1. Volto a falar dos Mirós, depois de mais uma declaração confusa do ministro da cultura. Pergunta o jornalista de serviço às Festas da Srª da Agonia (Viana) se está decidido o destino dos Mirós "que o Estado herdou". O ministro, que é culto e informado, além de poeta, não corrigiu a ignorância ou rasteira do jornalista, e respondeu que prosseguem as conversações com o presidente da Câmara do Porto, bem encaminhadas.
Ora o Estado não herdou, e ministro Luis Castro Mendes não corrigiu, deixando correr uma ilusão ou mentira. Foi a CGD (tão falada ultimamente por más razões) que deitou mão às pinturas quando o BPN foi nacionalizado e integrado no banco público. Passaram uma noite a levar os Mirós para os cofres da CGD e, depois de apreciados por entendidos e avaliados por profissionais, deveriam servir para amortizar dívidas: eram activos de um banco falido. Sabe-se que a administração do BPN após nacionalização levou a cabo uma muito cuidada operação com vista ao leilão da Christie's (que ofereceu mais que a Sotheby's). Depois a Parvalorem deixou atrasar a saída das obras e acabou por infringir disposições legais condicionadas pelos prazos de permanência de obras em Portugal. O leilão foi adiado e a Parvalorem multada pelas infracções que cometeu.
O que é a Parvalorem? "A PARVALOREM, S.A. tem por objetivo gerir, criteriosamente e com o sentido bem presente do “Interesse Público”, a carteira de créditos adquiridos no âmbito do processo de reprivatização do BPN por forma a contribuir para a minimização do esforço financeiro do Estado associado a esta operação."
Informava a Parvalorem em Fev de 2014: "O leilão internacional para as obras do pintor Joan Miró agendado para fevereiro de 2014 não se realizou, por contingências externas conhecidas, estando prevista, no entanto, a sua realização no decorrer ainda do ano de 2014."
Recentemente o responsável pela empresa explicou que as obras se mantinham sob a sua tutela e que nada se alterara quanto ao seu destino.
2. Ora o presidente da Câmara do Porto, que é um autarca respeitado, mesmo em Lisboa, ainda não disse que está disposto a pagar os 35 milhões, pelo menos, que constam da avaliação da Christie's. Está à espera que o Ministro da Cultura Luis Castro Mendes pague os 35 milhões à Parvalorem e ofereça o acervo ao Porto? Acredita que o Estado "herdou" os Mirós e se esqueceu que a Parvalorem adquiriu a carteire de créditos... para a minimização do esforço financeiro..."?
Espera mobilizar os tripeitos para comprarem os Mirós? Convém que se explique para pôr cobro a ilusões e disparates, ou que ponha a debate as razões desta ideia de ter um museu Miró no Porto (o pior dos Museus Miró, como escreveu o professor Jorge Calado).
Então poderemos lembrar ao presidente Rui Moreira que pode optar por algumas escolhas melhores. Certamente conhece a Colecção (João) Allen, comprada em 1850 pela Câmara do Porto e mais tarde integrada no Museu Nacional Soares dos Reis, o qual viria a dispensar as peças mais antigas quando da controversa intervenção do arq. Fernando Távora.
O falecido vereador Paulo Cunha e Silva conhecia a importância deste acervo: já não se trata de fracos Mirós, mas de coisas sérias como os retratos do Renascimento francês de François Clouet - um deles o retrato da noiva prometida a D. Sebastião, a depois desaustinada Margarida de Valois (seria agora um must, e foram obras de referência para os pintores do Porto) -, as pinturas de Frei Carlos e Gaspar Vaz, de Domingos Vieira e Vieira Portuense, e mesmo Domingos Sequeira, o mesmo cujo peditório trouxe justamente o Museu de Arte Antiga às bocas de mundo - tudo isto por absurdos critérios museológicos tolerados ao arq. Távara ao tempo de Simoneta Luz Afonso, era directora uma Mónica Baldaia que se distingiu por ser filha da Agustina e - mais tarde - por se ter substituído judicialmente a uma promissora nova directora, a Lúcia Almeida Matos; a seguir, recebeu uma choruda maquia e foi-se embora.... Tudo se completaria com outras obras dispersas e agora não expostas, como o importante quadro de Zuloaga (Ignacio Zuloaga, um grande pintor do século XX espanhol) que se via na Biblioteca Pública do Porto. (Retrato de quem? de um intelectual espanhol de renome, mas qual? Quando voltei à procura já não estava no seu antigo posto.
