O assunto dos Mirós não me interessa nada. É uma balela de aldrabões residentes no mercado de arte, poucos e bem referenciados, e é uma novela jornalística tratada como mais um escândalo. Recusei escrever um artigo para o Expresso, responder a questões do DN e ir à SIC à hora do leilão... Contra a demagogia e a mentira política o melhor é ficar de fora.
Vale tudo para fazer "política", como escrevi no fb do Sérgio Sousa Pinto: a começar por esquecer que o SEC Xavier foi presidente do Instituto das Artes nomeado pelo ministro socialista (versão Sócrates) J A Pinto Ribeiro em Abril de 2008 - tinha sido presidente do Clube de Artes e Ideias, depois vereador da cultura do Isaltino e o PS resolveu recuperá-lo e promovê-lo. Estava portanto o Xavier bem situado para saber da colecção Miró do Oliveira Costa / BPN depois Parvalorem, que não foi nada fácil de arrolar como activo relativamente não tóxico e transferir para um cofre da CGD. O assunto era à data confidencial, mas ele terá sabido, como eu soube, que o acervo (o fundo de stock como lhe chama agora o Figaro) era de fraca qualidade e que desde logo se previu a sua venda.
Também a Canavilhas, ex-pianista e agora deputada, estava bem colocada como ministra, a seguir, para ter tantado comprar à Parvalorem alguns Mirós escolhidos (se 2 ou 3 se destacassem pela qualidade) e despachar os outros para o mercado internacional. É agora que fala, com uma falta de vergonha abismal, na sua desenfreada competição com a Inês Medeiros, e o PS vai atrás, alfinetado pelo Bloco - mais uma vez não há ninguém com inclinações culturais no partido.
É do mais linear bom senso admitir que os activos na posse da Parvalorem, quadros ou casas, se destinam a amortizar dívidas (e as obras do Miró ficaram logo à guarda da CGD à conta dos empréstimos que concedeu), e que se uma só das pinturas do Miró (vá lá, 2 ou 3 das mais sofríveis) forem oferecidas pela SEC ao Museu do Chiado ela tem de ser paga pela SEC à Parvalorem em dinheiro contado. As obras não são "nossas" (felizmente), nem são do Estado, não foram integradas no património do Estado, não foram já pagas por "nós". Não é nem era uma prioridade comprar aqueles Mirós, ou quaisquer outros. O PS entrou na fase do charlatanismo político.
Adenda: O PS AINDA NÃO PERCEBEU QUE NÃO PODE USAR A CGD COMO UM SACO AZUL. O que os governos e as câmaras, em especial a de Lisboa, fizeram vezes sem conta, dando preciosos argumentos para a sua privatização (não a apoio). Felizmente as contas começaram a ser auditadas e fiscalizadas; foi um dos aspectos positivos da presença da Troika, que sempre me fizeram preferir a rua da Troika ao Largo do Rato. O PS já devia ter aprendido. O dinheiro que lá está ou devia estar não é deles. Os empréstimos pedidos à CGD passaram a ter de ser pagos.
O que é da CGD não é "nosso", como as empresas públicas e nacionalizadas não são nossas, ao contrário de uma crença que sustentou muita propaganda, que se desmoronou com o Muro, mas o "nosso" PS ainda repete com grande desfaçatez.
Não são "nossos", não são do Povo, embora caibam, a diversos títulos, na posse, tutela ou administração do que se chama O Estado - dantes o Estado era a Corte e os seus serviços, e pouco mudou com a nova bandeira. Não são o socialismo, e mantêm (quase) todas as regras do capital privado, com o qual têm de competir. Às vezes parecem ser dos seus gestores, que se comportam como se delas fossem donos e senhores: a classe dos gestores existe em companhia e em competição com a classe dos burocratas políticos.
O Museu do Chiado, por exemplo, não pode ir às colecções da CGD e trazer o que lhe apetece, tal como não pode ir aos cofres e ir buscar o que lá está como penhor, garantia ou contra-valor dos empréstimos que a CGD concede. Não são nossos, não são do estado, não são (o) da Joana e menos ainda da Gabriela. Haveria que pagá-los à Parvalorem e portanto à CGD para diminuir dívidas: é uma boa razão para vender o pouco que ficou disponível para tal. (Outros dos erros em vigor é dizer que já os pagámos, usando-se sempre este plural que abusiamente nos envolve e compromete.)
