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EXPOSIÇÃO-FEIRA ANGOLA 1938
Dois anos antes da Exposição de Mundo Português, realizou-se em Luanda uma muito grande Exposição-Feira que não ficou para a história colonial. Teve por objectivo exibir o desenvolvimento económico de Angola num “documentário expressivo e completo”, em lugar de encarecer o programa historicista e a mística imperial do regime, como era norma das exposições coloniais e ocorrera por exemplo em 1937 na Exposição Histórica da Ocupação, em Lisboa no Parque Eduardo VII. Era “uma demonstração geral das resultantes do nosso esforço colonizador em Angola” [nosso, dos colonos, entenda-se], que devia “obedecer a uma orientação vincadamente utilitária e prática... fazendo que aos assuntos de ordem económica seja dado relevo especial”, escreveu o governador geral coronel António Lopes Mateus (período 1935-39), no preâmbulo da portaria que determinou o certame (1). Inaugurou-se por ocasião da visita do Presidente Carmona às Colónias em 1938, mas foi evidente que não foi esta a sua razão de ser. Com a Exposição-Feira quis-se dar resposta, representar ou dar corpo ao que eram as aspirações autonomistas contra o centralismo administrativo de Lisboa, sucessivamente manifestadas e reprimidas desde o início dos anos 1930.
O álbum comemorativo publicado pelo Governo Geral de Angola, certamente só para ofertas e escassamente destribuído, é uma produção fotográfica de excepcional qualidade e dá conta da adopção de programas arquitectónicos e decorativos que ilustram a monumentalidade moderna oficial mas também a melhor Art Déco portuguesa, e igualmente um surpreendente ecletismo experimental. Vasco Vieira da Costa, que veio a ser o famoso arquitecto modernista de Luanda (autor do mercado de Kinaxixe - de 1950/1952, destruído em 2008), foi o seu principal criador, ainda na condição de funcionário aduaneiro e desenhador, então identificado como chefe dos serviços técnicos e “artista de elevado merecimento”. As fotografias, atribuídas a C. Duarte, serão de Firmino Marques da Costa.
A literatura que se ocupa das grandes exposições do regime costuma passar de Paris 1937 (com o pavilhão de Keil do Amaral) para Nova Iorque e S. Francisco em 1939 (de Jorge Segurado), e depois para Belém, em 1940, com as mesmas equipas de artistas-decoradores do António Ferro - é a abordagem arquitectónica e artística que sobre elas tem predominado. Ora Luanda 1938 pertence a outra história, que também não é a da exposição de 1934 no Porto - a 1ª Exposição Colonial Portuguesa, de Henrique Galvão - que veio a prolongar-se na pouco conhecida Secção Colonial da Exposição de 40, com o mesmo director -, nem a que esteve representada nos Pavilhões oficiais dos Descobrimentos, da Colonização e dos Porugueses no Mundo, em 1940.
Luanda 1938 pertence a uma história recalcada pelo regime e também pelas suas oposições, mas que igualmente foi até agora esquecida pela historiografia recente sobre os colonos portugueses em África (2). Algumas escassas referências à exposição-feira surgiram em estudos sobre a arquitectura colonial (de José Manuel Fernandes e Ana Vaz Milheiro - 3) e sobre a Art Déco nacional (de Rui Afonso Santos - 4), mas o acontecimento tem uma dimensão relevante noutros domínios, a história polítíco-económica de Angola e a da sua relação com a "metrópole", bem como a história da fotografia e da edição fotográfica portuguesa. O seu interesse é absolutamente pluridisciplinar e justifica o respectivo tratamento num alargado congresso bilateral (Angola-Portugal).
O álbum comemorativo é uma encruzilhada de surpresas e de incógnitas, sendo ao mesmo tempo muito escasso em informação e um testemunho de imenso valor, para além de ser um dos melhores “photobooks” portugueses, senão o melhor. Só confrontando o álbum com diversa outra bibliografia da época é possível tentar uma aproximação à importância do acontecimento. É o caso do Guia da Exposição-Feira de Angola (Edição da Agência Técnica de Publicidade - publicação considerada oficial pela Direcção do certame -, Luanda, 1938, 6 p.) e do Catálogo Geral Oficial (Luanda, 1939, 122 p. ), a que se somam em especial a revista "Actividade Económica de Angola - Revista de Estudos Económicos - Propaganda e Informação", nºs 9 a 12, de Março a Dezembro de 1938 ("Exposição-Feira de Angola"), editada pela Repartição de Estudos Económicos do Governo Geral de Angola (178 p., mais fotografias em extra-texto e publicidade) e ainda o Boletim Geral das Colónias, vol. XV nº 163 (Número especial dedicado à viagem de S. Ex.ª o Presidente da República a S. Tomé e Príncipe e a Angola ), ed. Agência Geral das Colónias, 1939, 628 pags. (em especial as pp 45-75), este disponível em formato digital em Memória de África.
