(15 Julho, Facebook. 4) "El retrato español (del Greco a Picasso)", Museo del Prado, 2004-2005, catálogo.
A diferença de escala é arrasadora, a escala do país, da cidade, do museu, da galeria de artistas (com Zurbarán, Velázquez, Goya, etc), o que deveria ter justificado uma iniciativa prudente e séria. É certo que o título por extenso é algo cauteloso - "Do tirar polo natural: Inquérito ao Retrato Português" - mas a palavra Inquérito não basta para informar da modesta escala do projecto. Modesta e precária, modesta e aleatória, amadora, brincada, em muitas das escolhas e em opções de montagem. Convém carregar nas palavras: esta é uma exposição temporária que falha nos seus possíveis propósitos e que, nitidamente, falha em relação à qualidade habitual das mostras que o MNAA tem apresentado. Os comissários falharam, mas a mostra tem sido poupada (...) pela imprensa que existe, onde a crítica já não cabe.
Sim, vieram de fora do Museu, do Porto, de Aveiro, do Funchal, e de fora do país algumas obras, mas juntaram-se-lhe muitas outras de imprópria qualidade comparativa, ao mesmo tempo que, quanto à produção contemporânea, se desconsideraram artistas que na área do retrato têm nas décadas mais recentes o lugar mais destacável - aponto a pintora Graça Morais e o fotógrafo José M. Rodrigues. E o Ipad de Nuno Viegas em vez dos super8 de Ângelo ou Calhau, que envelheceram irremediavelmente, academicamente. Não é por acaso ou por falta de espaço - é porque a abertura ao chamado "contemporâneo" que aqui se quis exibir significa a prática da exclusão e da arbitrariedade.
Inclui o título da exposição o título de uma obra de Francisco de Holanda, autor nacional que não teve projecção externa, e a teve escassa em português, mas tratou-se aqui só de homenagear, sem responsabilidade nem consequências - «retomando, como homenagem, o título de um diálogo sobre a pintura retratística», diz o desdobrável. O que nele está em questão, porém, não é o retrato em geral, como género, mas o retrato praticado perante o modelo, tirado do natural, ou seja, a pintura de observação, «sur le motif», dirá Cézanne, «painting from life», dito em inglês.
Importava ao humanista que foi Francisco de Holanda a apologia do retrato do natural, que o Renascimento recuperou, e é a procura das respectivas regras que o ocupa, fundadas na presença do retratado diante do pintor, embora também ambiguamente abra espaço à idealização do modelo, à "fantasia" vista pelos olhos "invisíveis", na via do neoplatonismo que corresponde já ao entendimento de Miguel Ângelo.
Invocar Francisco de Holanda implicaria pensar a presença viva do modelo, a semelhança captada pela mão que é guiada (electrizada, dizia Avigdor Arikha) pela verdade observada, prática rara ao longo da história da arte, distinguindo a pintura do natural do retrato de imaginação, da produção de imagens. Distinguindo a melhor pintura. Poderíamos, em especial, ter visto como o trabalho com modelos mudou a pintura de Paula Rego (a estampa da "mulher cão" é insuficiente para isso). Mas não, perdeu-se a oportunidade, o retrato português não se safa.
(11 Julho. 2) Já voltei ao MNAA mas não consigo perceber este percurso, logo à entrada da exposição. A tela suja da Helena Almeida (cinema?); as 6 obras 6 da Lourdes Castro (sombras projectadas, silhuetas) com o recorte da Ana Vieira; os monstros pendurados do tecto, depois do belíssimo retrato de Henrique Franco trazido do Funchal ("Blusa Azul", cf. o quadro homónimo de Sousa Lopes); em frente, a apresentação amalgamada de algumas importantes pinturas.
(Henrique Franco, "Blusa Azul", uma obra trazida do Museu Henrique e FranciscoFranco, Funchal.)
(11 Julho. 3) Aqui sacrificam-se as obras ao efeito de montagem e ao desacerto das tabelas. As fotos de Carlos Relvas e Fernando Lemos - depois da notável prova vintage de João Cutileiro, o retrato da mãe, de 1964 - aparecem sem a indicação de que se trata de provas de impressão recente (o que é grave num museu que se quer sério - no caso do Relvas, que fica assim muito mal representado; podiam ter consultado o catálogo da exp. que o próprio MNAA lhe dedicou em 2003). E três das fotos do Lemos, mal impressas, aparecem desbotadas a azul.
Ao lado, a apresentação das esculturas variadas foi sujeita a uma bidimensionalidade fotográfica que as aparenta à parede de Relvas & Lemos mas resulta em prejuízo das obras. Em destaque, ao centro, fica o realismo rústico dos dois padres. Preferiu-se a anedota.
(Os bustos engaiolados de Sarah Afonso por Diogo de Macedo, ? de Tiago Alexandre (?), uma caricatura de J.A. França (João Cutileiro), Teixeira de Pascoaes (António Duarte) e Manuel Jardim (Francisco Franco) - da esq para a direita, em cima. Em baixo, da dir. para a esq., Canto da Maia, Cabeça de Rapariga; Soares dos Reis, Cabeça de Negro; Galiano, etc.)
(8 Julho. 1) A/o artista português contemporânea/o que tem uma mais forte relação com o retrato é a Graça Morais. Gostava de perceber porque não está na exposição do MNAA chamada "Do tirar pelo natural". (Foto de 2017, exp. na Fundação Champallimaud)
O Nuno Viegas também faz lá falta, por exemplo com uma das suas pinturas digitais. Em vez daquelas coisas académicas chatíssimas que exemplificam a fetichização dos vestígios escolarmente vanguardistas da Helena Almeida, Calhau e Ângelo. É que é notório que ninguém pára para os ver. Estão lá a marcar o terreno do "contemporâneo", entendido como espaço tutelado, feito de nomes cooptados e de exclusões.
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