Uma crítica negativa é muitas vezes mais mobilizadora do que muitas estrelas.
"Linhas do Tempo" FG
Lá voltei hoje à Gulbenkian para tentar perceber por que se encarniçam contra a exposição comemorativa e estreia da nova directora alguns personagens da cidade com banca na CS, por sinal, noto, vinculados a instituições de ensino. Foi o Nuno Crespo, ligado ao IHA da FCSH da UN, e há dias o Carlos Vidal da FBAUL. Pelo menos.
Eu tinha apreciado a exp., a ruptura e a orientação (embora com dúvidas qt à subordinação dos museus a um mesmo nome e bilhete, de 5 para 10€, obrigando os visitantes a pagar entrada num lugar que não lhes interessa). E continuo sem perceber o incómodo, para lá das razões previsíveis: uma directora vinda de fora, alheia às seitas e livre de compromissos.
Voltei à FG e continuo sem perceber a raiva. Bola preta e título "Caos" (CV), o que acho que deveria ser um elogio na boca de um esquerdista encartado, mesmo académico e estalinista: não será positiva a caótica decomposição da cultura burguesa? O que é, no grande salão agora aberto e transparente, a conjunção ordenada das peças numa cronologia dupla, com alguns poucos exercícios associativos eficazes, de obras de diferentes disciplinas, é dita ser "uma feira sem nexo de obras-primas da Fundação» - mas, se não entende o nexo tão bem visível como pode ser professor e ensaísta (mais dado ao exercício livresco especulativo-rebarbativo do que à observação, é verdade)? O que é a junção física de dois sentidos cronológicos e de duas colecções (em espelho e com uma linha média que é óbvia e é objecto de muita informação) classifica-se assim: "nenhuma relação entre os dois museus, nenhuma relação entre as peças desta exposição." É cego, ou faz-se? E voltou a impor-se uma hierarquização de disciplinas a começar na Pintura de História e a acabar nas Artes Decorativas? Não é o contrário que se ensina, questionando fronteiras? Pura má vontade. Má língua. Intriga. E, confesso, desconheço quais as razões. Talvez se explique se eu o provocar... Mas nunca gostei de polémicas.
Para provocar o professor doutor pintor ensaísta (CV com exp. no Montijo, ao fim de anos de abstinência, mas são obras de juventude - se alguma vez a teve) direi que na 1ª parte da nota publicada na Sábado, supl. GPS, pág.42, faz uma pungente prova de ignorância - terá sido pressa, o ímpeto do ataque, talvez, mas não poder acontecer. Diz ele que em 1957 a Gulbenkian «realiza a sua 1ª Exposição Geral, oásis no Estado Novo». Vários erros de palmatória: nunca se chamou nem poderia chamar Exp. Geral, mas só Exp de Arte Plásticas: Geral (Gerais...) eram as 10 exp. que a oposição democrática ia fazendo anualmente na SNBA, até 1956 (a 10ª Geral). E acontece que essa 1ª Exp. FG (a 2ª foi só em 1961, com mais abertura) foi marcada qt ao júri, à selecção e à premiação por uma pesada prudência face às correntes estéticas e aos confrontos Situação-Oposição. Nunca foi vista como um «óasis no Estado Novo», porque o panorama artístico não era então monocórdico ou arregimentado ou desértico: esquecendo as Gerais, de que não se lembrou e faziam oposição directa ao SNI, tínhamos como "oásis" a Galeria Pórtico e o Movimento de Renovação da Arte Religiosa, a Galeria Alvarez que expôs Amadeo em 1956, ano tb da criação da Gravura, bem como da exp. Artistas de Hoje na SNBA. Etc. Qual, quando o «oásis no Estado Novo» a FG de 1957?
A seguir: "antes da criação do Centro de Arte Moderna, em 1983, a Fundação tem uma clara posição sobre a arte do seu tempo, com o Acarte,…». Aqui a ignorância que se soma à má fé é gritante. Não, antes de 1983, a FG não tem uma posição clara, e depois também não, apesar de ter conseguido comprar para a abertura do CAM centenas de obras ao Jorge Brito para ocupar as paredes que teria vazias ou envergonhadas. E para isso o Azeredo serviu-se da posição que tinha no Banco de Portugal para obrigar o grande coleccionador a vender - para a pequena história conto que o Brito exigiu ser pago em notas e saiu da FG carregado com os sacos. Antes de 1983 a FG fez compras incertas, irregulares, ocasionais e ao sabor de mundanidades e decorações. Não comprou o melhor das exps. de 1957 e 1961 (um dos méritos desta montagem é ir buscar algumas peças nunca vistas, melhores ou piores mas significativas, compradas por ocasião da 1a Exp.). O melhor que se mostrou em 1983 veio da Col. Brito, que devia ser melhor conhecida, se este não fosse um mundo de intrigas.
Não, o Acarte não é anterior ao CAM, e foi em 1984 inventado para arrumar a D. Madalena, que depois fez um óptimo trabalho, como já fizera antes nas músicas, a partir de então com um arrojo inédito. Lembro-me de criticar no DN a criação do Acarte pq faltava ao CAM muita coisa para tornar-se um eficaz Centro de Arte Moderna. E foi faltando sempre: até à doença de Azeredo (o grande fundador, o visionário que se bateu pelo CAM contra a restante administração) era ele e a srª que certos sábados davam a volta às galerias para decidir as compras que lhe apontava o arq. Sommer, um director que se foi fazendo em andamento, "in progress" do princípio da casa à sua reforma. Sempre que o custo ultrapassava (já no final) os 50 contos (250 € hoje) era o Presidente a decidir.
Como é que o CV chama às "Linhas do Tempo" uma «aglomeração sem nexo», numa prosa que é um aglomerado de erros desalinhados? Erros com nexo, mas que só ele conhecerá. Uma espécie de campanha?
Em tempo: eu não conheço a nova directora dos Museus Gulbenkian. Nunca fui apresentado à Penelope Curtis, nem lhe falei ocasionalmente. Sei que veio da Tate Britain acompanhada por alguma contestação na imprensa, e sei que isso às vezes é bom sinal, outras vezes não. #MuseusGulbenkian #PenelopeCurtis
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