Pavilhão de Honra, projecto de Fernando Batalha
É só a revista Actividades Económicas que identifica na sua última página de texto o nome de dois arquitectos com intervenção no desenho das construções do recinto (aí nomeados enquanto "outros colaboradores" dos responsáveis pela Exposição): "Fernando Batalha, autor do projecto de Pavilhão principal, cuja construção dirigiu; João Eugénio de Morim, autor dos projectos dos pavilhões oficiais da Província de Benguela, do Bar-'Dancing' e do monumento a Portugal Colonizador, (que) dirigiu a construção dos referidos pavilhões e monumento". É sabido que Vasco Regaleira - Vasco de Morais Palmeiro (Regaleira), 1897-1968 - , foi autor do Pavilhão do Banco de Angola, com esculturas de Manuel de Oliveira (revistas Arquitectos nº 9, ed. SNA, 4/6, 1939, p. 270; e Arquitectura nº 41, 1938, p. 18) - e o mesmo viria a construir a sede definitiva do Banco de Angola, um pastiche setecentista concluído em 1956 que é hoje ainda um ex-libris da capital do novo Estado.
Destas mesmas informações se poderá seguramente concluir que o chefe dos serviços técnicos Vasco Vieira da Costa foi o projectista ou em geral o responsável pela generalidade dos pavilhões e pela concepção do espaço da feira e a sua decoração, em que a luz eléctrica, então chegada a Luanda, teve um papel central (e também o teve no álbum fotográfico). A diversidade estilística dos pavilhões e 'stands', conjugada com a respectiva qualidade e originalidade, sugere uma autoria única que tivesse percorrido diferentes sugestões construtivas num jogo muito livre de apropriações e referências, o que é absolutamente verosímil já que Vasco Vieira da Costa partiu logo depois para o Porto e a sua Escola Superior de Belas-Artes, onde tirou o curso de Arquitetura entre 1940 e 1946.
Mas é também na mesma revista Actividades Económicas que se publica o Plano de Fomento da Colónia de Angola, aprovado pelo Conselho do Governo em 1936, o qual vem a dar lugar à criação do Fundo de Fomento da Colónia apoiado num vultoso empréstimo que se aprovou em Lisboa já em 1938, ao arrepio da política de equilíbrio e austeridade orçamental até aí em vigor. Entre os vários documentos publicados, aí se regista a controvérsia suscitada durante o respectivo debate por uma defesa isolada dessa política de contenção centralista de Lisboa, contrária aos interesses dos colonos, enquanto toda a outra argumentação desenvolvida se identifica com os objectivos desenvolvimentistas explícitos de uma nova política assumida pelo governador geral coronel António Lopes Mateus - que fora ministro do Interior e da Guerra (de 1930 a 1932), activo na fundação da União Nacional, Comandante da PSP de Lisboa (1932-1935) e depois foi presidente do Conselho de Administração da Diamang e da Comissão das Colónias na União Nacional (década de 1940) -, um governador em consonância com os sectores económicos da Colónia e que Exposição feira iria expressar.
Um outro personagem singular desta história é o Dr. António Gonçalves Videira, republicano e autonomista, cunhado de Cunha Leal, um dos líderes dos colonos descontentes em 1928 e dos rebeldes em 1930, fundador e candidato do MUD em 1945 (nota 5 - ver Fernando Tavares Pimenta, 2008). Foi ele que discursou "em nome dos seus colegas" (sic) na sessão de homenagem final ao governador.
ADENDA (27 Fev.):
Vendo bem, bastaria esta imagem para interditar a circulação do álbum, e julgo que o seu responsável seria incomodado mesmo sendo uma figura grada do regime. No grande mapa central: Relações comerciais de Angola com alguns países", incluindo PORTUGAL e São Tomé, América, Austrália, Ilhas Neerlandesas e Japão, AEF (Africa-Equatorial Francesa), Congo Belga e União Sul Africana, Índia Inglesa, França, Holanda, Inglaterra, Bélgica, Roménia, Alemanha, Estónia e Noruega.
Os outros gráficos, Exportação, Importação, Balança Comercial e Comercio Geral / Comércio Especial, seguirão o mesmo critério, que poderá entender-se do ponto de vista económico, mas põe problemas políticos, julgo eu.
CONTINUA
ver também: 28/Agosto/2011 (1)
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