É com muito agrado que vejo a Maria Lamas incluída na exp. "TUDO O QUE EU QUERO - Artistas Portuguesas de 1900 a 2020" que vai inaugurar na Gulbenkian no dia 2. Desde 2008, pelo menos, que fui escrevendo no blog sobre as fotografias que fez para "As Mulheres do meu País" e sobre outras que escolheu para a publicação em fascículos de 1949-50. Muito bem reeditada em facsímili pela Caminho em 2004, com recurso às provas originais (ed. esgotada e últimos exemplares guilhotinados pela Leya.
Em 1947, quando Maria Lamas dá início às suas viagens pelo país para a publicação do inquérito-reportagem 'As Mulheres do Meu País', tem 53 anos, e fora até há pouco directora com muito êxito da revista 'Modas e Bordados', do 'Século', jornalista e romancista - daí afastada por razões políticas. "Resolvi arranjar uma máquina e ser eu, também, fotógrafa", lê-se numa notícia publicada no boletim 'Ler - informação bibliográfica', das Publicações Europa-América (Maio-Junho 1948, pág. 10).
"A obtenção de fotografias, confessa, foi uma das maiores dificuldades que encontrou, pois queria-as ‘verdadeiras, expressivas, com valor documental e inéditas’. Acabará por assumir-se como repórter fotográfica, num trabalho pioneiro" – escreveu-se no ‘O Primeiro de Janeiro', Porto, 28 de Abril de 1948 (entrevista na pág. "Das artes e das letras"). Além das suas fotos escolheu centenas de outras de arquivos que conhecia bem. Mas o livro fotográfico passou em silêncio, mesmo na história do António Sena.
Os seus numerosos retratos de mulheres devem ser vistos como uma grande aventura fotográfica, com um sentido de documentário social, de denúncia e de esperança ou optimismo que tem de ser associado ao neo-realismo, como uma contribuição muitíssimo original (mesmo se não se falou à época de neo-realismo fotográfico). Nunca foram expostas até adiantados os anos 2000 (e seguramente não foram no seu tempo pensados como objecto de exposição, ou colecção, ou edição autónoma), e nem mesmo foram incluídos ou referenciados, ao que julgo, nas exposições documentais tardias sobre Maria Lamas. A fotografia tem por vezes esses invisíveis.
Herdeiras de uma prática fotojornalística recorrente - o retrato individual que acompanha as notícias - , as fotos de ML têm uma verdade, cumplicidade e energia contagiantes, que desde logo decorrem e comungam da situação concreta do inquérito e do voluntarismo da autora. Qualquer explícita ambição esteticista ou artística está ausente: são documento e testemunho, das mulheres encontradas no terreno e do inquérito da autora, fotógrafa espontânea mas não ingénua. A vontade de arte não garante o sucesso, ou pelo contrário.
Apresentei-a num colóquio associado ao Centenário da CUF do Barreiro, em Outubro de 2008 ( INDUSTRIALIZAÇÃO EM PORTUGAL NO SÉCULO XX. O CASO DO BARREIRO - Actas publicadas em 2010 pela Universidade Autrónoma de Lisboa) em que me ocupei do neo-realismo na fotografia portuguesa, de 1945 a 1963 (em especial Maria Lamas e Adelino Lyon de Castro).
Jorge Calado incluiu logo a seguir fotografias de Maria Lamas na grande exposição "AU FÉMININ - Women Photographing Women 1849-2009", no antigo Centro Cultural da Gulbenkian em Paris, 2009 (exp. pioneira que não veio a Lisboa nem itinerou, e teve um catálogo de apenas 600 exemplares, por vicissitudes da casa). Tinha sete provas de época mais uma prova moderna na mostra e foi a artista mais representada, entre 100 autoras desde os primórdios da fotografia representadas por provas vintage e de autor.
Depois apresentou-a numa escolha de apenas 10 fotógrafos (Cristina Garcia Rodero, Cristobal Hara, Edgar Martins, Gérard Castello-Lopes, Helena Almeida, Joan Colom, José Luis Neto, Joshua Benoliel, Maria Lamas e Ramón Masats) na representação ibérica que comissariou para a "Dubai Photo Exhibition 2016 − A Global Perspective in Photography", entre seis comissários europeus de um total de 18 curadores e de 23 países e mais de 700 fotos.
José Neves escreveu sobre "O País das Mulheres de Maria Lamas", e atendeu às fotografias, em 'Comunismo e nacionalismo em Portugal - Política cultural e história no seu XX', 2008, Tinta da China (doutoramento)
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