sumário: 1. sobre "Das redes sociais para as galerias de arte", de Vitor Balenciano, Público de 14 Nov. / 2. sobre "Ninguém ficará par ver tantas imagens", de António Pinto Ribeiro, Ipsilon, Público, 21 Vov. / 3. sobre uma edição atribuída a Carlos Relvas.
A escrever sobre fotografia cada um mostra o seu amadorismo, ou melhor, o seu diletantismo. O artigo do Público (Vitor Balenciano, 14 Nov.) não podia começar pior: "Antes da Internet as fotografias dos amadores ficavam na gaveta." É falsíssimo.
"Das redes sociais para as galerias de arte": o link
Uma resposta: A questão era a frase "Antes da Internet as fotografias dos amadores ficavam na gaveta"
1. As fronteiras (entre o que é ou não arte, o que é amador ou profissional) não existem, o que é mais do que serem transitórias e permeáveis. Não chegam, aliás, a ser «construções» (muros), são só propostas teóricas ou convicções ingénuas, e todas partem de um princípio errado, o de que é possível ou necessário estabelecer fronteiras. O que é ou não arte não é pensável depois de um século de arte naïf, de primitivismo, outsider art, arte infantil e anti-arte (o Duchamp só ilustrou isso, muito cedo). O que é fotografia e o que é arte também não tem fronteiras. A questão da fronteira, ou seja, da ordem, é só fiscal e policial. Pergunta: quando se fala em fronteira, não se trata de trincheira, coutada, condomínio, reserva de iniciados, clube fechado?
2. Não existe uma questão nova, de escala. Ou melhor, a história da fotografia foi feita com a sucessão dessa mesma questão nova, de escala; com sucessivos momentos de ampliação de escala dos praticantes e consumidores (o caixote Kodak é só o episódio mais conhecido; o negativo comercial, a Leica, o Polaroid são outros). O acesso e o uso foram agora muito ampliados, fotografa-se como se fala ou como se escreve: por aí introduz-se uma diferença comunicacional decisiva mas que, se altera a comunicação, não altera o que é uma fotografia. Em especial uma boa fotografia. Feita por uma câmara de grande ou pequeno formato, analógica ou digital, a preto e branco ou a cores, com a nova super-Leica ou o Iphone, impressa em platina ou enviada num sms, uma fotografia é sempre fotografia, não passa a ser outra coisa. Estão todas em competição.
3. A fotografia de amadores começou com a fotografia. A auto-expressão tradicional (parede e edição) continua hoje por toda a parte nos concursos, salões e clubes - e nas inúmeras exposições de aparecem por todo o lado de candidatos a artistas: eles são amadores com minijobs ou duplo emprego, são «criadores» e desempregados (ou reformados) com suficiente auto-estima, ambição e relações para aparecerem a público. São todos artistas. O BES foto é, ou era, um Salão, tal como o é a Bienal de Veneza, mesmo se com novas regras de funcionamento e selecção: neste momento pensar as permanências pode ser mais proveitoso do que pensar a novidade - embora os jornais vivam de novidades, reais ou supostas, e a novidade (ou melhor a obsolescência programada) seja o fulcro da economia actual (e do mercado da arte actual também).
4. O que importa é pensar a qualidade do que se faz e expõe (no ecrã, na página e na parede). E a qualidade tem a ver com a questão do gosto e da crítica.
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14 NOV.
Antes da Internet muitas das fotografias dos amadores mostraram-se e publicaram-se e foram formando a história da fotografia, de Julia Margaret Cameron a Carlos Relvas, Maria Lamas, Rosa Casaco, Victor Palla, o 1º Gerard Castello Lopes, o Lyon de Castro ou o comandante Martins (para dar exemplos próximos). Estavam nas sociedades fotográficas (e nas suas secessões), nos fotoclubes e nos salões de Arte Fotográfica, no séc. XIX e depois, ainda ao longo dos anos 40 e 50 - e ainda estão, mas margens das grandes instituições.
17 NOV. Temas a considerar:
1. O que são "redes sociais". Quando e como surgiram? (Depois do Fotolog em 2002)
2. O que mudou na produção e na circulação (na visibilidade, divulgação, exposição e publicação) e no entendimento da fotografia (e na "natureza" ou na definição da fotografia, se existe definição) com o aparecimento e a proliferação da fotografia digital, primeiro, e depois com a sua entrada nos computadores pessoais e a seguir nos telemóveis? Entrou-se num novo paradigma ou trata-se de mais um capítulo da generalização e democratização da fotografia? (Não há - nunca houve - rupturas nem novos paradigmas em fotografia)
3. O que tem mudado na diferença (ou in-diferença) entre autores (produtores, criadores ou praticantes) de fotografias, considerando as possíveis distinções tradicionais entre profissionais e amadores, entre profissionais e artistas, entre artistas e fotógrafos? (Somos todos fotógrafos - tal como todos falamos e escrevemos).
+
O simples facto de os que fotografam com telemóvel não se contentarem com o envio das fotos, nem com a sua circulação na internet, e quererem em muitos casos passar à parede de exposição e à edição impressa mostra que mudou a câmara, as suas potencialidades e a facilidade de a usar, mas o objecto fotografia vai mudando sem se tornar outra coisa. Não se trata de pós-fotografia nem de uma ruptura ou novo paradigma: um paradigma não é uma nova tendência, seria uma ruptura decisiva, que permite falar de um antes e um depois, ou dizer que nada ficou como dantes.
# E a seguir:
legenda: "Basta a qualquer utilizador de telemóvel reclamar-se fotógrafo para ser como tal reconhecido"
Outra vez a propósito do que se diz no Público e da ignorância pretenciosa sobre o que acontece com a fotografia (neste caso, sobre o pavor elitista das redes)
Opinião: Ninguém ficará para ver tantas imagens, António Pinto Ribeiro Ipsilon, 21 Nov.
"A fotografia é um excelente exemplo da apropriação exaustiva do mundo pelo ser humano narcísico da contemporaneidade — e uma das mais eloquentes formas de expressão do consumo imparável." (sic)
Ou seja, multiplicam-se as imagens fotográficas em rede e também os ensaios sobre fotografia em circulação informática. Uma canseira.
Sobre a fotografia e "a fotografia nas redes sociais":
O ser humano narcísico da contemporaneidade, ele mesmo, podia perceber que agora se fotografa e se comunicam imagens fotografadas tal como se fala e como se escreve - não é por acaso que se usa para isso o telefone. É mais um passo na ordem da comunicação inter-pessoal, mais uma habilidade acessível ao homem comum, mais uma prótese a juntar à caneta, mais uma etapa democrática: ele, homem comum, fala, escreve e fixa-comunica ou transmite o que vê (mas fala mal, escreve pior e fotografa ao calhas - o povo é ignaro, segundo o aristocrático ensaista, aliás, auto-proclamado 'o ser humano narcísico da contemporaneidade'). Nada mudou quanto à fotografia, mudou a comunicação e a comunicabilidade. Depois há uns figurões que vivem a complicar.
O corpo de delito:
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E também, a 11 de Nov., outro equívoco episódio. "Carlos Relvas em negativo"
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