Um dos retratos do Renascimento francês de François Clouet da Colecção Allen, "antigamente" expostos no Museu Nacional Soares dos Reis (antes da Troika Távora, Simoneta, Mónica) - o retrato da noiva prometida a D. Sebastião, a depois desaustinada Margarida de Valois (seria agora um must, e foram obras de referência para os pintores do Porto). Avisam-me que os quadros regressaram ao Museu e subiram ao 1º andar - VER COMENTÁRIO
Certamente Rui Moreira pode também preferir aos Mirós de 2ª a ideia de restabelecer o Museu de Etnologia do Porto que funcionou no Palácio de S. João Novo entre 1945 e 1992: fechou há 24 anos, por degradação do edifício mas com promessa de reabertura. (Lia-se no Público em 19 Jan de 2007, em notícia de Abel Coentrão: "Fechado desde 1992, e com as colecções dispersas por outros equipamentos culturais, o Museu de Etnologia do Porto vai mesmo voltar a abrir. O Instituto Português de Museus (IPM) viu aprovada pelo Conselho de Ministros a proposta de aquisição do Palácio de São João Novo, no centro histórico da cidade, e, segundo o seu director, Manuel Oleiro, consumada a compra, por quase 1,46 milhões de euros, vai dedicar o ano de 2007 à elaboração de um programa museológico que ditará o âmbito das obras que serão posteriormente realizadas naquele edifício oitocentista...")
Fernando Lanhas foi o seu último director, numa linhagem de notáveis folcloristas e etnógrafos do norte.
Que o caso Miró seja o mais falado tema relativo às políticas de cultura em Portugal, quer dizer muita coisa sobre o país e sobre o Ministério.
Nota: Não é o destino Porto que está em causa. Não se trata de uma colecção mas de um acervo (colecção é outra coisa). Não se trata de "uma colecção agora pública" mas de um acervo arrolado por um banco credor, a CGD (o banco é que é de capitais públicos, embora forçado a cumprir a mesma racionalidade que a banca privada). O acervo não será "oferecido": alguém o terá de pagar à CGD, à Parvalorem, ao Min. das Finanças, a todos nós; ao passar a bola ao Porto, a ideia é que seja o Porto a pagar, em dinheiro, em favores políticos, por troca, etc. O Rui Pereira está a jogar com um próximo capital de queixa contra o centralismo.
3. Transcrevo da coluna de Jorge Calado no Expresso Revista de 20 de agosto, que encontrei há pouco no Bar Irreal:
"(...)Parece que os 85 Mirós vão ficar por cá. Nenhum deles é obra-prima. (A colecção está avaliada em 50 milhões de dólares, e em 2012 um único Miró foi vendido por 37 milhões.) Em vez de ficar com dois ou três razoáveis e vender o resto para comprar obras para as colecções existentes, vai-se criar o pior museu Miró do mundo para mostrar o rebotalho de uns restos de colecção. Como dizia um velho professor meu, os portugueses gostam de rapar o fundo aos tachos e de fumar as beatas que apanham do chão.(...)"
O ministro da cultura Luis Castro Mendes, o poeta Luis Filipe Castro Mendes, o ex-embaixador na Unesco, o meu antigo amigo da Grãfina (anos 70) responde ao professor Jorge Calado?
4. O ministro Luís Castro Mendes respondeu pouco depois na sua página do Facabook, apagando dela as minhas notas anteriores (o que compreendo bem, por terem entrado cordial e "abusivamente").:
"Estando já a coleção Miró na esfera patrimonial do Estado, a decisão sobre o seu futuro é uma decisão política do Governo, como a Parvalorem aliás declarou recentemente."
É uma prudente resposta. A 'esfera patrimonial' resulta da nacionalização do BPN, como os restantes activos que se destinam a amortizar as dívidas, e como os passivos que andamos a pagar (não é "o Estado" que paga").
