e em especial sobre o artigo e portfolio que lhe dedica o Sérgio B. Gomes no Público de 20 de Julho ( http://www.publico.pt/multimedia/fotogaleria/a-fotografia-como-prazer-e-como-trabalho-337158 ). O Sérgio é hoje a única pessoa a escrever sobre fotografia na imprensa com alguma regularidade. Trata-se aqui de uma achega construtiva:
Escreve ele: "Numa época em que os fotógrafos profissionais estavam quase todos ao serviço da propaganda do Estado Novo, a obra de Pastor revela laivos criativos que se desviam do controlo absoluto e da produção que se dedicava a construir um país imperial, moderno e pacato. (...) ... naturalmente influenciado por uma época em que a abertura a tendências vanguardistas era mínima ou inexistente),..."
1º Tratando-se de uma carreira de várias décadas (40-70, pelo menos), não se poderá dizer "numa época em que...", é um tempo sempre em mudança, mesmo que o regime continue;
2º convém saber que propaganda e informação não são ainda conceitos distintos nos anos 30 e até às campanhas da Segunda Guerra, e que, por outro lado, nunca há lugar para falar de um "controle absoluto» num regime sempre atravessado por tensões conflituosas (por ex. Ferro e os «bota de elástico», ou Ferro e Galvão) - mas o Artur Pastor aparece já no pós-guerra e pratica no trabalho que expôs até aos anos 70 um documentarismo humanista e poetizado, de tradição naturalista, que convive bem com o regime (por ex. João Martins e ;
3º os profissionais (fotógrafos, pintores-decoradores, arquitectos) trabalhavam para quem encomendava, o que não é exactamente o mesmo que "estar ao serviço do Estado Novo" (o SG tb não está exactamente ao serviço da ditadura do grande capital…) - Artur Pastor é fotógrafo profissional como técnico documentarista e funcionário público, cria o seu próprio lugar de trabalho arquivístico, e constrói uma carreira original;
4º Pastor é de facto contemporâneo de sucessivas tendências vanguardistas que se cultivaram em Portugal, desde o surrealismo e fotografia subjectiva de Lemos e Palla, passando pelo modernismo purista dos animadores dos grupos 6X6 e Câmara, ou pelos novos fotógrafos dos finais dos anos 50 (toda a gente se conhecia nos mesmos impressores). Não pode continuar a ignorar-se a abertura e a informação vanguardista que foi sempre existindo, num país que não se reconhece como construtor de uma cultura própria e é sempre de grande volubilidade quanto à informação internacional.
A forma como a paixão de AP pelo documentário social (a gente do trabalho e as suas actividades) conjugou o amadorismo fotográfico (exposições e concursos), a produção editorial independente e a pratica profissional colocam-no sempre - intencionalmente ou por disposição caracterial ou pelo seu sentido de missão e desejo de segurança? - à margem das posições vanguardistas. Falta-nos conhecer a sua cultura fotográfica (a sua biblioteca, o seu convívio no foto-clubes), mas para já vejo-o como um autodidata e um outsider, um produtor compulsivo e um artista «naif» - e como um caso relevante na fotografia portuguesa, revelador da sua permanente fragilidade.
II
artigo no Panorama, nº 24, 1945 (fotos de A. Pastor e TOM, Thomaz de Mello)
Retomo uma questão sem resposta: por que razão a participação de Artur Pastor no 8º Salão Internacional de Arte Fotográfica (1945, SNBA e Fenianos) não é referida na cronologia? Reside então em Évora, não é sócio do Grémio Português de Fotografia, secção da Sociedade Propaganda de Portugal, e expõe "Depois da enxurrada", brometo. Nº 209. É uma estreia. Nos anos anteriores não esteve presente (terá concorrido?).
Volta em 46 com "Pastoreio", e em 47 (já sócio do GPF) com "Chaminés do Algarve" e "Neve de verão"; em 48 com "Composição pastoril"; não está em 49, mas regressa em 1950 com "Paisagem de outono" (não vi os catálogos seguintes...). Em 1953 vem viver para Lisboa e é então que passa a fazer parte do Foto Clube 6x6 (terá participado nas suas exposições e nas do grupo Câmara?) Obtém um 3º prémio no 4º Salão do Grupo Desportivo da Cuf do Barreiro, em 1954. Etc.
Essa vertente salonista, que aliás não foi uma prioridade para A.P., não é referida na biografia do folheto, quanto a participações nacionais, mas sumariam-se as presenças internacionais de 1946 a 1948, que são subsidiárias daquelas (envios colectivos do GPF). Essa pesquisa pelos catálogos e boletins foi feita? As fotografias referidas estão localizadas?
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A pouca informação disponibilizada pelo Arquivo (folheto) induz em erro o Sérgio Gomes:
"A partir da segunda metade da década de 1940, Artur Pastor começou a expor com regularidade em Portugal e no estrangeiro. Ganhou reputação de perfeccionista à medida que as suas fotografias foram conquistando prémios nos salões e concursos que dominaram a cena fotográfica dos anos 40 e 50."
Não é exactamente assim:
Ao contrário da prática habitual (mas Pastor é um original), não são os salões, os concursos de arte fotográfica, que mais lhe interessam, mas sim as mostras individuais, então muito raras (expõe a solo desde 1946, e logo em 47, 48, 49...) e a seguir as edições em livro (1957 e 1966), em paralelo com o seu trabalho de documentalista profissional (a partir de 1953).
A cronologia publicada no folheto do Arquivo é enganadora e muito insuficiente: ignora os salões nacionais (salões do Grémio de 1945, 46, 47, 48 e 50, pelo menos, conhecendo-se o do Barreiro em 54, onde obtém um discreto 3º lugar) e dá destaque às presenças no estrangeiro; adiante refere o cartão de agradecimento de Salazar pelo envio do livro Algarve, mas não a sua publicação.
Nos quadros dos salonistas publicados por Harrignton Sena no Jornal do Barreiro, em 1954 e 55, Pastor não é mencionado.
Pastor terá entrado no Foto clube 6x6 apenas em 1953, qd vem para Lisboa, mas não se referem dados sobre a participação nas respectivas exposições e boletins - de facto esses eram os tempos da "fotografia pura" de que ele estava distante, e não é por acaso que aparecera como um dos principais colaboradores fotográficos de Mulheres do meu País, de Maria Lamas, em 1948-50: publica 23 fotografias, bastante mais que Adelino Lyon de Castro (10). É estranho que um autor tão meticuloso nao tenha deixado pistas sobre essas relações...
Não há lugar a falar numa linhagem neo-realismo, mas há traços comuns e continuidades entre Lyon de Castro, Pastor e Eduardo Gageiro...
Por outro lado, note-se que Artur Pastor não surge nunca editado (ao que parece) nas várias publicações colectivas dos anos 50, como as de F. Marjay, ou Os Pescadores de Raul Brandão (Cor 1957), curiosamente próximas no seu gosto "romântico" e naturalista. O seu percurso é singular e em grande medida o de um outsider.