Devo ficar surpreendido por a gente do mundo da arte não aparecer a pronunciar-se sobre a colecção de Arte Moderna e Contemporânea e sobre os museus onde tem sido apresentada a Colecção Berardo desde há 22 anos?
Devo espantar-me por parecer que os deputados daquela comissão nunca visitaram o Museu Colecção Berardo instalado desde 2007 no módulo III do CCB? Não sabem o que é a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo, criada por decreto-lei de 2006, que mantém o Museu e é uma parceria entre o Estado e a Colecção (a Associação Colecçõ Berardo), em partes iguais? É um grande museu muito frequentado e com larga projecção também internacional. A colecção é única em Portugal e não parece dispensável no CCB.
De facto, a única colecção de Arte Moderna e Contemporânea internacional que se pode visitar em Portugal começou por estar sediada durante dez anos em Sintra, no antigo Casino: em 17 de Maio de 1997 inaugurou-se o Sintra Museu de Arte Moderna - Colecção Berardo, e o respectivo acordo estabelecido por Edite Estrela, então presidente da Câmara, teve uma vigência de dez anos, que não foi renovada pelo autarca de turno. Foi dirigido de 1997 a 2008 por Maria Nobre Franco, que tinha sido antes uma excelente directora da Galeria EMI -Valentim de Carvalho (1984-1995). O catálogo da Colecção Berardo no Sintra Museu fora lançado em versão inglesa em Julho de 1996 na Serpentine Gallery de Londres. No Museu exibiram-se, além da colecção, que foi sendo ampliada, algumas grandes exposições de Rui Chafes, Susana Solano, Júlio Pomar, Michael Craig-Martin e Fernando Lemos.
O Museu Colecção Berardo situado no CCB foi inaugurado em 25 de Junho de 2007 e aí se mantém. A renovação do protocolo inicial estabelecido em 2006 entre o Estado e Berardo ocorreu em 2016, com uma adenda que prolongou a sua vigência por mais seis anos (renováveis), até 2022, regulando a possibilidade de compra da Colecção por parte do Estado. Certamente perdeu-se então uma oportunidade para renegociar aspectos menos favoráveis ao Estado do acordo inicial, mas o processo conduzido pelo ministro Castro Mendes foi do conhecimento de António Costa. O Estado assegura o funcionamento do Museu mediante uma dotação que é este ano de 2,100 milhões de euros, a que acrescem as despesas do local (luz, segurança, etc) no valor de cerca de 1,300 euros, para além das receitas da bilheteira, depois de 10 anos de entrada gratuita.
Antes da criação do Museu Berardo, as obras da Colecção tinham passado em 1996 a contar com um espaço de conservação e reserva no CCB, mediante um acordo estabelecido ao tempo do ministro Carrilho (1º Governo Guterres) que tinha como contrapartida a possibilidade de se apresentarem exposições de obras da colecção no mesmo CCB. Logo no ano seguinte o CCB apresentou uma grande exposição sobre a Arte Pop organizada a partir da Colecção Berardo. Em 2000 a Colecção, que entretanto alargara o seu horizonte cronológico de 1945 até aos anos 1920, foi apresentada em dois núcleos simultâneos em Sintra e no CCB. Ia-se abrindo o caminho para a criação do Museu inaugurado só em 2007 no CCB (ao tempo do Governo Sócrates).
Recuando um pouco, pode lembrar-se que a colecção foi dada a conhecer em Fevereiro de 1995 na revista americana ARTNews, ainda sem se referir o nome de Berardo: era o “Portugal’s Mistery Man” que batia records de vários artistas (por exemplo Oldenburg, Joan Mitchell, Robert Indiana) nos leilões internacionais. Aí se falava da intenção de instalar um Museu em Portugal. Os contactos ainda informais com responsáveis institucionais tinham começado no ano anterior. O Museu Berardo em Sintra foi anunciado em primeira mão pelo expresso em Julho de 1995. A primeira exposição de obras da colecção (ainda anónima) tinha ocorrido em 1993 na Galeria Valentim de Carvalho. As primeiras compras terão começado em 1990. Todo o processo de formação da colecção era então conduzido pelo economista Francisco Capelo, associado de Berardo, até ocorrer uma ruptura entre os dois em 1999, por altura da venda do grupo de comunicação social, a Investec (Record, Máxima, 25% da SIC). "Paixão privada, ambição pública" foi o título da entrevista a Capelo publicada no Expresso em Maio de 1997, ao abrir o Museu em Sintra.
A colecção continuou, apesar de ter havido uma campanha hostil, e alargou-se depois dessa data sob a direcção directa de Berardo - foram anunciadas as compras excepcionais de duas pinturas de Francis Bacon e Robert Delaunay. Em 2003 Berardo é colocado na lista dos 100 mais poderosos do mundo da arte elaborada anualmente pela revista norte-americana Art Review, ocupando o lugar 56. Em 2007, depois da abertura do Museu em Belém, regressa à lista em 75º lugar. Além da Colecção fixada no protocolo de criação do Museu, avaliada pela Christie's em 316 milhões de euros, Berardo foi alargando a sua colecção pessoal de arte contemporânea, com naturais variações de interesse e qualidade (excelentes esculturas de Moore e Dubuffet...), além de dispor de outras colecções mais ou menos heteróclitas (Art Nouveau e Art Déco, arte africana - que a CML expôs em 2009 no Páteo da Galé: "Alma Africana" -, cerâmica histórica das Caldas, painéis de azulejo, publicidade e cartazes, budas e soldados chineses de terracota, escultura pública, plantas, etc, etc, que tem apresentado em espaços de enoturismo) - e tem anunciada a abertura no próximo verão de dois novos museus com o seu nome, em Estremoz e Lisboa/Alcântara).
A abertura e o lançamento do Museu Colecção Berardo no CCB contou com o talento do seu primeiro director, Jean-François Chougnet, um gestor cultural francês de larga carreira (de 2000 a 2006 no Parc de La Vilette, Paris). Manteve-se à frente do Museu até 2011 - depois dirigiu a Capital Cultural de Marselha e hoje dirige o grande museu desta cidade, o MUCEM. Foi um excelente director - pelo Museu passaram notáveis exposições (Pancho Guedes, Cabrita Reis, Joana Vasconcelos, "Amália. Coração Independente", "Arquivo Universal", "Teatro sem Teatro", etc), algumas em co-produção internacional.
Durante dois anos (2007 e 2008) o Estado e Berardo contribuíram com a verba de 500 mil euros cada para aquisições de novas obras atribuídas à Fundação, então feitas sob a orientação de Chougnet - era uma norma do acordo que deixou de ser cumprida. Seguiu-se durante seis anos Pedro Lapa como director do Museu (2011-2017), em anos de crise, redução de financiamento e também de fechamento da programação sobre a área da arte mais recente, com menor êxito de público. Actualmente o Museu é dirigido por Rita Lougares, aí desde sempre com funções de conservadora, verificando-se uma nova abertura dos horizontes da programação, por exemplo com as excelentes mostras “Modernismo Brasileiro na Colecção da Fundação Edson Queiroz” e a mais recente “Quel Amour”.
O Museu lá está, indispensável e gratuito ao sábado. Convém que os comentadores o conheçam.
In the twentieth century, art died. The berardo collection is proof of this!
Posted by: Olga Santo | 11/04/2019 at 12:21