A decisão do Governo será 'política', não cultural, porque não se reconhecem ou sustentam os méritos culturais de uma decisão de compra, ao contrário do que sucedeu com o Sequeira (SÓ 600 mil €) e sucederá, espera-se, com as Vieiras do Jorge de Brito (SÓ 6 milhões €, a trocar por terrenos - e atenção, o acordo cessou em 2015, não dá para empurrar mais com a barriga).
A decisão seria também de ordem financeira, o que o ministro omite, porque haveria valores (quantias: 35 milhões €, pelo menos) que teriam de passar de um orçamento para outro.
A Parvalorem esclareceu recentemente que os tais Mirós lhe continuam entregues e que o Governo não lhe comunicou qualquer alteração das orientações antes seguidas.
Obrigado, caro LuÍs Filipe por esta oportunidade de esclarecimento. Mas o pior museu Miró do mundo, na feliz fórmula de Jorge Calado, é a tua questão mais importante? #mirosdobpn
5. Quando tiver tempo irei recordar cronologias: a nacionalização do BPN ocorre no governo Sócrates, 2008. A decis\ao de pôr o acervo em leilão é tomada pouco depois pela administração do BPN nacionalizado e integrado na CGD que fora nomeada pelo min. das Finanças Teixeira dos Santos. Esta administração construiu um processo de venda (leilão) com uma grande mestria. A Parvalorem conduziu mal o processo de saída das obras, que de início não necessitavam de autorização de saída. O SEC Jorge Barreto Xavier, através da DGPC, teve de intervir sobre esse processo de saída, pelo qual a Parvalorem foi condenada a uma multa. Não foi a decisão de vender que esteve em causa. Depois intervêm as deputadas culturais do PS; depois o João Soares escorrega e fala em instalação definitiva, em permanência no país, em vez de falar só em mostrar o acervo, satisfazendo a curiosidade mórbida de uma dúzia de voyeurs e meia dúzia de personagens artísticos que encontraram um aocasião fácil para se porem em bicos dos pés. E assim vamos. Mas o governo ou o ministro cairão antes que se pratique o dislate do pior museu Miró do mundo, antes que se cometa mais um crime.
Entretanto, o que têm feito? Não reabriram o Museu de Arte Popular, associando-o à redinamização do Museu de Etnologia; não recuperam e exploraram o antigo Jardim do Ultramar (entregue à Universidade para despachar); não projectaram o IICT - Instituto de Investigação Científica Tropical ao seu devido lugar no mundo; não fizeram reabrir ao público as Gares Marítimas com os murais do Almada não articularam os equipamentos culturais e científicos da zona de Belém; não acabaram e resolveram o novo museu dos coches, naquele mamarracho Pritzker; não avançaram com o possível projecto de aproveitamento do edifício do Convento de São Francisco (Museu do Chiado, Fac. e Academia de Belas Artes); não encontraram destino para o Pavilhão de Portugal, se tal for possível (Portugal tem destino?) - também o despacharam para uma Universidade de Lisboa bulímica e sem dinheiro para vícios; e por aí fora.
Não há obra (empurram com a barriga), e felizmente que não tem havido muita garganta.
AVISAM-ME
Ex.mo Senhor Alexandre Pomar,
No seu texto de hoje, "Os Mirós do PS/BPN, actualidades (outras tarefas a cumprir com prioridade)" consta uma informação errada, que, justamente pelo valor que (também) lhe atribui, creio dever ser corrigida: os dois retratos de Clouet (Henrique II e Margarida de Valois, a imagem deste reproduzida por si) estão expostos no Museu Nacional de Soares dos Reis, pelo menos desde 2010 – justificando, mas não esgotando, uma subida ao segundo andar do Museu.
Com os melhores cumprimentos, Helena Santos
OBRIGADO
Desconhecia. Vou ver se tenho alguma coisa a alegar em minha defesa. As obras (essas e outras?) estão anunciadas no andar térreo? Não. Trata-de de um novo percurso da col. permanente? As obras da Col. Allen (essas e outras) foram há anos mostradas na Gal Mun. A. Garrett por não estarem expostas no MNSR. Vi essa exp., tenho de recordar o que escrevi então (tb neste blog?)
Posted by: Alexandre Pomar | 08/27/2016 at 11:19