do interior e a resistência foi combatida com as chamadas Campanhas de Conquista e Pacificação conduzidas pelas forças armadas."
Passemos ao castelhano, que os espanhóis tb tinham interesses na matéria colonial, sem serem portuguesofalantes:
"En la Conferencia se proclamó la libre navegación marítima y fluvial por los ríos Congo y Níger, se estableció la libertad de comercio en el centro del continente africano formado por la Cuenca del río Congo, se acordó la prohibición de la esclavitud, y se estableció el derecho a reclamar una porción de la costa africana sólo si dicho territorio se ocupaba efectivamente y se comunicaba de este evento a otros estados.
Un elemento importante que fue pactado en la Conferencia fue reconocer como regla de "Derecho Internacional" el principio de uti possidetis iure, en tanto para que un estado europeo reclame derechos de soberanía sobre un territorio africano debería de establecer previamente una real posesión sobre éste. Para acreditar esta posesión era preciso que la potencia europea reclamante hubiese suscrito un tratado con la población local y ejerciera actos efectivos de administración, o que hubiera establecido una ocupación militar permanente que bastase para asegurar su posesión, adquiriendo también el derecho a la explotación económica permanente. El objetivo era evitar que las naciones europeas reclamasen derechos sobre un territorio donde no tuviesen presencia alguna, lo cual generó una competencia desenfrenada de misiones comerciales, diplomáticas y militares enviadas por países europeos con el fin de tomar a la brevedad la mayor cantidad posible de territorio africano."
A história de Portugal e a de África (que não é a história da lusofonia) é um pouco mais complexa do que se pretende. E em especial é diferente.
Comments