A falta de discurso político e de actuação prática (de intervenção pública e resposta técnica) de Graça Fonseca está a propiciar uma vertigem muito pouco racional na área que se entende como A Cultura. Uma pequena vertigem com alguma projecção mediática, por contiguidade e cumplicidades.
Tudo se baralha, num espaço em que confluem o trabalho e o ócio; a diversão, o entretenimento, o lazer, a investigação, a formação, a criação artística e intelectual; o emprego, a vocação, a paixão, o gosto; a actividade profissional e a amadora; o espectáculo público e o consumo privado; as indústrias da cultura e as práticas artesanais ou íntimas; o artista-criador e o técnico ou funcionário; as artes todas, com a sua radical diferença de condições de exercício, do cinema à poesia, por exemplo. A amálgama impera sem exame.
As necessidades de assistência face à penúria de recursos de muitos (muitos em geral e não só na cultura) e, por outro lado e em simultâneo, as condições de produção, distribuição e consumo (acesso, participação e fruição) são coisas diferentes, e facultar abonos não é o mesmo que apoiar a cultura.
Defender e valorizar as estruturas públicas da cultura não é o mesmo que favorecer a produção das artes. (Ou melhor, corrijo, não é o mesmo que favorecer artistas e agentes culturais, face aos restantes cidadãos, trabalhadores e desempregados. As estruturas públicas favorecem a produção, como as antigas cortes e mecenas: adquirem, encomendam e programam, atribuem bolsas, prémios e subsidios. Ver abaixo)
O meio social das artes existe sobre o individualismo dos artistas e actores. É um meio fortemente hierarquizado em que a excelência e a fama coexistem com o falhanço e a obscuridade, sobre fronteiras legitimadas ou insondáveis. Um meio em que coexistem o patrocínio e a encomenda, o subsídio, o prémio e a bolsa, a dinâmica empresarial e o acto isolado, o mercado (os mercados público, corporativo ou empresarial, fundacional, comercial - e a troca) e a dádiva ou partilha; a crítica e a promoção; o luxo, o gadget e o necessário; a elite e as massas, o erudito, o “culto”, o kitsch e o popular. Um meio onde todas as fórmulas por mais contraditórias têm curso: o culto do génio e a proclamação de que todos somos artistas; tradição e vanguarda; arte e anti-arte ou cultura e anti-cultura.
O meio da cultura não parece capaz de pensar a sua identidade ou identidades. Nem a “tutela” política nem a diversidade sectorial dos seus agentes - e é essa incapacidade que o caracteriza.
Foi um artigo do Público (22.05) que me estimulou, logo de manhã cedo, mas tentei desligar do pretexto. Também não me parece acertada a campanha do “Unidos pelo...” e os episódios anteriores na área das artes plásticas e outras não ajudam nenhuma causa, embora possam vir a intimidar um “poder” hesitante e incerto.
Não vejo por que os artistas e candidatos a artistas, os mediadores e os técnicos, carenciados, não se identificam e unem com os outros desempregados, precários e invisíveis, exigindo iguais rendimentos mínimos assegurados, mesmo que temporários.
O vazio político nesta área tem favorecido a confusão, por exemplo o julgar oportuno “resolver” agora a questão de um alegado estatuto profissional dos artistas (quem se reconhece como artista e quem é reconhecido como tal, por quem?). (Os artistas querem uma tutela? Uma Ordem? E como se gerem as regras ou imposições sindicais? Como se administra a liberdade?) E a questão da intermitência na área do espectáculo.
A lógica das antigas corporações fica à espreita (quem não tem estatuto ou carteira profissional de artista não cabe na condição de artista. A funcionarizacao como ideal.
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