Curiosamente, o valor atribuído aos Mirós é praticamente o mesmo do Museu dos Coches, uma aberração cuja responsabilidade coube não à Cultura mas a um ministro da Economia e a um 1º ministro que não deve ser nomeado. A coincidência faz-nos ver o gigantismo dos valores em causa e dos crimes político-financeiros cometidos antes e agora (é um mau projecto arquitectónico, é uma mau equipamento museológico, terá/teria um funcionamento e manutenção excessivamente caros - que fique como um monumento a recordar tempos de delírio). Ajudar a vender os Mirós seria para o PS uma pequena satisfação pelo disparate dos Coches, mas reincidem no desacerto. Houvesse pudor e a srª calava-se.
Haverá erros de cálculo e de procedimento por parte da Parvalorem / CGD e Finanças nesta exportação que poderia ter sido facilmente autorizada pela Direcção do Património e seus técnicos: não trataram disso a tempo. Mas o erro principal é não se ter assegurado a alto nível a concordância ou a não oposição do PS a toda este operação, que envolve uma enorme verba e um lamentável potencial especulativo para quem vive de escândalos. O amigo Seguro teria o bom senso de apoiar neste caso o amigo Coelho e de aconselhar outras músicas à ex-ministra Canavilhas. Erro do Governo, portanto. Mas o erro vai sair mais caro ao PS, que pretendeu somar Mirós à crise ou atirar com Mirós às vítimas da crise, para aliciar uma franja exígua de eternos abaixo-assinantes.
"Cet ensemble qu'il est impropre de qualifier de «collection» sentait le roussi. Celui-ci appartenait à la Banco Português de Negócios, BPN, nationalisée en 2008 à la suite d'une affaire de fraude et de blanchiment d'argent." ( http://www.lefigaro.fr/culture/encheres/2014/02/04/03016-20140204ARTFIG00381-joan-mir-le-pourquoi-d-une-annulation-surprise-a-londres.php) Repesca-se a origem do acervo ("On retrouve leur trace en 1992 au musée d'art de Yokohama lorsque l'institution organisa une exposition consacrée au peintre catalan. La BPN aurait fait l'acquisition du stock entre 2000 et 2006"...), que já não é uma colecção mas sim um "fundo de stock", de interesse muito desigual. E tenta-se proteger a Christie's - empresa francesa - de um desastre mediático e financeiro, que também a atinge ("chronique d'un désastre annoncé, Christie's s'en sort la tête haute"), mas de que a leiloeira é cúmplice.
Falta atribuir as culpas à actuação criminosa do Partido Socialista que sabotou uma operação muito dificilmente preparada, desde o tempo em que o PS estava no poder. Dinheiro sujo e obras de muito fraca qualidade que desde o princípio (quando a administração estatal do BPN se apoderou do acervo e o guardou nos cofres da CGD) estavam destinadas à venda, ou a privados ou (numa hipótese remota e em pequeníssima escala) ao Estado, se este as pagasse.
Resta o problema da falta de licença de exportação, que não teria sido difícil de obter junto da Direcção do Património, onde se vem impondo a justa regra de mandar as obras à sua vida quando não são de importância inquestionável para o país e quando não há o $ para as pagar aos seus legítimos proprietários. Esse erro na gestão do processo (o único erro nesta história, ao que parece) terá sido corrigido pela iniciativa da DPC que abriu o processo e pelo seu encerramento pelo SEC., mas terá sido o bastante para a Christie's não querer correr riscos. Se houver lugar a indemnizações deveriam ser a Canavilhas e associados a pagar a factura.
Ver também no The Guardian, onde se refere que por toda a parte as obras na posse de outros bancos falidos têm ido parar aos leilões, certamente sem o alarido ridículo fabricado por suspeitíssimos especialistas e mercadores.
Christie's cancels sale of 85 Joan Miró paintings following uproar
www.theguardian.com
Auctioneer withdraws works from sale because of ongoing dispute over whether Portugal can sell them to buyers abroad.
Aliás, algumas das melhores obras da Colecção Gulbenkian foram compradas aos russos depois de 1917, quando estavam em grande apertos. Vender património tb é de esquerda.
Boa.. concordo com tudo do segundo parágrafo para baixo. Ainda hei-de ver, não os Mirós no museu da PSP, embora o carreirismo cultural para lá os queira encaminhar, mas um corte a mais nos nossos salários para pagar o que devia ter ido a leilão e não foi.
Posted by: Luísa Soares de Oliveira | 02/07/2014 at 13:31
Também estou de acordo com tudo, do segundo parágrafo para baixo e do segundo parágrafo para cima.
Mas isto está assim: alguém lança uma petição com aparência de grande preocupação cultural...e vai (quase) tudo atrás.
Posted by: António Bacalhau | 02/07/2014 at 22:52
Totalmente de acordo
Posted by: Bernardo | 02/11/2014 at 11:52