Rui Filipe (1928-1997) não foi neo-realista, ....
Paisagem 1972 e Sem título [Floresta Africana], 1976
da dir. para a esq. Menina, 1953; Natureza Morta, 1951-53; Crianças na Praia, 1953
... nem surrealista, nem "abstracto" e são em geral os estilos colectivos que se valorizam e divulgam. É muito mais fácil apontar um qualquer ismo, recorre-se a uma grelha sabida e cada artista é visto como a ilustração de uma versão nacional do movimento, em geral sem originalidade assinalável.
Rui Filipe é mostrado no Museu que Vila Franca de Xira dedica ao Neo-Realismo, e é uma surpresa: a sua obra é mal conhecida, em especial a das primeiras décadas (o comissariado é de Paula Loura Baptista). Por momentos a sua figuração pode aparentar-se aos realistas (Multidão, 1962, e Carrocel, 1960-61). Antes, a geometrização da paisagem é reflectida e poderosa, sem ser um mero exercício formal (Casas, 1954). Muito mais tarde algumas obras sugerem um regresso a visões africanas, nomeadamente ao all-over próprio de Malangatana. Mas desde as obras dos anos 50 (Menina, 1953; Natureza Morta, 1951-53; Crianças na Praia, 1953; ou os casarios sombrios) há uma muito constante estranheza intrigante, alucinada, ou uma dimensão talvez metafísica, única na pintura portuguesa, que se mantém nas paisagens lunares de objectos abstractos e depois nas figuras frontais e imóveis, espectrais, da sua obra tardia e mais conhecida.
Veio de Moçambique (em 1946), como se confirma pelas primeiras peças da exp., com retratos africanos que se dirão académicos (discípulo de Frederico Ayres em Lourenço Marques). Primeiras exp locais em 1944 e 46, de onde Henrique Galvao terá trazido uma beleza negra que incluiu em Outras Terras, Outras Gentes, na edição em fascículos de 1944-47. Depois foi aluno de Domingos Rebelo e de Dórdio Gomes, no Porto (EBAP?), e principalmente de Vázquez Dias em Madrid (1948-51), um sólido e influente admirador de Cézanne, com quem "aprofundou os valores expressivos de um paisagismo mental, articulando as superfícies dos motivos numa continuidade contornada muito rítmica que o cromatismo surdo acentua", Raquel Henriques da Silva (Museu do Chiado: Arte portuguesa 1850-1950, 1994, p. 314; in Wikipedia).
Viajou e frequentou academias em Paris (La Grande Chaumière) e Londres, a Slade, colega de Cutileiro... É um itinerário original e raro no seu tempo, e a sua obra é também original, pessoal, diferente. A mostra antológica, a 1ª, prolonga-se até Outubro e aguarda-se ainda o catálogo (tornou-se norma, uma praga, falhar a divulgação de uma exp e de um artista deixando a edição para as calendas...) Dizem-me que sairá no início de Setembro, e assim a exp. terá um segundo fôlego...
Entre 1962 e 1982 trabalhou em publicidade, que foi ocupação de muitos, e em geral fatal, mas não no seu caso. Nos anos 80, em que expôs com frequência e sucesso, as suas telas manifestam uma densidade expressiva algo dramática (que tem a ver com a morte de um filho), muitas vezes ocupadas por um rosto escultural que se destaca de um também denso trabalho matérico.
São particularmente interessantes as paisagens abstractas, ou que são antes espaços ambíguos preenchidos por formas escultóricas reconhecíveis e não figurativas, e as referências africanas que surgem em alguns trabalhos onde se reconhece uma vegetação luxuriante ou um encadeado ascendente de corpos que lembra nitidamente a escultura maconde na variante ”Ujamaa”, que significa família ou união.
Negra, 1945, publicado em Outras Terras, Outras Gentes, de Henrique Galvão
Vale a pena ir ver
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