A 19 de Janeiro editei aqui a "Lusofonia 1" , em resposta ao artigo de António Pinto Ribeiro, "Para acabar de vez com a Lusofonia", publicado no Público / Ipsilon de 18 Janeiro 2013 e reproduzido no Buala ( (secção "A Ler"). Era já a adaptação mais cordata de uma reação imediata no Facebook.
Começa assim, muito mal: "A lusofonia é a última marca de um império que já não existe. E o último impedimento a um trabalho adulto sobre as múltiplas identidades dos países que falam português" (sic).
No mesmo dia 19 acrescentei a "Lusofonia 2" que visava em especial o que seria a história inscrita no conceito de lusofonia: "Alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista e nostálgica do império, a lusofonia tem uma história, balizada por alguns acontecimentos." Lembrando um outro episódio crítico sobre o mesmo tema, era-me particularmente interessante referir a complexidade política do pensamento colonialista, citando um nº especial da Seara Nova de 1926 sobre "O Problema Colonial".
A 20 de Janeiro continuei em "Lusofonia 3", propondo eu a ideia de que o ensaismo de Eduardo Lourenço, Alfredo Margarido e Miguel Vale de Almeida sobre estes tópicos tem alimentado a rotina académica especializada nas elocubrações identitárias, prolongadas talvez paradoxalmente na retórica dita pós-colonial, mas a sua operacionalidade é exígua quando se trata de passar dos bancos da escola ao relacionamento intercultural e internacional. Apoiava-me expressa e especialmente em Moisés de Lemos Martins, professor da U. do Minho, e na conferência " Lusofonia e Luso-tropicalismo : equívocos e possibilidades de dois conceitos hiper-identitários ", para pôr em causa a suposta confusão entre a eficácia da ideia e da prática da lusofonia e uma qualquer actualização portuguesa, consciente ou não, do passado colonial, tendo a nostalgia imperial como inevitável carga ideológica. Citava Maria Manuel Baptista e estudo «O conceito de lusofonia em Eduardo Lourenço: Para além do Multiculturalismo ‘Pós-humanista’, 2000.
Insisti no dia 21 com "Lusofonia 4" para contestar o que seriam argumentos históricos de uma pretensa história da lusofonia. Um confronto simples com a informação corrente.
A 1 de Fevereiro, o texto "Sobre refugiados e escravaturas" estava indirectamente relacionado.
Com data de 8 de Fevereiro acrescentei "Lusofonia 5" para abordar o que seria outro passo histórico do conceito de lusofonia, ou seja, a forma errada de lembrar o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, que o formulou em 1951, e de referir a recepção do sociólogo brasileiro em Portugal, primeiro por sectores democráticos e colonialistas, e depois pelo regime autoritário e colonial, só a partir daquela data e por iniciativa de sectores reformistas do regime. A continuidade do pensamento de G. Freyre num eminente antropólogo e político como Darcy Ribeiro é muito mais produtiva do que os seus críticos portugueses, presos a uma lógica oposicionista nacional e anacrónica.
Entre os comentários que se sucederam a esta "lusofonia 5" fiz referência rápida a um artigo de Cláudia Castelo publicado no Buala a 5 de Março, "O luso-tropicalismo e o colonialismo português tardio" (é autora de «O modo português de estar no mundo»: o luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa, 1998). Tem o mérito especial de abordar a relação (difícil) do Regime com a ideia e a prática da miscigenação, e de referir que "nas margens do discurso oficial, o luso-tropicalismo vai (foi) encontrando receptividade junto de especialistas de diversas áreas do saber", apontando os casos de "Jorge Dias (antropologia), Orlando Ribeiro e Francisco José Tenreiro (geografia), Adriano Moreira (ciência política), Mário Chicó (história da arte), Henrique de Barros (agronomia), Almerindo Lessa (ecologia humana); António Quadros (filosofia), etc."
Entretanto, a mesma "lusofonia 5" teve ontem, dia 9, outra contribuição dialogante do sociólogo José Pimentel Teixeira, em Maputo. É mais uma expressão do "desconforto com a noção e com os seus implícitos" e da atenção aos "implícitos acriticados que a "lusofonia" transpira".
"Em Janeiro e Fevereiro andei fora de casa, pouco dado a leituras na internet e por isso perdi o fio à meada nesta sua série interessante. Talvez por isso ter chamado a atenção (no meu comentário ao seu 5º postal sobre a questão) a textos que V. referira no seu postal 3º (fui agora relê-lo). Desculpar-me-á o desajuste, vindo dessa falta de continuidade na leitura. Os textos (AM, EL, MVF) talvez sejam de uso "rotineiro", como V. os diz (eu colocara a hipótese de se terem desactualizado parcialmente). Mas, e pelo menos no meu caso (e, já agora, sou antropólogo, se é que as fronteiras disciplinares fazem sentido), não vêm de "elocubrações identitárias" ligadas à "retórica pós-colonial" (a qual é uma preocupação que me é estranha, no sentido académico-teórico do termo).
É até engraçado, pois o que me afasta da retórica "pós-colonial" da lusofonia é exactamente o facto de que "a sua operacionalidade é exígua quando se trata de passar dos bancos da escola ao relacionamento intercultural e internacional.". Não só como factor de desconhecimento português sobre as dinâmicas para além da lusofonia (insisto no que em comentário atrasado lhe disse, o enquadramento da lusofonia coloca, pelos seus implícitos e explícitos, os portugueses a encerrarem-se numa lusoplastia, histórica e actual, incompreendedora dos fenómenos longínquos e das relações históricas Portugal-alhures). Mas também porque surge, por razões políticas/sociológicas (e não por meras "retóricas" identitárias), como "ruído" tonitruante no relacionamento intercultural e internacional, inibindo-as.
Eu leio Lourenço (esse de 1999) de uma forma um pouco diferente da sua. Sim, apresenta um "poder ser" da lusofonia que V. muito bem cita, mas coloca (no encaixe de tantos outros textos seus sobre o eixo imperial) um "ser", um real discursivo, pouco radioso. Sempre me lembro de um episódio, exactamente contemporâneo deste texto de Lourenço, que alude à pluralidade. Em finais de 1990s surgiu o debate aqui (Moçambique) sobre a "bantofonia", como identidade cultural, histórica, e como vector de relacionamento cultural-internacional (somos bantófonos, dizia-se). Tal como recentemente isso se levantou de novo, aquando do "regresso da lusofonia" aqui por mão do Estado português. O interessante é assistir à repulsa imediata, até indignada, dos intelectuais portugueses (e funcionários também) - reduzindo a expressão a retórica política. Como se houvesse um substrato identitário (lá está) legítimo e factual na "lusofonia" e uma mera retórica interesseira (e, quiçá, elocubrativa) na "bantofonia". A pluralidade, como se vê, fenece face a ouvidos e mentes pouco plurais.
cumprimentos
Posted by: jpt | 03/18/2013 at 07:39