Também fui hoje, com gosto, ver a exp.-instalação Isabel Sabino no Museu Militar - sem tempo (o trânsito, o trânsito...) para dar a volta a esse museu precioso e muito pouco conhecido.
Enfrentou a grande Pintura de História (aqui pintura histórica) de Adriano Sousa Lopes e outros numa escala compatível com o espaço disponível (duas vitrinas de pequenas pinturas instaladas e uma construção-instalação no centro de uma outra sala, barreira ou trincheira de pano sobre terra) e em especial com a condição memorialista das imagens fotográficas apropriadas pela pintura (pela pintora), numa escala que é feminina pelo intimismo e também pela cor vermelha de sangue que tudo recobre, por vezes coagulado em pastas.
Em "Mulheres de Armas" colecciona retratos de mulheres que foram em geral feministas, Maria Lamas, Angelina Vidal, Carolina Michaelis, entre as mais conhecidas, identificadas por medalhas de chumbo (?). Noutra vitrina, o título geral "A menina (não) fica em casa" declina-se em imagens fotográficas de cenas colectivas, cenas de trabalho feminino que a ausência dos homens na guerra autorizou e/ou exigiu. Passa-se da representação-nomeação de figuras prestigiadas, honorífica, à atenção às mulheres anónimas. O trabalho, fora do espaço doméstico, era ao mesmo tempo emancipação (relativa) e opressão/exploração, e aí se encontra exposto também enquanto imagens de guerra, como o outro lado menos lembrado da guerra. Na trincheira encenada, adiante, encontram-se retratos também femininos de guerras actuais.
É eficaz a intervenção, ligando a evocação histórica dos murais envolventes e as armas expostas à criação contemporânea, actualizando intenções, procedimentos e representações. Décadas de interditos (a figura, a ilustração, a pintura) limitaram a troco de uma demasiado incerta e inútil "autonomia" a capacidade de referir acontecimentos e situações, a possibilidade de intervir no campo das práticas sociais. I.S. intervém, actualiza imagens, produz um discurso visual veemente sobre o lado oculto (menos heróico) da guerra, sobre as lutas e o trabalho discreto das mulheres. O impacto visual, a visualidade dos objectos, que vemos instalados, aglomerados, ultrapassar aqui as condições de eficácia da sua apresentação; são imagens sobre tela, marcadas pela acção da pintura, activas, gritantes - nada a ver com a facilidade de muitas apropriações preguiçosas de fotografias e objectos. Até 29 de Setembro, uma louvável abertura do museu à arte contemporânea.
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